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River Plate, Ariel Ortega e Defensores de Belgrano. No que isso vai dar?

A Copa Argentina de futebol reservou para a data de hoje, 07 de dezembro, um cotejo que pode ser histórico. De um lado, o River Plate vai se deparar com um de seus grandes ídolos e pela primeira vez de forma decisiva. De outro, o Defensores de Belgrano, vizinho de bairro do Millo, que duela de maneira oficial com o rival pela primeira vez na sua história centenária. No centro disso, está a possível personagem do cotejo; uma personagem que tem tudo para ser a protagonista da noite, Ariel “el Burrito” Ortega. Vejamos o confronto do ponto de vista dos três.

Do ponto de vista do River

Matías Almeyda não se furtou de elogiar a figura de Ortega desde que soube do confronto pela Copa Argentina. Porém, em nenhum momento, demonstrou grandes preocupações com uma possível eliminação diante do vizinho de bairro. Sequer cogitou, ainda que a situação do Millo já não seja a mesma de quando foi anunciado oficialmente o duelo de hoje à noite. À época, a estabilidade emocional em Núñez era bem maior; hoje, o plantel chega ao seu estádio e se depara com pichações nada simpáticas ao presidente Passarella e ao elenco. Mesmo as promessas do clube, que em muitos casos têm sido a solução dentro de campo, foram depreciadas pelas inúmeras frases que colorem de negro os muros do Monumental.

Todavia, dois aspectos chamam a atenção. Embora todos no clube estejam dando à competição a importância justa, ninguém parece se importar com o Defensores de Belgrano e com Ortega. Almeyda vai levar uma equipe mista para San Juan. Vai levar a campo um possível 3-3-2-2, e com alguns atletas que tiveram pouquíssimas oportunidades na temporada. Se há vantagem nisso há também o problema do entrosamento. Vega; González Pirez, Pezzella e Funes Mori; Vella, Ledesma e Arano; Affranchino, Maestrico e González; Bou e Ríos. Esta foi a formação titular do último treinamento. Caso haja alterações nesta formação, elas serão poucas para o embate com o Defe. O segundo aspecto que sobressai aos olhos é que se o treinador vai bancar essa equipe, sob o argumento de que há de se preservar os titulares para a B Nacional, por que então levar para o banco Cavenaghi, Alejandro Domínguez e companhia?

A Copa Argentina tem revelado algo bastante curioso. Uma equipe de maior porte se importa pouco com o rival minúsculo e acredita que vai levar a vitória sem custos. Então toma o primeiro gol e bate o arrependimento sobre a proposta inicial. Daí, surge o desespero dentro de campo. O resultado foi que em certas situações se fez possível reverter o problema. Mas na maioria das vezes não. O River hoje é refém da mesma proposta. E isto ocorre porque todos no clube olham para a outra metade da cancha e não veem adversário. Estão dando a mínima para o Defensores; menos ainda para Ariel Ortega.

Do ponto de vista do Denfesores de Belgrano

Pertencer à terceira divisão do futebol argentino não é fácil. Afora seus torcedores apaixonados quem mais ver o clube? Poucos. Quem se importa com ele? Quase ninguém. Disso resulta que o Defensorores de Belgrano vai colocar sua própria alma dentro de campo. Em parte, porque as receitas da instituição cobram esse comportamento. Em parte, porque o enfrentamento é com o River. No inconsciente coletivo do clube, sempre existiu a fantasia de que um dia esse cotejo pudesse ocorrer. Enquanto essa data não chegava, quem no mundo consegue ter a dimensão da frustração de ter na mira uma instituição gigantesca logo ali, do lado, e ao mesmo tempo imaginar que esse cotejo jamais ocorreria? E quem é capaz de assumir, a priori, que esse inconsciente coletivo tão reprimido não entrará hoje à noite em campo, em San Juan?

