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50 anos do último campeão por Racing e Independiente: Hugo Pérez, volante da Copa 1994

Por Leandro Paulo Bernardo, com contribuição de Caio Brandão

Atualização em 2019: nesse ano, o meia Nery Domínguez tornou-se o primeiro sucessor de Hugo Pérez, ao levantar pelo Racing a Superliga da temporada 2018-19 e o Troféu dos Campeões após ter ganho em 2017 a Copa Sul-Americana pelo Independiente. Pérez segue como último campeão internacional pelos dois.

O futebol argentino sempre proporcionou casos de torcedores que se tornaram jogadores e ídolos em seus clubes amados. Mas teve um caso (polêmico até hoje) de um torcedor fanático iniciar a carreira no clube do coração para depois ser ídolo no maior rival. Trata-se de Hugo Leonardo Pérez, que hoje completa 50 anos. El Perico também é o último a ser campeão pela dupla em questão, a de Avellaneda, faturando a Supercopa de 1988 pelo Racing enquanto que no Independiente ganhou o Clausura e nova Supercopa, ambos em 1994.

Mais curioso ainda é que ele, nascido na própria Avellaneda, é rodeado de torcedores do Independiente na família: pai, mãe e irmãos são rojos, mas desde a infância ele optou pelo Racing, por influência de um tio. Não teve dúvidas em optar com o coração em ingressar nas categorias de base racinguistas, e ainda por lá ganhou o apelido de Perico – “Periquito” em castelhano, e também um trocadilho diminutivo com o sobrenome Pérez (que deve ser pronunciado como “Pêres”, não “Péres”); era em referência ao “xará” José Alberto Pérez, outro Perico, que brilhou como goleiro no River e venceu pelo Independiente a Libertadores de 1975. O volante ganhou sua primeira chance profissional no dia 7 de dezembro de 1987, quando o Racing venceu o Estudiantes por 3-1.

A Academia era treinada pelo antigo ídolo Alfio Basile, que ao poucos fazia de Perico Pérez um 12° jogador, em time que contava com a experiência e segurança do goleiro Ubaldo Fillol, a raça do zagueiro Gustavo Costas (fanático pelo clube, tendo até foto como mascote do time campeão internacional em 1967) e a arte de Rubén Paz. O primeiro jogo de Pérez como titular foi justamente um Clásico de AvellanedaEram tempos em que o Independiente não conseguia vencer o Racing, tabu a vigorar de 1983 e 1994. Antes dessa partida, Coco Basile tirou Perico do ônibus onde a equipe estava, o fez entrar em seu carro e disse: “você sabe por que eu o coloquei no time? Porque você é corajoso, um monstro, quebre, coloque tudo no peito”.

Pelo Racing: à esquerda na volta olímpica da Supercopa 1988 (o goleiro é o lendário Fillol) e enfrentando o River em 1990

Naquele ano, Pérez chegou até a marcar um golaço contra o River, em temporada na qual a Academia não só beliscou um terceiro lugar (um salto para quem até 1985 estava há dois anos na segunda divisão) como foi avançando na primeira edição da Supercopa – torneio que reunia somente campeões da Libertadores. O Racing eliminou Santos, River e conquistando o título em cima do Cruzeiro, em um Mineirão lotado. Perico entrou no decorrer das duas partidas da final, substituindo Acuña e Rubén Paz respectivamente, e cadenciou o meio de campo. Aquelas finais foram seu passaporte à convocação para defender a seleção, nas Olimpíadas de Seul – quando a competição não era de times juvenis, e sim com jogadores que não houvessem entrado em campo em Copa do Mundo (nem mesmo em eliminatórias), a não ser que fossem amadores.

Pérez foi titular nos quatro jogos, junto com o companheiro de clube Néstor Fabbri. A Argentina foi eliminada nas quartas de final contra o Brasil; Perico ainda teve um grande destaque no amistoso contra o Napoli de Maradona. O volante seria o cérebro, ao lado de Rubén Paz, no meio de campo do Racing para o campeonato de 88-89. O Racing liderou o campeonato até o final do primeiro turno, concorrendo palmo a palmo com o Boca. Porém, após um incidente com um rojão atirado contra Carlos Navarro Motoya no confronto direto em La Bombonera precisamaente na rodada final do turno, o pontos foram perdidos e La Acadé passou a declinar no campeonato, vencido justamente pelo rival Independiente. Perico ainda teve uma séria lesão nos ligamentos do joelho, que o afastou do futebol por quase um ano.

