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50 anos de Leonardo Astrada, jogador com mais títulos no River do século XX

A foto de Astrada em seu perfil de duas páginas na edição especial onde a revista El Gráfico elegeu os cem maiores ídolos do River, em 2010

Além de Millonario, o diminutivo Millo, La Banda Roja (em alusão à listra diagonal), El Más Grande e o cada vez menos pejorativo Gallina, outro apelido do River é El Campeón del Siglo, “O Campeão do Século”, em referência ao time mais vezes campeão argentino no século XX. Pois bem, nenhum jogador venceu tanto naquele período em Núñez como Leonardo Rubén Astrada, outro a ter diversos apelidos: desde o óbvio Leo, a El Negro (em um país com tão poucos afros, essa alcunha abrange os de fenótipo indígena e também os de pele e olhos claros que tenham traços rústicos, como ele) e por fim El Jefe – “O Chefe”, amostra da liderança exercida por esse volante, cujos doze títulos só foram ultrapassados em 2018. Hoje ele faz 50 anos.

Uma ironia é que a família dele se dividia entre o Tigre e… o Boca mesmo. Astrada sempre se desvencilhou das “acusações” de que teria sido auriazul, destacando em longa entrevista ainda em 2007 à El Gráfico que o seu clube do coração era o outro. Mas na mesma ocasião confessou uma anedota envolvendo os dois irmãos que são xeneizes assumidos: “em minha época de jogador, o mais jovem ia a campo. Eu lhe comprava ingressos nos clássicos e depois me inteirava de que me xingava na arquibancada”. A trajetória no River começou ainda em 1978, favorecida pela proximidade do trabalho do pai, a sete quadras do Monumental. Não fosse isso, admitiu El Negro, “estaria consertando elevadores com ele. Foi muito raro. Um dia, tomando café da manhã em um bar perto do Monumental, apareceu um diretor e me conseguiu um teste. Tinha oito anos, quando me disse não entendia nada”.

Era inverno e Astrada, impaciente, chegou a dar meia volta ao pensar que não lhe colocariam, recebendo uma primeira repreensão, de um certo Zenón Ruiz, o técnico infantil que lhe indagara se era assim que desejava jogar futebol. Envergonhado, retornou e cresceu ativamente nos juvenis, a ponto até de repetir um ano escolar (“quando tive que entregar a prova de inglês, me apresentei, assinei e entreguei sem nada, porque tinha um jogo com o River. Quando soube minha mãe, que me havia mandado dois meses à professora particular, quase me mata”. A estreia no time adulto deu-se ao fim da temporada regular de 1988-89, em 12 de julho de 1989, contra o Deportivo Español. O Independiente já havia sido campeão argentino e os melhores colocados abaixo de si seguiam em atividade pela extinta Liguilla pre-Libertadores, que dava a outra vaga argentina em La Copa. O River, que acabara de demitir César Menotti após uma decepcionante temporada regular, caíra já no primeiro mata-mata da Liguilla, ainda em junho, mas os times perdedores seguiam no páreo, em um grupo à parte, até perderem novamente.

O jogo contra o Español era a primeira semifinal desse grupo dos perdedores e em 2007 ainda era classificado por Astrada como dia mais feliz da carreira, e também o de concentração mais apreensiva: “com [Reinaldo] Merlo de treinador e [Daniel] Passarella como colega de quarto. Me meti dentro da cama e não emiti palavra, tinha um cagaço tremendo”. Ele entrou no decorrer do jogo e saboreou uma primeira vitória na carreira, por 1-0. Adiante, o River fez a “final perdedora” contra o próprio Boca. Foram necessárias três partidas e Astrada jogou as duas primeiras, já como titular. O Millo levou a melhor e depois faria a finalíssima com o San Lorenzo, que havia ganho a “final dos vencedores”. Também levou a melhor e, embora a liguilla não constasse como um título, seus campeões se permitiam dar voltas olímpicas. Essa foi só a primeira do volante. Ele, porém, não se firmou tão rápido na sequência; na temporada 1989-90, El Mostaza Merlo (ele próprio um antecessor de Astrada, ainda sendo o recordista de jogos pelo clube) ficou no cargo na metade inicial, preferindo entrega-lo em lealdade ao assistente Norberto Alonso – velho ídolo, Alonso estava malquisto pelo presidente eleito ao fim de 1989 por apoiar o opositor.

