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Antonio Angelillo, mais que o primeiro argentino de Inter e Milan

Hernán Crespo tende a ser o primeiro nome à mente ao buscar rememorar os argentinos da dupla Internazionale e Milan. Mas está longe de ser o único: antes dele, Andrés Guglielminpietro cometeu a “traição” na virada do século e Matías Silvestre foi o mais recente em linhagem iniciada por Antonio Valetín Angelillo. Que, se vivo estivesse, faria hoje 85 anos. Angelillo também virou a casaca no cenário seleção, defendendo a Argentina em que nasceu, na capital federal, e a Itália onde faleceu (em Siena, em 5 de janeiro de 2018). Em Milão, pôde ser artilheiro da Serie A por um e campeão com o outro. Chegou mesmo a ser o segundo argentino com mais gols no calcio, além de ter média invejável de gols com a Albiceleste. Hora de relembra-lo.

Angelillo foi formado inicialmente em um clube que já não existe, o Arsenal da cidadezinha de Llavallol, que não deve ser confundido com o de Sarandí. Segundo falou em 2007 o próprio Angelillo, um célebre olheiro, Aníbal Díaz (que também descobriria Daniel Bertoni, autor do último gol da vitoriosa Copa de 1978), o descobrira “em uma várzea em Parque de los Patricios. Havia me visto jogar. Aí me falou do Arsenal, dos Torneios Evita. E eu fui e joguei. Aí me formei, aprendi disciplina. Foi o trampolim da minha carreira. [Díaz] era muito severo e amante do futebol inglês. Nos fazia vestir bem, não queria que tivéssemos barba nem o cabelo grande. Nos dizia como tínhamos que cabecear, como matar com o peito. Te ensinava a travar, como te perfilar. Estava em todos os detalhes, algo que hoje é muito comum, mas que naquela época não era”.

O meia-atacante Humberto Maschio, o meia Natalio Sivo e o volante Vladislao Cap foram os mais ilustres parceiros de Angelillo em Llavallol e foram os três conjuntamente adquiridos inicialmente pelo Quilmes e então repassados ao Racing. Uma vez no gigante de Avellaneda, tratam de recomendar o garoto também, convertido em racinguista em 1955. Sua estreia no campeonato argentino se deu na 3ª rodada e logo viu dois gols daquele adolescente de 18 anos incompletos, inicialmente escalado na meia-direita. Dois gols que serviram para vencer fora de casa e de virada por 2-1 o Huracán, em 15 de maio. Na rodada seguinte, abriu o 3-0 no Ferro Carril Oeste. Contudo, logo se viu como estava compreensivelmente verde. Não marcou mais nenhum gol e foi praticamente esquecido depois da 10ª rodada; só voltou a campo na 17ª, também em branco, sem contribuir tanto na campanha vice-campeã daquele ano.

Ao todo, foram só mesmo três gols em nove partidas por La Acadé, mas o Boca tratou de ter mais paciência com o garoto. E não se arrependeu, apesar da pré-temporada não parecer auspiciosa: Angelillo não chegou a marcar nos quatro amistosos, em excursão a São Paulo na segunda quinzena de março – derrota de 3-2 para o Santos, derrota de 2-0 para o Palmeiras, um apertado 4-3 na Portuguesa e dura queda de 4-1 contra o Corinthians. A liga argentina começou em 15 de abril e Angelillo enfim retribuiu, abrindo o 4-1 sobre o Vélez. A 2ª rodada já foi o Superclásico e, embora não evitasse a derrota de 2-1, o garoto deixou o dele. Na 6ª rodada, anotou um verdadeiro golaço ao concluir no alto uma jogada em que deixou três adversários do Lanús (a grande sensação daquele campeonato, em elenco vice-campeão apelidado de Globetrotters) pelo caminho.

