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Torcedores de um, jogaram no rival: Boca e River

José Manuel Moreno: ídolo do River, mas torcedor do Boca, onde também jogou

O especial de anteontem já havia listado alguns que jogaram pelo rival do clube que torciam. Este, na mesma linha, abordará os do universo Boca x River, no dia do primeiro Superclássico de 2013, que envolverá alguns a passar pela situação: consagrado como o maior técnico da história do Boca, Carlos Bianchi já admitiu ser/ter sido, no íntimo, torcedor do River, assim como o reforço boquense Juan Manuel Martínez, recém-saído do Corinthians. Já o clube de Núñez é presidido por Daniel Passarella, símbolo ali também como jogador e técnico, mas que na juventude era um ardoroso fã auriazul.

El Burrito Martínez nasceu em uma família millonaria: o pai, Carlos, e o tio, Joaquín, defenderam profissionalmente a banda roja. El Virrey Bianchi, consciente de como tem sua imagem tão ligada ao Boca, já declarou que jamais treinaria o arquirrival, por mais que seja torcedor gallina. El Kaiser Passarella era xeneize fanático, tendo inclusive tentado iniciar a carreira na equipe da Ribeira. A desilusão amorosa veio após ser rejeitado na peneira, fazendo-o então rumar para o Millo.

Como Passarella, José Manuel Moreno era um torcedor do Boca que, rejeitado na equipe, foi se consagrar no River. Descrito pelos mais antigos como ainda melhor que Maradona, integrou a célebre linha ofensiva riverplatense dos anos 40, conhecida como La Máquina, defendeu a Argentina entre 1936 e 1950 e ajudou o clube a obter cinco campeonatos argentinos em uma era que o torneio era do mais alto nível. Ao contrário de Passarella, porém, Moreno pôde realizar o sonho de infância.

Em 1950, já com 34 anos, ele acertou com o Boca, que quase havia sido rebaixado no ano anterior. El Charro ajudou os bosteros a conseguirem um vice-campeonato, com atuações que o fizeram voltar brevemente à seleção, da qual estava afastado desde 1947. Foi o segundo a defendê-la tanto por River quanto por Boca, e o primeiro em mais de trinta anos – e também o primeiro na era profissional. Em 1951, porém, teve que voltar à Universidad Católica, não se firmando tanto no coração dos auriazuis.

Amato, Mastrángelo e Salinas. Todos nasceram “bosteros”. Só Amato mudaria de opinião

Se Moreno foi o primeiro profissional a defender a Argentina vindo dos dois rivais, o ponta Gabriel Amato foi o último campeão argentino por ambos, ainda que na reserva. Teve pouco mais de destaque no River, participando também da segunda Libertadores vencida pelo Millo, em 1996. Sobre para quem torcia, porém, declarou: “minha família é Boca, assim fui sendo Boca. Mas meu passo pelo River mudou tudo”.

“Como torcedor do Boca, minha resposta é positiva. Se existe a possibilidade de um regresso do Riquelme, eu ficaria muito contente”. As palavras não são de 2013, mas de dez anos atrás, 2003. São de Ernesto Mastrángelo, que surgiu no Atlanta e passou pelos millonarios de 1972 a 1974, chegando a defender a seleção no período, na reta final da seca de 18 anos que o clube viveu. Perdeu o ano do desjejum (1975, quando esteve no Unión de Santa Fe) e em seguida fez história no time do coração.

Gatti nos anos 60 e 80

Heber foi artilheiro do Boca duas vezes campeão dobrado: dentro da própria Argentina, no ano de 1976 (títulos metropolitano e nacional), e nas primeiras Libertadores vencidas, no bi de 1977-78. Este ponta-direita ainda deixou dois gols nas finais da Intercontinental de 1977, a primeira da instituição. O atacante Carlos Salinas, que marcou outro gol na Intercontinental, fora campeão com o River em 1975. Mas era tão bostero que um dia, sem perceber, chegou a ir com uma camisa do Boca ao treino do Millo.

Como Mastrángelo, o goleiro Hugo Gatti surgiu no Atlanta e passou ao River. Mesmo reserva do mito Amadeo Carrizo, foi à Copa de 1966. El Loco não sobreviveu ao jejum gallina e em 1968 foi ao Gimnasia y Esgrima La Plata. Em 1976, apareceu no Boca, com atuações que fizeram-lhe ser titular da seleção na época – foi o primeiro desde Moreno que a Argentina convocou dos dois.

Gatti só sairia do clube em 1988, já depois dos 40 anos; é o segundo com mais jogos pela Ribeira. A saída não foi feliz: na reserva, chegou a negociar uma volta aos millonarios, mas o negócio não seguiu adiante e ele se aposentou. Hoje, diz-se boquense, mas respeita o passado: “Sou do Boca, defendi essa camiseta durante anos. Mas também tive a sorte de jogar no River. De saber o que significa essa camiseta, de sentir o peso de sua história” foram afirmações em meio ao lamento que ele declarou às vésperas do rebaixamento riverplatense, em 2011.

Caniggia e Batistuta, como Moreno, eram boquenses que apareceram primeiro no River. Mas foram melhores no clube do coração

Outro a surgir no River torcendo pelo rival é Claudio Caniggia. Ficou em Núñez de 1985 a 1988. Em 1986, quando o time do bairro conseguiu sua primeira Libertadores e Intercontinental, porém, ele (um reserva) esclarecera o que sentia: “quero que o River ganhe, mas sempre fui torcedor do Boca”. Como Moreno, conseguiu jogar pelos xeneizes, em 1995. Em 1997, quando passou uma temporada parado em função do suicídio da mãe, teve sua ida ao Independiente cogitada, mas descartou voltar ao River.

