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Gastón Sessa e um pouco mais do clássico de La Plata, onde jogou pelos dois

No clássico pelo Estudiantes. Notem a falta do escudo no uniforme

Há dez anos, Gastón Alejandro Sessa ficava famoso mundialmente. Não da melhor forma: na noite que seu Vélez levou de 3-0 do Boca pelas oitavas da Libertadores na noite de 2 de maio de 2007, Sessa, quando ainda se perdia por 1-0, agarrou uma bola ao mesmo tempo em que chutou o rosto de Rodrigo Palacio. Levou imediato cartão vermelho do jogo e também do clube, com a selvageria falando mais alto que a rivalidade. Já na Argentina, El Gato também é conhecido como um raro vira-casaca recente entre Estudiantes e Gimnasia LP, seu clube do coração. Suas declarações em entrevista publicada em abril de 2010 à El Gráfico explicam bem uma rivalidade tão desparelha, mas tão intensa.

(Um parêntese pessoal: foi a primeira El Gráfico adquirida pelo autor da nota, que viajava pela primeira vez à Argentina, rendendo paixão que dura até hoje e interesse contínuo pelo futebol vizinho).

Antes, um pouco sobre Sessa: apesar do coração tripero, sendo inclusive amigo de infância dos gêmeos Guillermo e Gustavo Barros Schelotto (filhos de ex-presidente gimnasista), El Gato começou no Estudiantes – inclusive com os gêmeos acompanhando-o brevemente. Já nos juvenis pincharratas, conheceu os jovens Verón e Palermo (“saíamos juntos para dançar”). Esteve no título da segundona de 1995, mas jogou muito pouco e foi logo dispensado para o Huracán Corrientes, onde, agora como titular, foi bi seguido na segundona, em 1996. Após carreira com seus bons momentos por Rosario Central, River, Racing e Vélez, enfim apareceu no Gimnasia.

Em 2009, o clube do coração se salvou epicamente do rebaixamento: enfrentou nas repescagens o Atlético de Rafaela. Por ser da elite, o Gimnasia tinha vantagem de empate em número de gols e de jogar a segunda partida em casa. O Rafaela tratou de “liquidar” isso e fez 3-0 no jogo de ida. No da volta, o Gimnasia devolveu o placar se manteve. Detalhes: com um a menos e com dois gols após os 45 do segundo tempo! Feito ofuscado três dias depois pela reconquista da Libertadores pelo arquirrival. Sessa foi pessoalmente “secá-lo” no Mundial de Clubes e foi assim que a entrevista começou.

A primeira pergunta foi o quão ele havia comemorando o gol de Messi, que deu a sofrida vitória ao Barcelona:
“Gritei mais o gol de Pedro, porque faltavam dois minutos. Estávamos no campo, com meu velho e uns amigos triperos, e quando terminou saímos correndo abraçados ao redor do estádio”.

Contestado em seguida pelo fato de o Estudiantes ter parabenizado o rival por escapar do rebaixamento, respondeu de forma enfática:
“Verón ligou a Chirola [Sebastián Romero] sim, e eu também liguei a Caldera [José Luis Calderón] quando foram campeões da América. Protocolo. A verdade é que eu não sentia. O deles também foi protocolo, esqueça”.

Nota: o tal José Luis Calderón é filho de torcedor fanático do Gimnasia e chegou a jogar nos juvenis alviazuis, mas foi dispensado. Virou símbolo do Estudiantes. Ex-colega de Sessa no elenco campeão da segundona de 1995, fez dois gols na vitória por 3-0 no primeiro clássico seguinte à volta. Fez, principalmente, três no 7-0 de 2006, a maior goleada da rivalidade, na campanha que fez o Pincha campeão da elite após 23 anos e que simbolicamente desequilibrou o clássico: o Gimnasia, que até ali jogava duro contra o rival, tendo só uma vitória a menos, só venceu-o desde então uma única vez.

Nos juvenis do Estudiantes com Palermo (o loiro alto) e veterano no Gimnasia em 2011 (com Guillermo Barros Schelotto, primeiro agachado)

Sessa ingressou no Estudiantes porque o técnico de sua escolinha infantil foi contratado pelos alvirrubros e propôs que a turma inteira, incluindo aí os Schelotto, fosse junto. Daí veio a pergunta “quando confessaste ser torcedor do Gimnasia?”. A resposta:
“Alguns companheiros sabiam e nos zoávamos, como garotos. A confirmação oficial foi quando saímos campeões no sub-17 e uma torcida organizada nos convidou a um jantar. Um muchacho preparava um vídeo e passou com uma câmera. Tinha que dizer nome, apelido e de que clube éramos torcedores. Eu disse: ‘Gastón Sessa, me chamam de Gato, sou torcedor do Gimnasia’. O cara ficou duro: ‘como?’, me disse”.