Os clubes argentinos de Angelillo: Arsenal de Llavallol, Racing (rosto inferior, com os dois à esquerda sendo os de Corbatta e Maschio, logo parceiros dele na seleção) e Boca

“Fui centroavante por casualidade. Quando cheguei ao Boca, [José] Borello era o titular indiscutido. A princípios do campeonato se lesionou com gravidade e eu passei a jogar com a 9”, relembraria em depoimento registrado no perfil dele na edição especial em que a revista El Gráfico elegeu em 2010 os cem maiores ídolos do Boca. Angelillo jogou pouco, mas jogou também muito – sua inteligência, sutileza e capacidade de improviso foram outras características destacadas de quem, ao todo, somou 19 gols em apenas 36 jogos com a azul y oro na liga argentina. Seu grande ano nela seria mesmo em 1956: com apenas nove rodadas disputadas, o adolescente já até estreava pela seleção argentina – em 8 de julho, pela Copa do Atlântico, contra o Brasil (0-0).

Ao todo, foram quatorze gols e sete assistências em 29 partidas pelo Boca pelo campeonato de 1956. O clube é que não ajudava muito; até liderava ao lado do River ao fim do primeiro turno, mas perdeu gás na reta final, com a disputa se centralizando entre o arquirrival, campeão com 43 pontos, e o surpreendente Lanús, que parou nos 41. Restou aos xeneizes fechar o pódio, com 4-0; em tempos em que vitórias valiam dois pontos e não três, o título foi matematicamente definido ainda antes da rodada final.

Em paralelo, Angelillo se firmava rapidamente na seleção. Passou em branco na segunda partida, em derrota de 1-0 em Assunção para o Paraguai em 15 de agosto pelo troféu binacional Copa Chevallier Boutell. Mas a partir do terceiro jogo, apenas quatro dias depois, ele praticamente não parou mais de colocar a bola na rede para a Albiceleste: foi o único em amistoso contra a Tchecoslováquia, no estádio do San Lorenzo. Sua partida seguinte não é considerada estatisticamente – foi um amistoso não-oficial contra o Grêmio (!), um 0-0 no antigo Olímpico.

Ainda em 1956, fez uma quarta partida pela Argentina, em 14 de novembro, deixando um no 2-2 com o Uruguai pelo troféu binacional Copa Lipton. Isso e o grande desempenho individual no Boca o fizeram ousar um contrato melhor perante a diretoria boquense. Os cartolas julgaram a solicitação como excessiva e não titubearam em suspender o jovem, mas ele seguiu afiado, dessa vez na seleção. Primeiramente, em outro amistoso não-oficial, contra uma ascendente equipe do Atlanta. Ele anotou dois gols no impiedoso (e esquecido) 12-1.

Corbatta, Maschio, Angelillo, Sívori e Cruz, os “Carasucias de Lima”. À direita, o trio Maschio, Angelillo e Sívori nos anos 90

Em março de 1957, então, foi disputada no Peru uma Copa América em seis jogos em pontos corridos. Angelillo somou simplesmente oito gols nas cinco primeiras partidas, suficientes para garantir por antecipação a conquista dos chamados Carasucias de Lima – “Cara Sujas” era uma gíria argentina para moleques, em alusão à jovialidade do quinteto ofensivo formado por Omar Corbatta, Maschio (ambos do Racing), ele, Omar Sívori (River) e Osvaldo Cruz (Independiente).

Ele contaria como o trio foi casualmente formado: “a princípio, não encontrávamos as posições, mas numa noite, em um amistoso entre titulares e reservas no campo do Huracán, Maschio foi de meia-direita, Sívori jogou de meia-esquerda e eu de centroavante. Ganhamos por onze gols e não trocamos mais”. Maschio descreveria assim aquele ataque, em 2011: “Corbatta e Sívori se sobressaíam por sua habilidade. Angelillo e eu éramos simples, dois goleadores: de fato eu meti nove gols no torneio; e ele, oito”. A ordem foi dois no 8-2 sobre a Colômbia, outros dois em 3-0 vistos até como aquém do esperado sobre o Equador, um em 4-0 no Uruguai, dois no 6-2 sobre o Chile e então o primeiro nos 3-0 sobre o Brasil – em arremate preciso inalcançável para Gilmar, aos 23 minutos, aproveitando com oportunismo um rebote de Djalma Santos.