“Será uma partida histórica para nossa equipe”, disse Rodolfo Della Pica, técnico do Dragão de Núñez. E continuou: Será especial; um acontecimento único do qual todos nós deveremos tirar proveito. Sabemos que será um compromisso difícil, mas no futebol não há partidas impossíveis de serem vencidas”. A proposta de Della Pica é a de manter o River bem distante do arco de Griffo. Para isso promete congestionar o espaço entre meio-de-campo e a grande área de sua defesa. Já as ações ofensivas, ocorrerão em situações muito favoráveis, nas quais poucos homens deverão executá-las, para que a proteção à zaga não fique debilitada. Em outras palavras, o Defe vai jogar por “uma bola”.

Do ponto de vista de Ariel Ortega

Esta vai ser a quarta vez que “el Burrito” enfrentará o seu clube de coração. Nas outras três deixou sua marca. Todas elas foi pelo Newell´s, já que uma cláusula contratual o impedia de atuar pelo All Boys contra o River. Nas duas primeiras vezes em que fez o gol, Ortega não comemorou. Na terceira, compensou com uma tamanha festa que lhe valeu uma advertência do árbitro por tirar a camisa do corpo. Era como se ele não aguentasse mais aquela história. O atleta não está em grande fase. Mas é outro que passa todos os dias diante do Monumental e é obrigado a caminhar um pouco mais, até se acercar e adentrar aos tímidos espaços que são ocupados pelo Dragão.

Somente o próprio atleta sabe das emoções que sente nesse contexto. Ninguém jamais ousou duvidar de seu coração millionario. Isto é um fato indiscutível. No entanto, quantas vezes Ortega não imaginou que deveria estar encerrando sua carreira no clube do coração? Poderia estar no banco de reservas e ser um ponto de referência para revelações como Funes Mori, Ríos, Ocampos e muitos outros. Foram muitas as besteiras que “el Burrito” fez em toda a carreira. Inúmeras. Porém, se há pessoas no mundo que o poderiam compreender elas não deveriam estar ali, no Monumental?

Trata-se de um craque, mas também de um louco. Daqueles cuja loucura foi tão grande que interferiu decisivamente nos resultados de sua performance e na história de sua carreira. Por quê? Entre outras coisas, porque se a cabeça era fraca o coração era forte: enorme se comparado com uma cabeça pequena. E Ortega deve pensar que “vá para os Diabos essa conversa de ter ou não uma boa cabeça se o que move esse clube gigante é sobretudo o coração de sua gente”. Coração dentro do qual pulsam as mesmas emoções que no seu. “Cabeça quem deve ter são os dirigentes”, deve pensar Ortega. “E se nem mesmo eles demonstram tê-la, por que somente eu devo viver essa punição?”. Por quais razões o exílio é agora o meu destino, e por que Diabos os deuses do futebol pretenderam que esse exílio fosse justamente aqui, no Defensores, às portas do Monumental? Portas que para mim estão fechadas, como se eu não fosse ninguém?”.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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  • Mais uma vez o site me surpreende com outra grande matéria. Acho que vocês pegaram bem o espírito da coisa, conseguiram entender como poucos o que significa esse grande jogo. Meus parabéns.

  • Ortega é o meio ídolo, mesmo que eu não vi muito ele jogar. depois de ler o texto cheguei a ficar em dúvida de torcer para o River. Mas eu não vou deixar o meu clube, apesar do Ortega.

  • "Trata-se de um craque, mas também de um louco. Daqueles cuja loucura foi tão grande que interferiu decisivamente nos resultados de sua performance e na história de sua carreira. Por quê? Entre outras coisas, porque se a cabeça era fraca o coração era forte: enorme se comparado com uma cabeça pequena".

    FANTÁSTICO!!!

  • Sobre o Ortega é sempre bom lembar que o Almeyda não quis a participação dele no time. Ele já imaginava que ajudara o River na primeira b mas o Almeyda disse uma não. é um lembrete que acho que otexto odria destacar. excelente matéria, concordo com o Prado.

  • Otimo texto! Captou exatamente o que significa o jogo! O Ortega foi o jogador que mais gostei de ver, craque mesmo, apesar de todos os problemas que teve. Burrito é tenso demais.

  • Nao tem coisa melhor q ver el burrito jogando.
    Acho q já falei isso aki, meu filho se chama Ariel em homenagem a esse cara, espero ve-lo encerrar a carreira no River.

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Joza Novalis

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