Em 1994 com seus antecessoras na camisa 5 do River: Américo Gallego e Reinaldo Merlo. E com o grande desafeto da carreira, Ramón Díaz, em 1999

Passarella, que pendurava as chuteiras na liguilla, foi anunciado como novo treinador e confiou plenamente em Astrada como um volante de contenção que chegava mais nos metros rivais, em esquema de pressão ofensiva que contrastava com a retranca pregada por Merlo. A maioria das treze partidas de Astrada na campanha de 1989-90 deu-se no segundo turno. Com ele de titular, o River garantiu o título ainda na antepenúltima rodada e chegou às semifinais da Libertadores. A temporada seguinte introduziu o formato Apertura e Clausura, embora inicialmente os vencedores dos turnos fossem obrigados a jogar finais para definir um campeão único. No Apertura, o River seguiu no páreo até a rodada final, mas a derrota em casa para o Vélez no dia em que a lenda Ubaldo Fillol (agora adversário) pendurou as luvas permitiu que o turno ficasse com o Newell’s de Marcelo Bielsa. No Clausura, em contraste, o time chegou a passar onze jogos sem vencer (enquanto caía como lanterna de seu grupo na Libertadores). Com essa crise ainda em início, Astrada pôde estrear pela seleção, em um 0-0 amistoso com o México em Buenos Aires, em 13 de março.

O volante terminou mantido para a Copa América, onde foi titular absoluto no fim do maior jejum argentino no torneio. Eram 31 anos sem vencê-lo e, na campanha, El Negro até marcou o seu único gol em 33 jogos pela Albiceleste, vitimando José Luis Chilavert no 4-1 sobre o Paraguai. Seus gols eram mesmo raros; no River, foram apenas oito em mais de 300 jogos. Prezava mais por usar seu ótimo senso de posicionamento para brecar adversários e passar logo a bola aos mais artistas do time. Na temporada 1991-92, Apertura e Clausura já passaram a contar como títulos separados. O River papou o Apertura 1991, agora com um recorde próprio de oito vitórias seguidas e com Astrada presente em dezessete dos dezenove jogos – o time, em paralelo, também foi finalista da Supercopa. Leo assim seguiu na seleção de Alfio Basile ao longo de 1991, ano em que pôde ser mais assíduo, registrando só ali mais de um terço de seus jogos pela Argentina. Porém, perdeu continuidade a partir de 1992: foi ao pré-Olímpico com pubalgia, sem evitar a desclassificação aos Jogos de Barcelona.

Em paralelo, em 1992 o classudo Fernando Redondo estreou pela seleção e em 1993 foi a vez de Alejandro Mancuso aparecer como outra boa opção de volante além de Diego Simeone. A relativa estiagem de taças também não ajudou Astrada, que ainda jogou duas vezes pela Argentina em 1992 antes de desaparecer por um tempo; esquecido nas eliminatórias, tampouco foi lembrado para a Copa de 1994. No Clausura 1992, o time não manteve fôlego até o fim, terminando a cinco pontos do Newell’s de Bielsa; no Apertura, o clube soube ter chances até a rodada final, mas viu o Boca comemorar no fim; no Clausura 1993, concorreu até o fim com o Vélez, mas acabou ultrapassado até pelo Independiente. A reconquista nacional viria no Apertura 1993, finalizado só em março de 1994. Em um time mais pragmático em um torneio embolado (quatro pontos o separaram do nono colocado, o Banfield de Javier Zanetti) do que encantador, Astrada, com só 24 anos, já era visto como uma referência de experiência na campanha que começou a firmar no time adulto os ainda sub-20 Ariel Ortega, Marcelo Gallardo, Matías Almeyda e Hernán Crespo. Foi inclusive em 1994 que El Negro passou a ser também El Jefe, apelido criado pelo locutor Víctor Hugo Morales.