Ao retornar, voltou a se destacar. Esteve inclusive na primeira convocação da Argentina após a Copa de 1990, embora não tenha entrado em campo ainda. Era capitão no Racing e tinha praticamente certa uma transferência para o Bayer Leverkusen, mas o presidente Juan De Stéfano exigiu um valor muito alto ao alemães e a negociação não progrediu. O pior viria em maio de 1991, quando o contrato do “filho do Racing” não foi renovado. Perico tinha problemas de relacionamento com o então treinador Roberto Perfumo que facilitaram suas divergências também com a direção. Foi acertado um empréstimo ao Ferro Carril Oeste e Pérez foi verdolaga tanto o Apertura quanto o Clausura, quando o clube do bairro de Caballito ficou na 10° e 11° colocação respectivamente.

Sorrisos que enganam: Pérez, mesmo após mudar-se ao Independiente, clube dos seus pais, seguia dizendo-se torcedor do Racing. Seu profissionalismo foi bastante reconhecido

No inverno de 1992, Héctor Sande (filho do mítico Herminio Sande, presidente do Independiente entre 1964 e 1968, e parente de Ernesto Sande, primeiro rojo na seleção, em 1912) venceu as eleições no Independiente e trouxe um pacote de jogadores ao treinador Nito Veiga; Diego Cagna do Argentinos Jrs, Jorge Gordillo do River, Antonio Mohamed e Gabriel Amato do Boca Juniors… e ofereceu uma proposta para Hugo Pérez jogar em Doble Visera. Para a alegria familiar, o volante foi mesmo para o Independiente. No primeiro campeonato com o novo clube, ficou apenas na 15° colocação no torneio Apertura. Mas o maior desafio seria a reação da torcida do Racing nos primeiros clássicos. Em menos de 30 dias, houveram três.

Pelo Apertura, no dia 13 de setembro, houve empate por 1-1 na Doble Visera; pela Supercopa foram os outros dois confrontos, o primeiro no Cilindro, no dia 2 de outubro (muita chuva, ventania, gol de mão de Claudio García, invasão de torcida e estreia de Claudio López vindo do Estudiantes de Buenos Aires). Perico foi extremamente vaiado e xingado, algo que o acompanhou nos demais confrontos, e o Racing venceu por 2-1. O último confronto foi no dia 8 de outubro, um empate sem gols na Doble Visera, eliminando o Independiente na única vez em que o dérbi de Avellaneda ocorreu por uma competição continental. Nesse último confronto, o goleiro rojo Luis Islas quase marcou um golaço e Perico Pérez teve que ser contido pelo adversário Jorge Reinoso (ele próprio um futuro vira-casaca também, curiosamente) para não brigar com antigos companheiros de clube ao término da partida.

Ali, a torcida do Rojo teve a certeza que havia um torcedor do Racing com a camisa do Independiente, mas que durante os noventa minutos era um guerreiro a serviço do seu novo empregador e deixava em casa seu clubismo. No Clausura, com o time mais entrosado, ficou na 2° colocação (perdeu o título para o Vélez). Para a próxima temporada, o Rojo trouxe novamente o ídolo Carlos Alfaro Moreno, apostou no veterano Ricardo Gareca e tinha uma base extraordinária pronta para explodir: era a hora de unir a liderança de Islas e José Serrizuela com a cadência de Cagna e Perico para dar liberdade aos jovens Gustavo López, Daniel Garnero e Sebastián Rambert, sob a batuta de Pedro Marchetta. Curiosamente, Marchetta era ex-jogador, ex-treinador e ainda torcedor assumido do Racing; Rambert era sobrinho de ex-jogador dos dois; Serrizuela, mais tarde, seria outro vira-casaca.