El Pájaro retornou ao futebol no Boca mesmo. Embora não tenha conseguido títulos para a Ribeira, seu desempenho individual ali foi mais expressivo. Mesmo assim, como Gatti, lamentou a queda em 2011: “no River cresci, amadureci e não gostei do descenso. Foi triste”. Como Gatti e Moreno, representou os rivais na seleção. Gabriel Batistuta tem trajetória com pontos em comum com Caniggia. Ter sido campeão pelo River para depois ir ao Boca ser realmente idolatrado mesmo sem títulos é um.

Outro é ser torcedor auriazul, como declarou em 2008: “ao Newell’s (onde surgiu) tenho um carinho muito especial, mas sempre fui hincha do Boca”. Deixara o Newell’s Old Boys em 1989 como promessa para a banda roja, mas, já boicotado por Passarella, não se lapidou com ela. Após o vitorioso campeonato de 1989-90, em cuja metade final ele foi um reserva quase inutilizado, passou diretamente ao rival. Explodiria no início de 1991, chegando à seleção. Mais detalhes nos especiais dedicados a ambos, aqui e aqui.

Já Abel Balbo, por sua vez, teve uma carreira semelhante à de Batistuta: surgiu no Newell’s e foi contratado pelo River em 1988, pouco após ser campeão argentino com os rojinegros (assim o novato Bati ganhou vaga entre os titulares do NOB). Outra temporada depois, já de seleção, foi à Itália, passando pelas mesmas Roma e Fiorentina de Batigol. Como ele, era torcedor do Boca.

Tapia e Balbo

Já mais veterano e calvo, cumpriu parte do sonho de infância no início de 2002, inscrito para a Libertadores, onde os auriazuis iriam atrás de um tri seguido. No clube que sonhava, não se deu bem: só quatro jogos, nenhum gol e eliminação nas quartas. Outro xeneize que saiu do Newell’s para o River para enfim jogar no Boca foi o zagueiro Fernando Gamboa, que não chegou a se destacar como na Lepra.

O meia Carlos Tapia foi outro a defender a seleção pelos dois, sendo um boquense surgido no River (em 1980). “Quando és garoto, o único que pensas é chegar na primeira. (…) Não pensas como torcedor”. Passou ao Boca em 1985, num troca-troca entre os rivais que envolveu também o colega Julio Olarticoechea (racinguista) pelos então bosteros Ricardo Gareca (velezano) e Oscar Ruggeri (torcedor do Independiente), outros três que a Argentina chamaria de ambos. Só Gareca não iria à Copa de 1986.

El Chino e Olarticoechea são os únicos campeões do mundo como jogadores do Boca, onde Tapia teve quatro passagens diferentes, um recorde ali. A rivalidade ainda teve Alberto Tarantini, dos pouquíssimos de sucesso nos dois, e outro que, vindo dos rivais, foi à seleção. Segundo o próprio, herdou do pai a paixão pelo Boca, onde começou. Foi titular do campeão argentino dobrado em 1976 e na Libertadores de 1977, ano em que seu contrato expirou.

Também de acordo com as declarações de El Conejo, ele já planejava não renovar e um dia acertar com o River, o que fez em 1979. Teria prometido isso ao presidente xeneize Alberto Jacinto Armando (que dá o nome oficial da Bombonera) após o dirigente, que era amigo do pai de Tarantini, demonstrar descaso após a morte deste, em 1975. Em Núñez, o lateral-esquerdo também foi duas vezes campeão argentino.

Tarantini e Cáceres

Dos que, inversamente, nasceram millonarios, jogaram pelo clube e mesmo assim chegaram a vestir auriazul, está Juan José López, um dos maiores ídolos no clube do coração, onde brilhou nos anos 70. No Boca, passou na década seguinte. Fernando Cáceres, que como outros acima esteve na seleção argentina tanto por um quanto pelo outro, chegou ao Millo após cinco anos de Argentinos Juniors, conseguindo o Apertura 1991. Mas este zagueiro passou rapidamente no Boca em 1996.

Juan Gilberto Funes, também riverplatense assumido, só não chegou ao rival por uma tragédia. Ele está na galeria de heróis do Millo por ter feito os gols das finais da primeira Libertadores do clube, em 1986. Em 1990, El Búfalo vinha de uma temporada no Vélez quando negociou com o Boca. Todavia, problemas cardíacos o obrigaram a encerrar a carreira. Um ano e meio depois, um infarto o mataria.

Por fim, há os que, como Bianchi e Passarella, não chegaram a concretizar o sonho que tinham quando pibes. Diego Cagna e Leonardo Astrada são emblemas das maiores fases de Boca e River, respectivamente: Cagna foi o capitão nos dois primeiros ciclos de Bianchi (1998-2001, 2003-04); Astrada, por sua vez, é o jogador com mais títulos pela banda roja, 12 (10 campeonatos argentinos profissionais, o que lhe é um recorde nacional, além da Libertadores de 1996 e a Supercopa de 1997).

Só que o clube da família de ambos era outro: Cagna é filho de um antigo empregado da instituição de Núñez. Já El Jefe, embora tenha se desvencilhado afirmando em entrevista que torcia pelo Tigre, na mesma ocasião transpareceu para quem torce seus familiares. À pergunta “Teus dois irmãos seguem sendo fãs do Boca?”, respondeu “não, mas na minha época de jogador, o mais pequeno ia ao estádio. Lhe comprava ingressos para os clássicos e depois me inteirava de que me xingava desde a tribuna”.

“Jota Jota” López pelos rivais; e Cagna e Astrada

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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