Seleção

Bauza, como jogador, teve um dos piores retrospectos na seleção argentina

Após um mês de indefinição, no qual a AFA sondou desde Jorge Sampaoli e Marcelo Bielsa e equivalentes de Joel Santana como Ricardo Caruso Lombardi, enfim Edgardo Bauza foi definido como novo técnico da Argentina. Das injustiças históricas as quais El Patón terá uma grande oportunidade de corrigir, uma menos conhecida é consigo mesmo: craque de bola, teve uma passagem sofrível pela seleção. Foram só três jogos. E três derrotas. E embora presente na Copa de 1990, não jogou nela.

Por que essas estatísticas não fazem jus a Bauza? Porque era um zagueiraço-artilheiro. É simplesmente o quarto defensor com mais gols na história do futebol, e aposentou-se como o terceiro (no século XXI, foi superado por Fernando Hierro). No profissionalismo, é ele o jogador do Rosario Central quem mais marcou no clássico contra o Newell’s. Quando estreou pela Argentina, em 1981, havia sido nada menos que o artilheiro do elenco do Rosario Central campeão nacional em 1980: falamos aqui. Nos treinamentos, não raramente jogava de centroavante.

A Argentina estava classificada automaticamente à Copa de 1982 como detentora do título da Copa anterior. Sem jogar eliminatórias, preparou-se com amistosos – um deles, contra o próprio Bauza, em partida não-oficial em 18 de junho de 1981 contra a seleção da província de Santa Fe. Bauza, justamente, fez no antepenúltimo minuto o gol de honra na goleada de 4-1. E, em outro daqueles amistosos, estreou enfim em 28 de outubro de 1981, contra a forte Polônia da época. Em pleno Monumental de Núñez, os europeus ganharam por 3-1.

Ainda assim, Bauza foi pré-convocado ao mundial. Seu grande azar é que foi contemporâneo de um concorrente ainda mais fenomenal como zagueiro-artilheiro: Daniel Passarella, justamente o segundo maior defensor goleador da história (o maior foi o holandês Ronald Koeman). El Kaiser também era mais ágil. Em longa entrevista à revista El Gráfico (disponível aqui), El Patón classificou o corte como seu momento mais triste como jogador, “depois de estar cinco meses concentrado. Era muito jovem e fiz o treino chorando. Nessa época, não podíamos jogar para nossas equipes, mas pedi a César [Menotti] que me deixasse. Era contra o Newell’s. Nos deram permissão e ganhamos com dois gols meus”.

Estreia de Bauza contra a Argentina: derrota para a Polônia. Ele é o jogador argentino mais alto na barreira, ao meio dela

Em 1978, para entrosar a equipe, Menotti havia promovido uma concentração de janeiro a junho entre os convocados e repetira isso para 1982. Já esse clássico com o Newell’s, vencido por 2-1, ocorreu em 25 de abril de 1982. Uma ironia é que o gol rival foi do ponta Santiago Santamaría, que havia sido cortado da seleção também, mas acabaria readmitido nas vésperas do mundial…

Bauza só voltaria à seleção em 1990. Nesse período, havia sumido do radar ao juntar-se ao Junior de Barranquilla, do narcofútbol colombiano, mas regressou em alto estilo em 1986: o Central, campeão da segundona, emendou um raríssimo bicampeonato ao vencer a primeira divisão da temporada 1986-87 – e deixando de vice justamente o rival Newell’s. Ainda assim, o titularíssimo era José Luis Brown, homem de confiança do técnico Bilardo desde que soubera substituir à altura justamente Passarella durante a Copa de 1986. Uma lesão de Brown na virada para 1990 não o tirou de imediato da seleção, mas colocou dúvidas sobre a viabilidade em mantê-lo para o Mundial.

Em 17 de janeiro de 1990, após nove anos de ausência, Bauza reestreou pela Argentina, enfrentando o México em Los Angeles – na época, o zagueiro jogava no futebol mexicano, no Veracruz. Mas os astecas, que nem estariam na Copa, venceram por 2-0. Em 28 de março, nova partida, contra a Escócia, em Glasgow. El Patón saiu do banco, e para jogar no ataque: “perdíamos de 1-0, faltavam 20 minutos e Bilardo me pediu que me metesse entre os centrais. Nos matávamos a cotoveladas, porque os escoceses são bravos, e baixei uma bola a Cani [Caniggia] e outra a Balbo que quase foram gol”. Os britânicos terminaram vencendo por 1-0 mesmo.

A Argentina então pegou uma ponte área até Belfast para um jogo não-oficial realizado em 3 de abril, contra o clube norte-irlandês Linfield. O concorrente Brown, em seu teste final de avaliação física, foi utilizado e até durou os 90 minutos, mas seria sua involuntária despedida: ele precisou mesmo pendurar as chuteiras e iria à Copa do Mundo como assistente da delegação enquanto Bauza, apesar das duas derrotas, garantiu-se entre os 22 jogadores convocados. Mas não seria tão fácil; Bilardo desenterrou outro zagueiro no ostracismo, Juan Simón, que ficara sem defender a seleção entre 1980 e 1989 e lhe tomaria a vaga durante toda a Copa.

Na Copa de 1990, foi mas não jogou. O que não impediu sua euforia após os pênaltis contra Iugoslávia (está atrás de Maradona), à esquerda; e Itália (é o que pula mais alto), à direita

Simón seria justamente o único argentino ao lado de Maradona a jogar todos os minutos da Albiceleste na Itália. Bauza, em contraste, foi exatamente o único jogador de linha da Albiceleste a não ser usado: os outros que não entraram em campo foram os goleiros reservas Ángel Comizzo e Fabián Cancelarich. Não só: sequer ia ao banco, em tempos em que nem todos os reservas ficavam à disposição; só se permitia relacionar cinco deles para cada jogo. É por isso que, na imagem direita acima (após a semifinal), Bauza aparece à paisana enquanto na abaixo (após a final, único jogo em que Bilardo o incluiu no banco) está uniformizado.

El Patón não polemizou. Naquela entrevista, garantindo que sua convocação foi “uma alegria tremenda, já estava terminando a minha carreira e era uma coroação. A verdade é que não esperava. Bilardo me disse claramente: ia como reserva de Juan Simón. E Juan andou muito bem. Não entrei nem um minuto, só fui ao banco na final”. E expressou gratidão tanto a Menotti como a Bilardo, ao ser indagado qual deles seria melhor: “seria muito injusto dar a um o rótulo de ‘o melhor’. Cada um marcou uma época brilhante no futebol argentino. Lamentavelmente, se tornaram extremistas, e com o jornalismo se somando a essa disputa, perdemos a possibilidade de que se juntassem para debater ideias e nos enriquecer com seus conceitos. Me sinto um privilegiado por ter escutado os dois e ter visto trabalhar os dois”.

Que El Patón em 2018 tenha a mesma estrela de ser campeão como ambos!

Já dedicamos em 2014 um especial sobre a carreira de Bauza: clique aqui.

A amargura do vice: o barbudo Batista (suspenso, daí estar à paisana), o goleiro Cancelarich, Maradona, o goleiro Comizzo, o suspenso Caniggia (os dois, também à paisana), Troglio, Dezotti, Bauza, Serrizuela e o goleiro Goycochea
Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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