Tal como em 1991, Leo esteve em dezessete dos dezenove jogos do Apertura 1993, título que credenciou Passarella para assumir a seleção após o Mundial dos EUA. O Clausura 1994 começou já na semana seguinte e a ressaca em Núñez foi evidente, mas o time recobrou força no Apertura 1994: foi, pela única vez, campeão argentino de forma invicta, com Astrada contribuindo em quatorze jogos. Isso e a preferência escancarada de Passarella por atletas do River favoreceram um retorno do volante à seleção em 1995, seu outro ano de presença contínua na Albiceleste: foram onze jogos e nova participação na Copa América. O problema é que ele foi expulso na eliminação contra o Brasil. Só viria a reaparecer já em 28 de dezembro de 1996, em amistoso contra a Iugoslávia. Afinal, o ano de 1995, apesar do time chegar às semifinais da Libertadores, foram de transição nos torneios argentinos. No Clausura, no Apertura e no Clausura 1996, o time chegou no máximo ao sétimo lugar.

Com seus troféus internacionais pelo River: Libertadores 1996 (com Matías Almeyda, Gabriel Cedrés e Gabriel Amato, depois colega no Grêmio) e Supercopa 1997, com Marcelo Gallardo. Alívio de quem foi expulso nas duas finais…

Por outro lado, ao fim do primeiro semestre de 1996 a equipe, após dez anos, voltou a vencer a Libertadores – ainda que Astrada, presente em onze jogos, a desfalcasse seriamente nas finais, ao ser expulso pelo segundo amarelo no jogo de ida. Sua saída chegou a ser pedida pelo técnico Ramón Díaz, mas o volante, que jamais perdoou o treinador, foi bancado pelo presidente Alfredo Davicce: “saíamos para a pré-temporada, veio Davicce e me disse: ‘o técnico não te quer, disse que és contraproducente para o grupo, mas enquanto eu esteja aqui, você não sai, então vá à pré-temporada em Tandil e te esforce ao máximo’. Ali, Ramón me comentou que os dirigentes queriam me vender, que não estavam conformes comigo. Fiquei louco. E cantei clarinho na sua cara: você é um fdp e um cagão, porque não tens colhões de me dizer as coisas de frente’. Ele negou. ‘Vamos facilitar, no domingo vem Davicce, nos sentamos os três e solucionamos isto’. Ele me respondeu que não podia sentar-se com um jogador na frente de um dirigente. ‘Bem, então não seja um escroto comigo, porque no dia que me queiras escrotear, eu caço o microfone e te destroço’. No fim, veja como são as coisas: na semana venderam Almeyda e eu segui jogando”.

O River não pôde vencer o Mundial nem a Recopa, mas compensou à risca os três torneios argentinos longe da taça: faturou o último tricampeonato seguido visto no campeonato, com um aproveitamento de 79,82% dos pontos no período – superior aos outros dois tris do clube (74,44% nos anos 50 e 69,87% no fim dos anos 70). Astrada, sempre presente, jogou quinze vezes no Apertura 1996, dezoito no Clausura 1997 e quinze no Apertura 1997. Em paralelo, o Millo também venceu o grande troféu que lhe faltava, a última edição da Supercopa, sobre o São Paulo. Foi a última taça internacional em Núñez até 2014, já na Era Gallardo. Embora Astrada (presente em oito jogos e até marcando um gol, no 3-2 sobre o Racing em Avellaneda na fase de grupos) outra vez terminasse expulso em jogo decisivo, recebendo o segundo amarelo antes dos quinze minutos finais do jogo da volta, ele pôde aparecer em dois jogos da reta final das eliminatórias e cavar de última hora sua vaga no Mundial da França. Embora tenha até figurado no álbum da Panini, ele não foi usado em nenhum minuto na Copa, prejudicado pela concorrência com Almeyda e Simeone, ambos com a experiência europeia que El Jefe nunca teve. Naquela entrevista de 2007, ao ser indagado sobre esse anticlímax, Astrada preferia sentir “orgulho. Teria adorado jogar, mas não se deu e tenho que aceitar”.