O resultado bastou para a Argentina ser campeã por antecipação, festa que afetou visivelmente o desempenho na rodada final, contra o campeão Peru, vencedor por 2-1 – sem que Angelillo marcasse. Somando os cinco jogos com gols dele naquela Copa América aos dois oficiais imediatamente anteriores em que atuou, ainda em 1956, acumulou dez gols em apenas sete jogos. Sua ficha no livro Quién es Quién en la Selección Argentina, publicado em 2010, exalta que os dez gols ao longo de sete partidas consecutivas “é a melhor marca histórica em encontros seguidos”. Ainda em Lima, três dias depois o Peru permitiu uma revanche em amistoso que viu a forra dos hermanos e de Angelillo, a registrar seu golzinho nos 4-1.

Angelillo, porém, só atuaria apenas mais outras duas vezes pela Argentina, em troféus binacionais com o Uruguai: 0-0 pela Copa Newton em 23 de maio, em Montevidéu; e 1-1, com o décimo gol dele no ano, em 5 de junho, pela Copa Lipton. Aqueles dez gols em 1957 seguem como uma das melhores marcas anuais da seleção até hoje – o recorde vigente, por exemplo, são os doze de Batistuta em 1998 e de Messi em 2012. O mesmo livro Quién es Quién en la Selección Argentina também destaca que total de doze gols em treze jogos também rende a Angelillo uma das melhores médias de gols da história da Albiceleste.

Terceiro jogador agachado no pôster da Argentina vencedora da Copa América de 1957

Atualizações: ao fim da Copa do Mundo de 2022, Messi estabeleceu duas nova marcas. Inicialmente, superou o recorde de gols em jogos seguidos de Angelillo, ao primeiramente acumular os mesmos dez gols em apenas quatro partidas seguidas (todos no 5-0 na Estônia, dois no 3-0 em Honduras, dois no 3-0 na Jamaica e um no 5-0 sobre os Emirados Árabes) e então ao chegar em doze em seis jogos seguidos, com os gols feitos na derrota de 2-1 para a Arábia Saudita e no 2-0 sobre o México. Ao fim do Mundial, chegou a dezessete gols (com os anotados sobre Austrália, Holanda, Croácia e os dois sobre a França) com a seleção em um só ano, batendo o próprio recorde paralelo de doze anuais que dividia com Batistuta. Vale ainda acrescentar depoimento do folclórico cartola Massimo Moratti, a rotular em outubro de 2022 que os maiores atacantes que vira na sua Inter foram Ronaldo e… Angelillo.

O livro também destaca outra estatística, mas para lamentar – “quando disputou sua última partida com a casaca alviceleste, tinha só 19 anos e 9 meses: é um dos mais jovens a ter se despedido da seleção”. Angelillo só permaneceria no Boca até a 5ª rodada do campeonato de 1957, iniciado em 5 de maio. Deu tempo para registar dois gols (ambos no 2-0 no Independiente) e uma assistência. Uma lesão inoportuna foi o que inicialmente impediu mais partidas, segundo salientou a enciclopédia oficial do centenário do clube. Mas ela não atrapalhou um negócio com a Internazionale, fechado em 5 milhões de pesos.

Na época, ainda se proibia a convocação de quem atuasse fora do país, algo só alterado nos anos 70. Com isso, o infernal trio Maschio-Angelillo-Sívori terminou como ausência sentida na Copa do Mundo de 1958, marcado pela vexaminosa queda argentina ainda na fase de grupos após um 6-1 para a mesma Tchecoslováquia derrotada dois anos antes com gol de Angelillo. É que o calcio também levara El Bocha Maschio (Bologna) e El Cabezón Sívori (Juventus). Ao todo, foram somente dez meses a serviço da seleção argentina, ainda que suas estatísticas excepcionais lhe reservassem um lugar entre os cem maiores ídolos que a revista El Gráfico elegeria para a Albiceleste em 2011.