Seleção: primeiro agachado na repescagem para a Copa 1994 (Vázquez, Redondo, Goycochea, Chamot, Ruggeri e Maradona; Pérez, Simeone, Balbo, Batistuta e Mac Allister) e comemorando com Ortega um golaço sobre a Romênia, em dezembro de 1994

No Apertura 1993, o Independiente era um dos líderes quando o campeonato foi pausado a quatro rodadas do fim. Com isso, após o histórico 5-0 da Colômbia no Monumental de Núñez, Pérez foi uma das novidades da seleção para a repescagem contra a Austrália, enfim estreando na seleção principal. Mas para quem considerar os jogos pela seleção olímpica de 1988 como de seleção principal, quando os Jogos já não eram restritos a amadores e nem a juvenis, Pérez tornou-se o terceiro e último a defender a Albiceleste vindo dos dois clubes de Avellaneda, após o goleiro Carlos Muttoni (presente no primeiro Brasil x Argentina) e do ponta Gabriel Calderón, jogador das Copas de 1982 e 1990.

Em paralelo, a luta pela liderança não acalmava muito o lado do técnico Marchetta, nunca totalmente engolido na Doble Visera tanto pelos numerosos empates como, sobretudo, pelo contexto pessoal tão ligado ao rival. Querido no Rosario Central, ele preferiu rumar para lá em meio à pausa, embora fosse ironicamente substituído por mais um ex-jogador racinguista: Miguel Ángel Brindisi. O Apertura 1993 foi retomado já em fevereiro de 1994 e ao fim o Independiente terminou em 5º, embora a apenas dois pontos do campeão River. Perico Pérez garantiu-se na Copa do Mundo, ainda que, diante da concorrência com Fernando Redondo e Diego Simeone para as duas vagas de volante, não chegasse a entrar em campo. Já após a Copa, entrou para outra estatística do “seu” clássico: o dos poucos campeões por ambos os lados de Avellaneda. Pérez entrou nesse grupo ao saborear o título do Clausura 1994, definido em agosto com um 4-0 no confronto direto com o Huracán.

Antes de Perico, Zoilo Canaveri fora campeão seguido pelo Racing entre 1915-18 e depois ganhou os dois primeiros títulos do vizinho, em 1922 e 1926. Depois, Miguel Ángel Mori e Norberto Raffo foram reservas no título argentino do Rojo em 1960 e campeões internacionais com o rival em 1967 – com Mori ganhando ainda as Libertadores de 1964 e 1965 pelo Independiente. Os três nomes seguintes tiveram todos em comum os títulos pelo Racing como jogadores e pelo Independiente como técnicos: Vladislao Cap, Pedro Dellacha e Humberto Maschio foram colegas no título argentino de 1958 com La Acadé, e Maschio depois ainda venceria tudo entre 1966 e 1967. Cap então treinou o Rojo vencedor do Metropolitano de 1971, classificando-o à Libertadores 1972 – vencida sob o comando técnico de Dellacha. Maschio foi o treinador no bicampeonato seguido na Libertadores, em 1973, e Dellacha voltou para vencer o torneio em 1975, fechando o famoso tetracampeonato seguido do Rey de Copas. E o volante Miguel Ángel Ludueña esteve na Supercopa de 1988 com o Racing e em seguida ganhou pelo rival aquele campeonato de 1988-89.

Sem comemorar o seu gol no dia em que o Independiente encerrou jejum de onze anos sem derrotar o Racing, e posando antes da partida com outro vira-casaca, Clausen

No restante do segundo semestre, novas alegrias rojas, inicialmente pelo fim daquele incômodo jejum contra o Racing, pelo Apertura 1994. Para apimentar ainda mais o paradoxo envolvendo Pérez, ele, de pênalti, marcou o primeiro gol daqueles 2-0. Admitiria o desconforto: afinal, se perdesse a cobrança mesmo que batesse “bem”, sabia que alimentaria teorias conspiratórias de desperdício proposital; se pedisse para um colega bater ao invés de si, sabia que seria de igual modo crucificado como não-confiável no Independiente e como covarde pelas duas torcidas; e, se batesse e convertesse, sabia como machucaria ainda mais o povo do Racing. Converteu, mas, em gesto que terminou famoso no folclore do clássico, permitiu-se não comemorar – nada que o livrasse de vaias racinguistas. A respeito, declararia que “me custa entender a reação dos torcedores do Racing. Eu sou um profissional e tenho que trabalhar”. Antes da partida, ele inclusive posou com outro vira-casaca, o lateral Néstor Clausen, ídolo do Independiente campeão mundial de 1984 e que agora estava na Academia.