O goleiro logo ressalvou e prosseguiu:
“Antes, não havia tanta violência como agora, e com 16 anos não pensas, eu era um babaca na realidade. (…) Aí a bola correu, e um dia vem El Gordo Garisto [Luis Garisto, então treinador do time principal do Estudiantes embora já houvesse treinado o Gimnasia, é conhecido sobretudo pelo glorioso passado como jogador no Independiente multicampeão da Libertadores] e pergunta: ‘quem é o garoto do Gimnasia?’. Me subiu para treinar com os profissionais e quando quis acordar, era reserva de [Arturo] Yorno no time adulto”.

A pergunta seguinte foi sobre lembranças da estreia. Nada agradável:
“Já me xingaram desde o primeiro jogo. Suspenderam o Yorno por cartões amarelos e estreei contra o Deportivo Español, com 19 anos. Ia ao arco com todo o cagaço da estreia repentina e da tribuna do Estudiantes um grupinho me gritou: ‘pirralho, é bom que agarres bem hoje, tripero filho da puta!’. Veja que em geral, quando um goleiro vai estrear, tem os torcedores do time a seu lado. Comigo não aconteceu”.

A próxima pergunta foi no clássico que ele jogou pelo Estudiantes:
“Joguei uma vez, perdemos de 2-0, e os do Gimnasia me aplaudiam, não sei se ironicamente ou o quê”.

Se era comum que houvessem triperos no Estudiantes e pincharratas no Gimnasia, foi sutil:
“Até há pouco, no Estudiantes havia alguém do Gimnasia. Não me peça o nome, mas o conheço bem”.

Festa do Estudiantes pelo título da segunda divisão de 1995, com Verón ao centro e Palermo logo atrás. Sessa, último jogador em pé, até parece empolgado: mesmo torcedor rival, se diria arrasado quando foi dispensado logo depois

E se foi louco o bastante para jogar com a camisa do Gimnasia por baixo do uniforme alvirrubro, Sessa foi simbólico:
“Não, mas atenção que nunca joguei com a camisa do Estudiantes. Minha blusa não tinha o escudo pincha, observe esse detalhe nas fotos, me fazia de sonso e jogava com a camisa que queria”.

Mas Sessa (que de fato não exibe o escudo do Estudiantes nem na foto acima e nem na imagem que abre a matéria) também pôs limites na rivalidade em dois momentos. Primeiro, sobre 1995: enquanto o Estudiantes vencia a segundona, o Gimnasia quase foi campeão da elite. Era líder na última rodada, mas perdeu em casa e deu a taça de bandeja ao San Lorenzo. Sessa, já jogador profissional do rival, estava no estádio como torcedor do clube do coração. Mas confessou que ao ser dispensado dos alvirrubros pouco depois lhe “caiu o mundo”.

Em 2006, por sua vez, a torcia tripera pressionou para que o próprio time perdesse em casa para o Boca, concorrente do Pincha ao título (a derrota veio, mas não adiantaria). Sessa, na época ainda jogador do Vélez, então foi indagado se arregaria caso já defendesse o Gimnasia:
“Brigava, certeza que brigava, apesar de que com o Volador e Torugo, os chefes da torcida, tenho uma boa relação e nos respeitamos. Isso sim: nem fodendo facilitaria. Com esses três pontos a mais, nos salvaríamos da repescagem em 2009”.

Sessa chegou ao Gimnasia para a temporada 2008-09. Estava no Barcelona de Guayaquil e, para brigar contra o rebaixamento, abriu mão de oferta mais vantajosa do Vélez. Começou muito bem: o time de La Plata foi 8º no Apertura e teve a defesa menos vazada. Sessa, por isso, receberia um prêmio do ídolo de infância Ubaldo Fillol, a quem não conhecia pessoalmente (“estava em Pinamar de férias e fiz os 400 km com 40 graus de febre só para que me entregasse esse prêmio”). No Clausura, o Lobo foi 7º. Foi o bastante para evitar o rebaixamento direto, mas não a repescagem. O que, por outro lado, rendeu uma das maiores epopeias do futebol argentino.

Celebrando a épica salvação do Gimnasia em 2009

Afinal, o Gimnasia também perdeu de 3-0 na ida. Após isso, “jantamos na concentração e ficamos conversando até as 5 da manhã. Estávamos mortos, os telefones estavam desligados porque nos bombardeavam de todos os lados, não queríamos nem escutar o rádio. Eu falava com meu velho e ele me dizia que íamos virar. No outro dia, levantei e falei com os jovens ‘vamos fazer uma reunião’. Participaram todos: jogadores, corpo técnico, médicos, roupeiros, dirigentes, seguranças. E começamos a nos bancar, que tem de se fazer o primeiro gol e cairão, que não tentemos fazer o segundo antes do primeiro, que tenhamos fé e podemos, podemos e podemos”.