Sair cedo demais também lhe traria outro problema, como cidadão argentino: ele não cumpriu o alistamento militar, obrigatório até a presidência de Carlos Menem a todo homem de 21 anos e a fama não impediu que fosse denunciado como desertor das forças armadas, sujeitando-o ao risco de prisão caso pisasse novamente na Argentina (algo que realmente ocorreria, ao menos por algumas horas, com o franco-argentino Néstor Combin em 1969). Com isso, ficou sob exílio forçado por um longo tempo – não se arriscando a comparecer nem mesmo ao velório e enterro do próprio pai, ressaltou aquele livro Quién es Quién en la Selección Argentina.

Ele não aparece na foto, mas ela registra seu gol em Gilmar para abrir os 3-0 sobre o Brasil, jogo que definiu ainda na penúltima rodada o título da Copa América

O cartão de visitas de Angelillo na Serie A veio na 3ª rodada da temporada 1957-58, quando marcou seus primeiros três gols na Itália, em 5-2 na Lazio. Apesar do presságio interessante, demorou até o segundo turno para ter maior sequência artilheira; no primeiro, só marcou em outra partida (duas vezes, em 2-0 na Sampdoria). Mas o returno viu onze gols em 17 rodadas, alçando-o a artilheiro de um elenco nerazzurro que terminou apenas em 9º lugar. Ironia é que, permitindo-se a não convocar nem ele, nem Sívori e nem Maschio para o Mundial da Suécia, a Argentina enfrentou os três, em jogo não-oficial que serviu de amistoso pré-Copa em 21 de maio de 1958. Os dois colegas reforçaram pontualmente a Inter naquela partida em San Siro. E, justiça seja feita, a Albiceleste ganhou de 2-0.

A grande temporada de Angelillo na Itália seria a segunda, a de 1958-59. Já começou com hat trick na estreia, anotando todos os gols interistas nos 3-1 fora de casa na Udinese. Na 4ª rodada, foram cinco gols no sonoro 8-0 na SPAL. Também anotou pela primeira vez no dérbi de Milão, em 1-1 com o Milan. Compensava sequências de jogos em branco com outros em que deixava ao menos dois gols e assim conseguiu acumular exatamente 33 gols em 33 partidas. Não bastou para a Inter obter o scudetto (fechou o pódio seis pontos abaixo do Milan), mas rendeu-lhe um recorde e também a artilharia. Foi, inclusive,  o terceiro argentino a ser artilheiro do campeonato italiano, e após um expressivo tempo – os antecessores Julio Libonatti e Enrique Guaita conseguiram na virada dos anos 20 para os 30.

Cheio de moral, Angelillo inclusive veio a se tornar o mais jovem capitão (quando o costume era a braçadeira ser dada ao jogador há mais tempo no elenco) da Inter até 2015, quando Mauro Icardi superou-o. Na temporada 1959-60, os números despencaram para onze gols e a Inter, para o 4º lugar, mas ainda assim o argentino enfim foi aproveitado pela seleção italiana. Ele era ainda tão novo que, após defender a Argentina, fez sua primeira partida pela Itália ainda pela equipe sub-23, em 13 de março de 1960, em 3-0 (com três gols de outro oriundo, o brasileiro José “Mazzola” Altafini) sobre a Espanha.

Angelillo ainda teve um interessante início de temporada 1960-61, marcada pela chegada do histriônico treinador argentino Helenio Herrera à equipe de Milão. Foram sete gols nas nove primeiras rodadas da Serie A, o último em 27 de novembro. Assim, em 10 de dezembro ele estava embalado para estrear pela seleção principal da Itália, um amistoso contra a Áustria em Nápoles. Não foi uma jornada auspiciosa, derrotado por 2-1. Mas o pior viria depois: pelo restante da temporada, só marcou outro golzinho na liga. Estava sob boicote aberto de Herrera que justificou-se já em 1964 de modo curto e grosso: “HH” declarou que Angelillo era um jogador com “grande capacidade futebolística diminuída – quando estava em minha equipe – por suas relações donjuanescas. Não teve problemas comigo: o retirei e pronto”.