Justamente desde aquele mundial de 1984 o Independiente já não conseguia mais títulos internacionais – até chegara na final da Supercopa 1989, mas a perderia em casa nos pênaltis para o Boca. Assim, o foco do Rojo era nessa taça que ainda lhe faltava e que já havia sido ganha pelo arquirrival; em 1993, havia até sido eliminado pelo campeão São Paulo, com Perico marcando o único gol argentino. Pois, em novembro de 1994, a espera enfim acabou: o Independiente jogou o fino da bola e seu ídolo Alveiro Usuriaga atropelou Santos, Grêmio e Cruzeiro. Na decisão, o clube pôde se vingar do Boca, encerrando aquele ano incrível. Para Pérez, ainda houve tempo para se consagrar em 21 de dezembro pela seleção: em reencontro dos argentinos com a recente algoz Romênia, marcou de falta o único gol, ainda que em amistoso.

Em janeiro de 1995, Perico Pérez foi convocado por Daniel Passarella para defender a Albiceleste na Copa Rei Fahd (a precursora da futura Copa das Confederações) e na volta não defenderia mais o Independiente: foi contratado pelo Sporting Gijón por 100 milhões de pesetas e apresentado ao público do El Molinón num domingo 22 de janeiro, antes do clássico das Astúrias contra o Real Oviedo. Ajudou o novo time a escapar raspando do rebaixamento, após um play-off contra o Lleida, chegando mesmo a terminar carregado pela torcida. Assim, acabou lembrado uma última vez pela seleção, para a Copa América de 1995. Perico atuou nos quatro jogos, substituindo Ariel Ortega no jogo contra o Brasil, quando Passarella tentou fechar o time que estava com a vantagem. Mas sobreveio a famosa mão de Túlio Maravilha. Nas penalidades, Pérez até marcou, mas Fabbri perdeu e a Argentina iniciava ali seu jejum que dura até hoje na competição.

As outras camisas argentinas do Perico: Ferro Carril Oeste, como jogador e depois como técnico; e Estudiantes, clube onde parou de jogar

Ao todo, desconsiderando-se a equipe olímpica, Hugo Pérez esteve em quatorze jogos pela seleção e marcou dois gols. Manter-se em um time frágil em La Liga, em tempos de franco equilíbrio técnico e midiático entre o futebol europeu e o argentino, acabou lhe custando a vaga: na temporada 1995-96, o Gijón ficou em 18° (com um gol do argentino contra o Real Valladolid sendo lembrado como um dos mais bonitos da história do clube) e, na de 1996-97, em 15°… até ser enfim rebaixado na temporada 1997-98, quando ficou na lanterna, com Perico tendo o álibi de não terminou aquela temporada pelo clube, pois em 1998 foi repatriado pelo Estudiantes. Manteve o prestígio em Gijón, sendo um dos mais aplaudidos na festa do centenário do Sporting.

Em La Plata, Pérez teve uma passagem de apenas seis meses. Era titular, mas em certo dia Perico simplesmente foi comunicar ao pai e aos irmãos que não jogaria mais profissionalmente. Em julho de 2000, tornou-se treinador do Ferro Carril Oeste, recém-rebaixado à segunda divisão; acabou sendo demitido no dia 23 de setembro, após uma derrota para o All Boys por 3-1 em pleno Caballito. Foi seu único trabalho como técnico, com três derrotas, um empate e apenas uma vitória. Alguns meses depois, Perico foi uma das personalidades mais atuantes contra o Corralito, inclusive fazendo parte de uma comissão junto com deputados e senadores em reuniões com os diretores do FMI. Ainda tentou voltar ao futebol quando passou algum tempo como gerente do Independiente, sendo demitido meses antes do rebaixamento do clube.

Por essas questões políticas (ele recentemente chegou a ser assessor esportivo do governo de Córdoba) e a eterna rivalidade em Avellaneda (a qual ele preferiu relativizar no tweet abaixo, relembrando as Supercopas que ganhou com cada lado), sua residência foi invadida e assaltada mais de dez vezes nos últimos quinze anos. Mesmo assim, Hugo Pérez atualmente ainda participa de eventos de Showbol… tanto pelo Racing quanto pelo Independiente.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

5 thoughts on “50 anos do último campeão por Racing e Independiente: Hugo Pérez, volante da Copa 1994

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