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30 anos da Copa América de 1991, quando a Argentina encerrou sua pior seca no torneio

Segue fresco o fim de um jejum de 28 anos da seleção adulta da Argentina, que até vencer a Copa América de 2021 seguia sem títulos oficiais desde a edição 1993. O curioso é que essa não foi a maior seca da Albiceleste no torneio. Há exatos trinta anos, ela encerrou um hiato de 32 anos (suavizado, é claro, pelas duas Copas do Mundo erguidas no período), pendente desde o título garantido em casa em 1959 sobre o Brasil recém-campeão mundial, na única vez de Pelé no torneio continental. Um detalhe não menor: se a edição 2021 redimiu Messi, trinta anos atrás a taça veio mesmo sem Maradona – sempre ao lado do Rei como imortais que incrivelmente nunca venceram essa competição. Outro detalhe é que ali os hermanos se tornaram novamente os maiores campeões do troféu, com sua 13ª vez igualando-os a um Uruguai isolado na frente desde 1987.

Reciclagem do elenco pós-1986/90:

Após o vice na Copa do Mundo de 1990, acabou os sete anos de Era Carlos Bilardo. Seu sucessor, Alfio Basile, estava credenciado por bons trabalhos recentes no “seu” Racing, onde já havia brilhado como zagueiro nos anos 60: como treinador, em 1985 desatolara a Academia de dois anos de segunda divisão, vencera a Supercopa de 1988 (único título do clube entre 1967 e 2001) e pudera liderar o campeonato argentino de 1988-89 ao menos até o fim do primeiro turno. Comandar a seleção inclusive lhe arejou da perda materna, sofrida em 1990. Basile, que na semana passada despediu-se da esposa, Nilda Chiangaglini, inclusive declararia após a conquista só pensar em tomar uns mates abraçado ao pai, ainda sob longo luto naquele 21 de julho de 1991.

A poesia de ser El Coco o comandante do fim do jejum continental da seleção ficou clara na mesma entrevista pós-título dedicada ao pai: “a Copa América tem a ver com minhas primeiras lembranças do futebol. Quando vim me testar no Racing, aos 15 anos, se estava jogando a de 1959 no campo do River. E eu fui com meu velho e um tio ver Argentina x Peru. Foi o dia em que romperam todos os portões porque se esgotaram os ingressos e na rua ficaram umas 10 mil pessoas. Foi a única partida que vi, depois voltei a Bahía Blanca, mas já inscrito pelo Racing. A Argentina ganhou de 3-1”.

Basile mudou radicalmente as figurinhas da seleção, mantendo para o torneio sediado no Chile somente quatro remanescentes de 1990: dois que se tornaram indiscutidos ao longo do Mundial da Itália (o tapa-penais Goycochea e o talismã Caniggia), o eterno goleiro reserva Cancelarich e o caudilho Ruggeri, o novo “possuidor da braçadeira” – porque o próprio Cabezón frisava em alto som que “não sou o capitão, este é um direito que ainda corresponde a Diego. Quando ele vier e me disser que não joga mais, então assumo”. Foi o que o zagueiro declarou após a primeira partida do ciclo Basile, uma vitória amistosa de 2-0 sobre a Hungria para a qual o treinador chegara a chamar outro participante da Copa 1990, Fabbri. A única outra cara já testada na seleção no ciclo Bilardo a ser aproveitada para a Copa América foi o jovem Simeone, mesmo recém-rebaixado na Itália com o modesto Pisa. Basile conhecia bem El Cholo desde que o treinara o Vélez na temporada 1989-90.

Do corpo técnico anterior, remanesciam o roupeiro (Rubén Tito Benrós), o preparador físico (Ricardo Echeverría) e o folclórico massagista (Miguel Galíndez Di Lorenzo, o mesmo da água dada a Branco): o assistente técnico Carlos Pachamé, antiga dupla de Bilardo quando meio-campistas do Estudiantes, era substituído por Rubén Díaz, antiga dupla de Basile quando defensores do Racing, enquanto o médico Raúl Madero, ele próprio também ex-jogador daquele Estudiantes dos anos 60, dava lugar a Ernesto Ugalde. E Maradona? Dieguito já iniciava na temporada 1990-91 um declínio esperado para quem chegava aos 30 anos, mas teria se ser deixado de fora sim ou sim: perto do fim da temporada, foi suspenso por 15 meses diante de um primeiro antidoping positivo para cocaína, em abril.

