Primeira Divisão

Há meio século, a elite argentina enfim recebia um clube de Santa Fe, o Colón

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Festa da torcida sabalera pelo título de 1965

O campeonato argentino, apesar do nome, se concentra historicamente na Grande Buenos Aires. Embora tenha contado com um time rosarino na edição de 1894 (o Atlético del Rosario, hoje focado no rúgbi), chegou a proibir em 1900 times além de um raio de 30 quilômetros da capital federal (atrofiando o então vice-campeão Lobos Athletic), ainda que depois admitisse times de La Plata. Foi só em 1939 que houve maior expansão, com admissão da dupla principal rosarina, Newell’s e Rosario Central, já na elite. Já a dupla principal santafesina, Colón e Unión, teve de esperar a década seguinte e começar na segundona. Bloqueio que começou a se encerrar no biênio 1965-66.

A façanha do Colón não é maior apenas por ter subido antes do rival, mas também por ter feito isso na edição mais lotada já disputada na segunda divisão argentina. Foram 23 equipes em turno e returno. Dentre os participantes, os meteóricos Arsenal, Deportivo Español e Sportivo Italiano, todos com menos de dez anos de existência iniciada na quinta divisão; gente que se acostumaria a níveis mais baixos, casos do Los Andes, Deportivo Morón, Almagro, San Telmo, Defensores de Belgrano, Villa Dálmine, Talleres de Remedios de Escalada, El Porvenir, Sportivo Dock Sud, Excursionistas, Central Córdoba e Argentino de Quilmes; e ioiôs como Quilmes e Nueva Chicago. Além da dupla santafesina.

Vale ressaltar que o time, admitido na segunda divisão argentina apenas em 1948, dava suas cabeçadas (teve o artilheiro da segundona de 1950, José Canteli, até hoje dono da melhor média de gols do clube e seu segundo maior artilheiro), mas vinha de anos recentes na terceira divisão: caíra em 1959 e voltara apenas em 1963.

Outro fator que realça a conquista é que os grandes destaques eram todos recém-chegados, entrosados de última hora, embora o Colón, já em 1964, tivesse a alegria de ter batido o Santos de Pelé, mais um triunfo a justificar o apelido de “Cemitério de Elefantes” ao estádio General Brigadier Estanislao López.

Muitos dos novatos eram refugos de clubes mais tradicionais. O classudo zagueiro Jorge Sanitá viraria capitão. Veio do Rosario Central e ganhou aura de invendável. “Me lembro que Luis Artime passou do River ao Independiente por menos grana que pediam por mim”, declarou. E Artime era nada menos que o artilheiro dos campeonatos de 1962 e 1963.

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Nerbutti (goleiro reserva), Néstor Cardozo, Gisleno Medina, Garciá, Sanitá e Tremonti; Orlando Medina, Ríos, Canevari, Obberti e Alejo Medina

Outro que vinha do Rosario Central foi o ponta-esquerda Alejo Medina, que havia jogado só 27 vezes nos quatro anos anteriores pelos canallas. Foi o artilheiro da caminhada santafesina, com 21 gols, ainda que continuasse na segunda divisão: foi defender o All Boys na temporada de 1966. Néstor Cardozo e Sebastián García também vinham do Central.

Há quatro dias, Alejo se recordou do título ao Clarín: “jogávamos bem e metíamos gols. Em Santa Fe, perdemos só duas partidas e em todo o torneio nos deram apenas três pênaltis. Era um torneio duríssimo, com rivais muito fortes”. De fato, o campeão só goleou cinco vezes em 42 rodadas: 6-1 no Talleres de Remedios de Escalada, 5-1 no Los Andes (fora de casa), 5-0 no El Porvenir, 3-0 no Central Córdoba e 3-0 no Sportivo Italiano (fora de casa). Nos clássicos com o Unión, perdeu um e empatou o outro.