Desfalcado ironicamente pela “Riverção” e pela aposentadoria de Enzo Francescoli, o River não fizera um bom Clausura 1998, mas tampouco se deu bem no Apertura, onde só venceu cinco vezes. Astrada, ainda assim, foi lembrado nos dois primeiros jogos do ciclo de Marcelo Bielsa na seleção, dois amistosos em fevereiro de 1999: 2-0 sobre a Venezuela em Maracaibo e 2-1 sobre o México em Los Angeles. E ficou nisso; El Loco depois encerrou o boicote de cinco anos a Redondo antes de, como Passarella, preferir Almeyda e Simeone. Embora não tenha virado um ícone na Albiceleste, Leo pôde ter boas estatísticas: só perdeu três vezes em 33 jogos, vencendo 22. A Libertadores de 1999 escapou nas semifinais tal como a de 1998, mas ao fim do ano o time pôde festejar o Apertura, um título com boas cerejas de bolo: o River encerrou ali um jejum de oito anos sem vencer no próprio Monumental o Superclásico. Já Astrada, presente em dezesseis jogos, tornou-se o primeiro jogador do clube a chegar a dez títulos: as oito conquistas argentinas, a Libertadores 1996 e a Supercopa 1997 o fizeram ultrapassar os nove troféus nacionais do mito-mor Ángel Labruna, que só permanecia à frente na soma com sua carreira de técnico. Leo ainda ganharia mais dois títulos argentinos depois, sendo o profissional recordista nessas taças – abaixo só de Ernesto Brown, onze vezes campeão ainda no amadorismo.

Em alta, El Jefe foi comprado pelo Grêmio da ISL, em operação que teve o dedo do desafeto Ramón Díaz: “vínhamos de ganhar o Apertura 99, eu havia andado muito bem, e pedia um contrato de três anos. Os dirigentes me diziam que não podiam fazer. O Grêmio me ofereceu essa chance e fui. Na semana de sair, Ramón renunciou. E um dia depois me chamou um diretor e me disse: ‘o que queres para voltar?’”, denunciou. O exílio durou um ano e não teve êxito: o Tricolor perdeu o Estadual para a única conquista do Caxias do jovem técnico Tite; caiu de 4-1 para a Portuguesa em um segundo mata-mata da Copa do Brasil; e terminou só em 10º na fase inicial da Copa João Havelange antes de sucumbir já na semifinal à zebra São Caetano, numa virada de 3-1 dentro do próprio Olímpico. Sobre a passagem gremista, o volante destacaria em 2007 que “futebolisticamente foi frustrante, como experiência significou algo importante: no River não sabia o que era sofrer e no Grêmio tive que começar do zero”.

As outras camisas da carreira de jogador: seleção (na Copa América de 1991 e no álbum da Copa 1998) e Grêmio, onde esteve em 2000

Astrada retornou a Núñez em janeiro de 2001, ano do centenário riverplatense oficial. O técnico era Américo Gallego, com quem tinha ótima relação (a ponto de este ser padrinho de sua segunda filha) desde que El Tolo era assistente de Passarella: “foi quem mais me ensinou”, declararia sobre outro antecessor seu com a camisa 5. Só que o River foi vice no Clausura para o San Lorenzo e caiu para a Cruz Azul nas quartas da Libertadores. Gallego foi reposto justamente por Ramón Díaz. No segundo semestre, o River encerrou seu centenário com um bivice, agora para o Racing (em jejum havia 35 anos) no Apertura – com o volante só atuando até o fim de novembro, contra o Chacarita. O título nacional foi reconquistado no Clausura 2002, mas com Astrada atuando uma única vez, entrando no decorrer do jogo contra o Belgrano. Era só a quinta opção de camisa 5 para El Pelado Díaz, atrás de Cristian Ledesma, Guillermo Pereyra e dos preferidos Esteban Cambiasso e Claudio Husaín.

Se em 2007 Astrada soltou que Díaz “me licenciou uma semana depois do final do torneio para que eu não pudesse dar a volta olímpica com meus companheiros. E mais: não me deixava pisar no vestiário”, na época o volante preferiu o silêncio e foi recompensado: o presidente recém-eleito José María Aguilar optou por não renovar o contrato do treinador, chamando o chileno Manuel Pellegrini. A mudança não recolocou El Jefe exatamente entre os titulares, com Pellegrini vindo a preferir os mais jovens Eduardo Coudet e Oscar Ahumada, mas ainda assim El Negro pôde atuar em cinco jogos da campanha vencedora do Clausura 2003. Não foi mais por fatores extracampo: seu pai fora simplesmente sequestrado. Ainda assim, ele foi convencido a atuar na última partida da campanha, com o River já campeão por antecipação na rodada anterior. Entrou como titular e ficou por doze minutos (dando lugar a Coudet), no que foi sua despedida do futebol, retirando-se sob aplausos e uma camisa onde dizia “papai, estamos de esperando”, em agonia que só teria final feliz dali a dezessete dias. Detalhou esse terror em 2007 também, indagado sobre como fizera para poder jogar mesmo que por pouco tempo:

“Não sei. Eu não queria saber de nada, mas Hernán [Díaz] me chamou e me disse que seria bom que pudesse me despedir, pelo bem do meu velho, para que não tivesse peso na consciência. Também ocorreu que os sequestradores não me ligavam, não tinha uma notícia do meu velho, e me fizeram ver que desse modo podia chegar a ter uma aproximação. Fiz mais que nada por isso. Manuel queria que jogasse um tempo. Eu lhe disse: ‘Manuel, não sei se posso estar em pé um minuto’. E mais: os que me colocaram para dar a volta olímpica foram meus companheiros, eu não queria dar. Toda essa tarde, por dentro pensava no meu velho, no sofrimento que podia estar passando. Diante da minha filha eu não podia estar todo o dia chorando, tinha que bancar o forte, como se nada acontecesse. Foi escrotíssimo. Não chegas a dizer nada [aos sequestradores]. Eles te ligam, te dizem ‘quando juntaste?’ e pronto, te desligam”.

“Não tens um diálogo com o cara. Eu tentava, mas não havia jeito. [O mais difícil foi] quando me disseram que fosse buscar a prova de vida. Atiravam cassetes em cestos de lixo e tinha que recolhê-las. Ao escutar a primeira, pensei ‘tchau, está liquidado’. Te pega muito forte escutar teu velho chorar, a voz entrecortada. Na segunda, te tranquilizas e pouco a pouco vais ficando frio. Ao escuta-lo, me dava conta de que havia coisas do meu velho e outras que não eram; palavras dele e outras que evidentemente eram dos sequestradores e ele as lia. E aí armas duas histórias paralela. É complicado. A primeira ligação que recebi dos sequestradores foi após dez dias. Antes, todos os dia me ligava gente distinta dizendo-me que o haviam visto na favela tal e que queriam grana. Me chamaram até da prisão, com cartão telefônico. E era tudo prosa”.

O dia da involuntária despedida, na rodada final do vitorioso Clausura 2003: seu pai estava sequestrado e incomunicável. Ele precisou ser convencido a dar a volta olímpica com Andrés D’Alessandro e colegas

Em 10 de janeiro de 2004, Astrada voltava ao River. Pellegrini caíra com a perda da Sul-Americana de 2003 para o surpreendente Cienciano. Com a confiança recobrada, Leo já falava em ganhar tudo e começou primeiramente indo bem nos torneios de verão, batendo duas vezes o Boca. No Clausura 2004, seu River vez ou outra perdia para times retrancados favorecidos por contra-ataques, mas colecionou boas exibições: 3-0 no Estudiantes na tarde do champagne-gatorade de Carlos Bilardo, 4-1 no Independiente, 5-0 no Arsenal e 4-1 no Colón antes da única vitória sobre o então líder Boca na Bombonera entre 2002 e 2014. O único gol foi de Fernando Cavenaghi, mas o melhor em campo foi a revelação Maxi López, que já vinha se consagrando com gols nos minutos finais de vitórias contra Racing, San Lorenzo e o forte Gimnasia LP da época. Então o garoto teve sua noite de vilão, em novo Superclásico, pelas semifinais da Libertadores, ao ser o único a errar seu pênalti em noite das mais cardíacas do futebol. “Eu estava jogando a vida nessa partida. Se ganhássemos essa Copa no nosso primeiro semestre e eliminando o Boca, eu tinha dez anos de contrato com o River”, lamentou Astrada em 2007. Precisou resignar-se em ser o técnico mais jovem a ser campeão no Millo, levantando o Clausura com 34 anos.