Dois outros registros com Sívori: antes de um Inter x Juventus e na seleção italiana

A Inter ficou em 3º, a cinco pontos do título na famosa temporada marcada pelo duelo com a campeã Juventus virar de vez o Derby d’Italia, mas a diretoria preferiu bancar Herrera e vender à Roma o outrora ídolo – abrigado então em uma panelinha argentina no ataque, reforçado também com Francisco Loiácono em setor em que já brilhava Pedro Manfredini; também chegou Luis Carniglia como treinador. Na capital, Angelillo foi reposicionado para o meio-campo (ou mezz’ala, em terminação mais específica aos fãs de tática), deixando de vez de ser o artilheiro de outrora. Ironicamente, pôde terminar com números melhores na Serie A do que quando boicotado: foram dez gols.

Em paralelo, pôde, finalmente, conseguir um primeiro título clubístico: a temporada 1960-61 da Copa das Feiras, precursora da atual Liga Europa, se estendeu até outubro e ele foi autorizado a reforçar os giallorossi nas finais contra o Birmingham City. Esse contexto lhe rendeu uma segunda partida pela Itália, mas também a última; foi em 4 de novembro de 1961, pelas eliminatórias à Copa do Mundo. Embora até marcasse seu golzinho, Israel, surrada por 6-0 em Turim em quatro gols de Sívori, não era o melhor parâmetro de adversário. E Angelillo acabaria novamente de fora de uma Copa do Mundo. A Azzurra levaria ao Chile justamente os antigos parceiros Sívori e Maschio, este lembrado de última hora após lesão de Gianpiero Boniperti. E que não deixou de tomar as dores do amigo.

Maschio ao menos não deixou de disparar pesadamente contra Herrera naquela entrevista de 2011: “não gostava dos argentinos, era ciumento. Eu não gostei dele nunca; Angelillo, tampouco. Ele arruinou Angelillo. Nessa época, Angelillo saía com uma bailarina, mas o sujeito não queria a relação. A moça era dez anos mais velha que ele, então impactava o rendimento e Herrera, malandro, lhe diz: ‘tire uma semana para descansar, assim te recuperas’. O que Antonio ia fazer, recém-apaixonado? Foi a Veneza com a namorada e fisicamente se afundou. Terminou a semana e lhe disse: ‘amanhã tens que jogar com os reservas’. Angelillo lhe respondeu: ‘mas mister, acabei de chegar’. E Herrera: ‘vai te fazer bem, assim vais te preparando’. No outro dia convocou a imprensa e Angelillo não podia caminhar. ‘Este é o ídolo de vocês, vejam como está’, dizia Herrera. Sem-vergonha”.

Angelillo dera a sua versão ainda em 1967, não menos rancorosa, a ponto de festejar a derrota interista – e de Herrera – na final da Liga dos Campeões daquele ano: “estive desde 1957 até 1961 na Inter. Bah… até que veio Helenio Herrera, esse sujeito desprezível. Como me alegro de que perdeu agora! Tudo chega na vida, e eu sabia que a esse também ia lhe tocar perder. Te juro uma coisa: no dia em que perderam com o Celtic, brindei pela derrota. Como preparador, é bom. Mas, como pessoa, não dá. Sabes o que faz? Se mete na tua casa, na tua vida privada. E sempre busca alguma confusão que o faça famoso. Te dás conta? Eu era a figura da equipe, por exemplo. Fui artilheiro em 1959, com 33 gols em 33 partidas. Ele não concebe que haja uma figura superior a ele”.

Roma campeã da Liga Europa (ainda Copa das Feiras) de 1961, com três argentinos: Angelillo (primeiro em pé), Loiácono (primeiro agachado) e Manfredini (penúltimo agachado)

A seleção argentina tampouco o prestigiou para o Mundial. Além de ainda resistir a convocar estrangeiros, ela ainda por cima era comandada por um discípulo que Herrera havia feito no Atlético de Madrid, o ex-atacante Juan Carlos Lorenzo, que assumidamente se espelhava em “HH” – anulando assim qualquer chance de Angelillo aparecer no Chile servindo novamente a Albiceleste. Mas a queixa maior em relação a Lorenzo teria de natureza, justamente quando El Toto o quis consigo e terminou prejudicando-o, segundo outras declarações de Angelillo naquela mesma entrevista de 1967 – que destacava que àquela altura ele já estava à procura de algum clube nos EUA ou na Colômbia embora nutrisse alguma esperança pelo Peñarol.