Assistente técnico Rubén Díaz, Goycochea, Batistuta, Vázquez, técnico Basile, Lanari, Craviotto, Caniggia, Ruggeri, Cancelarich e médico Ernesto Ugalde; Simeone, Altamirano, preparador físico Ricardo Echeverría, Gamboa, Rodríguez, Astrada e Giunta; roupeiro Rubén Benrós, Franco, Zapata, Mohamed, Basualdo, Medina Bello, Enrique, Latorre e massagista Miguel Galíndez. Faltou apenas Claudio García, que na ocasião da foto se recuperava de lesão

Caniggia, por sua vez, seguia com moral crescente. Se dera ao luxo de recusar uma proposta de 9 milhões da Fiorentina pois sua Atalanta batia cartão na Copa da UEFA enquanto a Viola vinha brigando contra rebaixamentos – foi o que fez questão de dizer à revista El Gráfico publicada ao fim da primeira fase daquela Copa América. Como se sabe, os florentinos acabariam levando uma revelação daquele torneio – e daquele semestre. Batistuta já tinha dois anos e meio de carreira com sinais de foguete molhado: vice-campeão da Libertadores de 1988 com o Newell’s, rumou ao River em 1989 ainda como diamante não-lapidado e perdeu lugar em Núñez no início de 1990, quando o desafeto de sempre Daniel Passarella assumiu como técnico. O atacante foi passado sem protestos ao arquirrival no meio do ano, mas apenas em 1991 é que ele enfim engrenou no Boca. E na carreira.

Os auriazuis, também semifinalistas da Libertadores naquele semestre, lideraram de modo invicto o Clausura na esteira da dupla de Batigol com Latorre, também convocado assim como o adorado carniceiro Giunta. Quem vinha concorrendo pela liderança era o Racing, justamente o novo clube de Goycochea, e onde brilhava também o folclórico ponta Claudio García, outra novidade na seleção. O goleiro deixou em casa seu clubismo pelo Independiente para aproveitar de perto o auge de sua popularidade entre os argentinos, mas foi incapaz de conter Bati no duelo direto na 14ª rodada: o artilheiro marcou três vezes em um impiedoso 6-1 que murchou a Academia para as cinco rodadas restantes; o concorrente só venceu uma, perdeu três e acabou ultrapassado pelo San Lorenzo do insinuante Leo Rodríguez – também convocado por Basile.

Dominante na primeira convocação de Basile em janeiro, na esteira da comemoração do Apertura 1990, o Newell’s murchou naquele primeiro semestre de 1991 e só teve dois convocados: o zagueiro Gamboa e o meia Darío Franco, após eles terem tido a companhia também de Boldrini e Gerardo “Tata” Martino nos amistosos de fevereiro e março (contra Hungria, México e Brasil). O clube rojinegro entrou em banho-maria e ficou só em 8º lugar no Clausura… o que aumentaria a surpresa da reviravolta vista já naquele mês de julho.

É que aquela temporada argentina de 1990-91, a instituir os torneios Apertura e Clausura, ainda teria um único campeão, agendando-se finais entre os líderes de cada turno caso fossem times diferentes. O problema é que essas finais ocorreriam nos dias 6 e 9 de julho, já com a Copa América em andamento. O Boca até tentou suprir a lacuna de Batistuta mediante empréstimo-relâmpago do artilheiro da Libertadores de 1991, o flamenguista Gaúcho. O brasileiro foi um fiasco tremendo e quem sorriu foram os pupilos de Marcelo Bielsa, campeões em plena Bombonera.

Até hoje a torcida do Boca, que vinha sofrendo jejum nacional de dez anos (seria onze, o pior da história do clube na liga argentina) desde o maradoniano Metropolitano de 1981, maldiz aquela Copa América. Basile, afinal, pudera ser compreensivo com a ansiedade xeneize até o limite do calendário continental: “o de Batistuta é outra coisa. Eu o queria faz um tempo, mas o Boca estava jogando a vida e creio que nisto fui respeitoso com os interesses dos clubes”, frisou à El Gráfico pós-título. De fato, enquanto Bati explodia já após os amistosos de fevereiro e março, vinha ficando de fora dos jogos seguintes do ciclo Basile – contra Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra e Brasil, entre maio e junho, ocorridos já no rescaldo do desfalque obrigatório de Maradona.

Primeira fase: o único gol do primeiro duelo contra o anfitrião Chile e uma rara comemoração de gol de Astrada, sobre o Paraguai

O time que acabou mais representado na Copa América seria mesmo o River, mesmo com o Millo vindo de um semestre tenebroso como o do Newell’s, com quem disputara o Apertura 1990. Mas, mesmo lanterna em seu grupo na Libertadores de 1991, o bairro de Núñez tinha gente mais renomada consigo: os defensores Zapata, Fabián Basualdo e Carlos Enrique, o xerifão Astrada e o carismático atacante Medina Bello. Completavam a convocação a joia de um Huracán renascido após quatro anos de segundona (Mohamed, ao fim contratado pela Fiorentina junto com Batistuta e Latorre), uma dupla do Independiente (os defensores Altamirano e Craviotto), um lateral do Ferro Carril Oeste (Vázquez) e um goleiro extra em Lanari, do Rosario Central.