El Negro ficou mais um ano em Núñez, com um terceiro lugar no Apertura 2004 e foco total na Libertadores 2005 enquanto o time ficava só em décimo no Clausura. Outra vez, a barreira foram as semifinais, agora contra o São Paulo, em ambiente tumultuado após a revelação do caso extraconjugal de Horacio Ameli com a esposa de sua dupla de zaga, Eduardo Tuzzio: “me enojei com Eduardo porque me plantou uma situação distinta da que depois se deu. Por isso digo que não acredito nem em um e nem em outro. Porque não me cagou um, me cagaram os dois. Sabia que era muito difícil. Tratei de acomodar as coisas como pude e se os dois ficaram, foi por um desafio futebolístico. Uma pena. Estava convencido de que nesse ano tínhamos tudo para ganhar”. Com o desempenho caindo, Astrada preferiu renunciar: “já não desfrutava. E eu penso que quando alguém deixa de desfrutar o lugar onde trabalha, tem de saber dar um passo ao lado”.

Ele então seguiu uma carreira de altos e baixos, assumindo primeiramente o Rosario Central em 2006. Mas, sentindo-se enrolado pelos diretores nas contratações, também renunciou. No Clausura 2007, seu Colón foi visto com bons olhos pela diretoria santafesina, o que o surpreendeu: “não tens essa pressão das pessoas de que tem de ganhar ou ganhar. Vão se conformando em estar em quarto ou quinto. No torneio passado, terminamos sextos e a primeira coisa que nos disseram é que havia sido a melhor campanha dos últimos cinco anos. E por dentro, nos dissemos: ‘se conformam com isso?’”. Renunciou também ali, já em março de 2008, assumindo em setembro o Estudiantes. Deu azar: demitiu-se dali em março de 2009, cabendo a Alejandro Sabella a glória de levar o time de La Plata de volta ao título da Libertadores, em julho. Em outubro, reassumiu o River, sem conseguir reviver um time em crise em meio às três temporadas que resultariam no rebaixamento, em 2011; Astrada saiu ainda em abril de 2010, para em 2011 ir ao Paraguai.

No país vizinho, assumiu o Cerro Porteño, seu último trabalho mais bem chamativo. Nunca presente em qualquer final continental, o Ciclón paraguaio, com uma colônia argentina em Roberto Nanni (artilheiro daquela Libertadores), Juan Lucero, Mariano Uglessich, Lautaro Fórmica, Javier Villarreal e os naturalizados Jonathan Fabbro e o jovem Juan Iturbe, chegou pela última vez às semifinais, caindo para o futuro campeão Santos pela diferença mínima no placar agregado – após um maluco 3-3 no Defensores del Chaco depois de estar perdendo de 2-0 para Neymar e colegas. Astrada e seu fiel assistente Hernán Díaz seguiram ao Argentinos Jrs em 2012, saindo em meio à 16ª colocação no Torneio Inicial. Após anos sabáticos, a dupla emendou seus últimos trabalhos em 2015, em um retorno infrutífero ao Cerro Porteño, eliminado ainda na pre-Libertadores; e um antepenúltimo lugar na liga argentina com o Atlético de Rafaela.

Em 2018, outro volante, Leonardo Ponzio, superou Astrada como jogador mais vezes campeão no River, ao somar na Copa Argentina seu 13º título. Presente no Apertura 2008, Ponzio levantou também a segunda divisão de 2012 e então todos os troféus da Era Gallardo: Torneio Final e a Sul-Americana em 2014, a Recopa Sul-Americana, Copa Suruga e Libertadores em 2015, a Recopa Sul-Americana e Copa Argentina em 2016, Supercopa e Copa Argentina em 2017, Supercopa e então a Libertadores em 2018 (depois ainda viriam em 2019 a Recopa Sul-Americana e Copa Argentina). El Negro segue como profissional mais vezes campeão do campeonato argentino, dez vezes. Humilde, declarou ao livro oficial do centenário millonario: “Nunca me considerei ídolo do River. Ídolos são Labruna, Alonso, Francescoli. Eles sim que tinham carisma. Quase sempre, os mais reconhecidos são os que fazem gols, os que jogam muito bem. São as regras do jogo e sempre as aceitei. Eu estou muito conforme com o papel que me calhou. Fui o camisa 5 do River por tantos anos porque entreguei tudo em cada partida. Esteja onde esteja, sempre vou levar o River no coração”.

https://twitter.com/CONMEBOL/status/1214170047524028416
https://twitter.com/RiverPlate/status/1214252580106358786

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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