Além disso, quatro equipes tiveram ataques melhores, curiosamente todas do 6º ao 9º lugar: Arsenal (75 gols), Temperley (94), Nueva Chicago (75) e Almagro (85) contra os 72 do Colón. Mas os santafesinos tiveram disparadamente a melhor defesa, com 33 gols sofridos, menos de um por rodada, enquanto as dos outros quatro levaram todas mais de cinquenta. Ninguém venceu mais também, 25 vezes. E nem perdeu menos, apenas sete. A última das derrotas foi a treze rodadas do fim, para o Tigre (2-1). Alcançou a liderança faltando quatro rodadas para o fim e não mais a largou.

Outro Medina foi o uruguaio Orlando. Veio do Cerro de Montevidéu com apenas 18 anos, indicado por seu irmão Gisleno, mais um Medina já presente no plantel rubronegro, ao técnico José Etchegoyen, também uruguaio. Convenceu após amistoso contra o Boca ainda em dezembro de 1964, apesar da derrota de 3-1. Faria depois relativo sucesso no Boca, mas jogaria no Colón no início dos anos 80 e passou como técnico dos bons anos 90 do Sabalero. Dos heróis de 50 anos atrás, foi o único que incluímos no time dos sonhos do clube, neste 2015, quando os colonistas celebraram seus 110 anos: clique aqui.

Na campanha de 1965, o habilidoso Orlando Medina fez 12 gols na campanha, incluindo dois em clássico com o Unión e um na partida que garantiu o título, nos 2-0 sobre o Nueva Chicago em 18 de dezembro. Mas se o título só foi comemorado no dia 18, na última rodada, aquela segundona premiava com os dois primeiros com o acesso.

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O gol do acesso, de Obberti, que também faria um dos títulos, assim como Orlando Medina (à direita)

E esse ineditismo foi garantido ao Sabalero na penúltima data, 14 de dezembro, em um 1-0 fora de casa sobre o Deportivo Español no estádio do Atlanta. Alejo Medina deu aos 38 minutos do segundo tempo a assistência para o gol de Alfredo Obberti, que chegara junto com o volante Néstor Canevari do Huracán.

El Mono Obberti, além do gol do acesso, também faria o outro gol do título, nos 2-0 sobre o Chicago. Jamais se consolidou no Huracán e até pelo Grêmio, já nos anos 60, chegou a passar. Deixou no total ótimos 13 gols em 24 partidas naquela campanha de 1965. Foram seus únicos jogos pelo Colón, o suficiente para deixa-lo como ídolo indiscutível na metade rubronegra de Santa Fe.

Nas palavras de Alejo Medina ao Clarín, “foi terrível a euforia que se viveu na cidade quando ganhamos esse torneio, que deu ao Colón a possibilidade, impensada para alguns, de subir à primeira. Na última partida, saindo do campo e já trocado, me rodeou um grupo de torcedores e me rasgaram a camiseta em mil pedaços para levarem uma recordação. (…) Uma anedota que me deu raiva naquele momento e que agora é risonha”.

Cinquenta anos depois, a escalação campeã ainda é recitada de memória pelos sabaleros: Luis Tremonti, Raúl Cardozo, Jorge Sanitá, Gisleno Medina e Néstor Cardozo; Alberto Ríos, Sebastián García e Orlando Medina; Néstor Canevari, Alfredo Obberti e Alejo Medina. Dentre os reservas, destaque a Agustín Balbuena, que nos anos 70 brilharia no Independiente tetracampeão seguido na Libertadores (fez um dos gols das finais contra o São Paulo em 1974). O único não ficar tão bem quisto foi o goleiro Tremonti, que no ano seguinte passou ao Unión para, também com o Tatengue, ser campeão da segundona.

O atraso do rival não foi de apenas um ano: clube ligado à elite santafesina, o Unión havia sido admitido na segundona argentina oito anos antes, em 1940. Subir antes tendo chegado bem depois foi mais um fator para orgulhar os colonistas. Bem como a estabilidade adquirida no novo patamar, reiterando Santa Fe no mapa argentino da bola: a camisa rubronegra só voltaria à segunda divisão em 1981, retornando em 1995 para nova longa estadia na elite, durando desde então até hoje com exceção de um semestre em 2014 – regularidade bem diferente das diversas quedas e longas ausências do “co-irmão”.

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Nueva Chicago saudando na última rodada os campeões e a festa da torcida colonista

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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