Ao resumir a sucessão de outros contratempos que lhe afetaram após deixar a Inter, explicou que: “passei à Roma e permaneci quatro anos. E justo quando o Milan ia me comprar, Juan Carlos Lorenzo veio à Roma. E sabes o que diz? Que se eu fosse ele não toma a direção técnica. Davam 150 milhões de liras [moeda italiana pré-euro] pelo passe, e eu levaria um montão de grana. Mas aí não termina a desgraça. Veja o que sucede no ano seguinte: vou passar, junto com Sívori e Altafini, ao Napoli (temporada 1964-65) e sofro uma ruptura nos meniscos… me operam; o Napoli não me compra e passo ao Milan. Fiquei na temporada 1965-66 e depois me deram ao Lecco. Acreditei que morria… um povoadozinho, uma equipe desastrosa e, como se não bastasse, fomos ao rebaixamento”.

Ironicamente, ele teve por Roma e Milan os títulos que lhe faltaram na Inter: como romanista, além da Copa das Feiras, faturou também a primeira Copa da Itália vencida pela Loba, na temporada 1963-64. Como milanista, após os empréstimos mal sucedido no Lecco, foi um ilustre reserva no scudetto de 1967-68. Foi usado apenas três vezes na campanha, com um golzinho, em 2-1 no Torino já pela 27ª rodada. Os rossoneri também levantaram naquela temporada a Recopa Europeia e a emendariam, já sem o argentino, com a conquista da Liga dos Campeões e do Mundial Interclubes em 1969, quando o Angelillo já reforçava um modesto Genoa.

Registro raro de Angelillo no Milan

Ele pendurou as chuteiras após duas temporadas escondido no Angelana, em 1971, ganhando como jogador-treinador a última divisão. Quando parou, era o segundo maior artilheiro argentino da Serie A, com seus 98 gols (em 255 jogos) superados apenas pelos 147 do compadre Sívori. Outros já vieram a supera-los (Sívori está atrás de Crespo e de Batistuta e Angelillo, também de Higuaín, Icardi, Balbo e Dybala), mas ambos ainda são o primeiro e o segundo argentinos na marca de quantidade de gols em um só jogo pelo campeonato – aqueles cinco gols de Angelillo na SPAL em 1958 só foram superados, com asteriscos, pelos seis que El Cabezón anotou em enganoso 9-1 sobre os juvenis da Inter em 1961.

De 1971 a 1988, Angelillo foi um técnico em diversos clubes pequenos da Itália, sem o maior dos relevos para além de um título de Serie C1 com o Arezzo (em 1982), com as camisas mais “pesadas” sendo as do Brescia, Reggina, Pescara, Avellino e Palermo. Chegou na sequência a conciliar no Marrocos o mesmo cargo no clube FAS Rabat (foi campeão marroquino em 1989) e na seleção nacional, voltando à Itália em 1991 para trabalhar no Torres.

Em 1993, com a Era Menem extinguindo a famigerada obrigatoriedade do alistamento militar entre os argentinos, chegou a ser sondado para assumir o Boca, que procurava um substituto para o maestro uruguaio Oscar Tabárez – mas os cartolas optaram inicialmente por Jorge Habbeger, salientou o perfil do ex-atacante no site estatístico Historia de Boca. O clube seguinte foi chileno mesmo, e o último, o Provincial Osorno (em 1994). Desde então, vinha servindo a Inter como emissário e observador de talentos na América do Sul – sendo creditado como mentor das chegadas dos longevos Iván Córdoba e Javier Zanetti.

Em 2007, a revista El Gráfico contou a trajetória do sumido Arsenal de Llavallol e encerrou-a com uma menção a Angelillo, grato ao olheiro Gordo Díaz: “em uma vez que fui a Buenos Aires, um ex-companheiro de Arsenal me chamou e me disse que El Gordo me havia deixado esse documento para mim. Isso e uma frase: ‘ao Antonio não tive que ensinar nada. Ele sabia tudo’. Me caíram as lágrimas”.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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