Mas… o primeiro tempo do jogo da volta terminou ainda em 0-0: “chegamos ao vestiário e fui ao armário chorar. Veio Leo [Leonardo Madelón, o técnico] me buscar. ‘Não viraremos Leo, estamos desordenados’, fui sincero. ‘Não, você não pode cair, és o capitão, és nosso emblema, venha que vou falar’. E deu uma preleção muito emocionante, que estava nossa família no campo, que estavam bancando uma situação que nem eles nem nós merecíamos, porque precisávamos de 60 pontos e havíamos feito, que o promedio é uma merda e que por uma tarde ruim não podíamos ir ao descenso. E que se caíamos, o fizéssemos de pé, tentando até a última bola”.

“Eu só lembrava das palavras ‘temos que fazer o primeiro gol, não importa quanto falte’. E foi assim. Depois veio o 2-0 e o 3-0 e aí pensei: ‘por essa história puta que tem o Gimnasia, agora vão nos ferrar no último minuto’. E nos cobraram falta no limite da área. Me tremia todo, mas em um momento a bola deu rebote, ficou no alto e a fui buscar como se fosse um tesouro”. Sessa cumpriu promessa de ir caminhando até a Igreja de Luján, algo que durou dezoito horas. No meio do caminho, “o celular soou sete ou oito vezes dizendo ‘número desconhecido’, então nem atendi. Depois escutei as mensagens e era o secretário pessoal de Cristina”.

A ex-presidente Cristina Kirchner é talvez a torcedora mais célebre do Gimnasia. Naquele mesmo campeonato, seu marido Néstor também havia sofrido na luta contra o rebaixamento, mas a do Racing, presentando o elenco racinguista com quatro TVs de plasma pelo sucesso na permanência. “À noite, ela me ligou a minha casa: ‘olá Gastón, como estás? Te fala Cristina, soube voltando de El Calafate, no avião, que seguimos sendo de primeira. Não vou ser menos que Néstor, então mando duas plasmas à tua casa’. Dito e feito. No outro dia chegaram dois ursos de dois metros com dois plasmas grandes que levei à concentração”.

O lance que “imortalizou” Sessa no mundo fez ontem dez anos

E sobre o lance de dez anos atrás? Sessa, na mesma entrevista, conseguiu jurar que não fez por maldade: “juro pelos meus dois filhos que não tive intenção de machuca-lo, embora ficou sendo minha última loucura. Falei com Rodrigo no dia seguinte. Embora não tenha tido intenção, me sentia culpado da mesma forma (…). Me haviam perdoado tantas que pensei que essa também ia passar. [O então presidente velezano Raúl] Gámez, que é um pai para mim, me disse: ‘Gastón, gosto de você como meu filho, mas tenho mais de meia Comissão Diretora contra, vou te dar passe livre”.

Sessa já havia tido problemas no Vélez em 2004: o clube já não era a potência que durou de 1993 a 1998, período em que teve ao menos um título por ano; entrava no sexto ano de jejum. O goleiro fez um bom Apertura, mas ficou marcado por falha na última rodada. A taça ficou com o Newell’s (e Sessa ficou odiado também no Rosario Central, onde havia ido bem a ponto de ser cogitado à seleção e cavar transferência ao River), mas os velezanos foram campeões já no torneio seguinte (único título entre 1998 e 2009). Sessa, naquela entrevista, declarou: “não me recriminam mais esse gol, agora me xingam pelo chute em Palacio e pelo 3-0 do Boca”.

Ainda na entrevista, Sessa, indagado sobre seu dia mais feliz, contrapôs Vélez e Gimnasia (“eu pensei que teria sido quando saí campeão com o Vélez, mas o de 12 de julho o superou amplamente, não houve nada como a repescagem contra o Rafaela”). Mas o carinho pela equipe de dez anos atrás ficou: “para mim, é o melhor clube da Argentina, a 200 corpos à frente de Boca e River”.

Ah: como dito, Sessa também jurou na entrevista que o chute em Palacio seria sua “última loucura”. Não cumpriu a palavra: em abril de 2015, pelo Boca Unidos, chutou as costas de um adversário do All Boys e voltou a ser expulso imediatamente do jogo e do clube da vez…

Outros clubes de Sessa: por Rosario Central, River e Racing, colecionando momentos bons e de dificuldades

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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