A reformulação drástica não foi uma exclusividade argentina; as outras duas seleções do trio de ferro sentiram a mesma necessidade. Assumindo o Uruguai, o genioso Luis Cubilla abriu mão dos astros que atuavam fora do país, tachados de mercenários após o desempenho insatisfatório da Celeste em dois Mundiais seguidos; nada de Francescoli, De León, Rubén Paz, Rubén Sosa, Bengoechea ou Alzamendi no Chile. No Brasil, Paulo Roberto Falcão foi menos radical, mas foi sincero, ou sincericida: “à minha equipe vai custar muito classificar-se; não quero enganar ninguém”, declarou à edição da revista El Gráfico publicada ao fim da primeira fase. O clássico entre os dois países naquela fase seria avaliado como “medíocre” pela revista El Gráfico e nenhum desses dois treinadores duraria sequer até as eliminatórias para a Copa de 1994.

A primeira fase

Tal como a edição de 2021, a primeira fase de 1991 dividiu as dez seleções da Conmebol em dois grupos de cinco. A diferença é que o regulamento de 1991 foi menos generoso, longe de classificar as quatro primeiras a mata-matas, esvaziando o peso das partidas iniciais: somente líderes e vice-líderes seguiriam na disputa, em um quadrangular final. Tudo em turno único. Brasil e Uruguai ficaram na chave B (junto a Equador, Bolívia e Colômbia), com o grupo A equilibrado com a Argentina e o anfitrião Chile (e Venezuela, Paraguai e Peru).

Livres de Pinochet desde o ano anterior, os chilenos estavam especialmente embalados no continente. O Colo-Colo havia acabado de dar a primeira Libertadores (e ainda a única) ao país e forneceu basicamente todo o time titular à Roja, com exceção óbvia aos próprios argentinos do Cacique (o goleiro Morón e o meia Barticciotto). A receita de nada menos que oito colocolinos somados ao goleador Zamorano, do Sevilla, enchia de confiança a seleção da casa para repetir rapidamente o feito continental do seu clube mais popular.

Argentina x Chile estava agendado como segunda partida das duas favoritas do Grupo A. A Albiceleste começou com um 3-0 protocolar contra uma Venezuela ainda insignificante, em 8 de julho, em Santiago. Goycochea, Basualdo, Vázquez, Ruggeri e Craviotto, Astrada, Simeone, Franco e Latorre, Batistuta e Caniggia foram os titulares. A dupla ofensiva anotou os gols, com Bati abrindo e fechando a contagem. No dia seguinte, o foco dele, do reserva Giunta e de Latorre estava no rádio, para ouvir a final do seu Boca contra o Newell’s.

O golaço de Caniggia em Chilavert em dois ângulos: o 4-1 no Paraguai foi a principal exibição dos campeões

Latorre, embalado também por um golaço de bicicleta que valeu vitória cinematográfica de virada sobre o River na Libertadores daquele 1991, lembraria da aflição à El Gráfico já em 2005 sobre a amargura das notícias que chegavam do outro lado da Cordilheira: “terminamos ajoelhados, não podíamos acreditar”, admitindo que escolheria permanecer no Boca a aceitar a convocação se pudesse voltar no tempo, “porque era coroar o esforço de seis meses”. Tamanha decepção pareceu afetar mesmo Latorre para o dia seguinte, quando já teriam o jogo contra o Chile. Basile repetiu os mesmos titulares da estreia. Elogiado contra uma Venezuela que não servia tanto de parâmetro, El Gambetita mal foi visto em campo e Basile o sacou ainda no intervalo. E o substituto Leo Rodríguez soube ao menos aparecer e pedir a bola em um jogo duríssimo e truncado.

No resumo da El Gráfico publicada após a primeira fase, “tudo indicava um empate. O Chile havia se lançado sobre Goycochea desde a entrada de Patricio Yáñez, mas a Argentina soube superar esse momento e tratava de replicar. E uma dessas jogadas, um chute longo de Goycochea, Caniggia que a recua, toca para Batistuta e a definição espetacular pelo drible frente a Garrido e o arremate quando o goleiro Toledo queria diminuir”. A derrota enfureceu tanto os 70 mil presentes no Estádio Nacional de Santiago que o técnico adversário Arturo Salah teve de sair dali escoltado pelos carabineros.

A Copa América não parava: dali a mais 48 horas, no dia 12, era a vez de encarar o Paraguai em Concepción – as duas seleções até dividiram o mesmo voo de 50 minutos. Basile fez algumas alterações. Além de Rodríguez começar como titular no lugar do omisso Latorre, Carlos Enrique substituiu Craviotto na lateral-esquerda e Zapata foi testado no lugar de Franco na linha de volantes com Astrada e Simeone. Contra um oponente escalado para o contra-ataque, a Argentina soube achar um gol aos 40 minutos e então aproveitar os espaços que os guaranis precisaram abrir. A ponto de o próprio goleirão Chilavert, reconhecido pelo orgulho e temperamento, reconhecer que o jogo só foi parelho mesmo até aquele gol sair.

Pois o que veio a seguir foi a primeira grande exibição dos campeões, a ponto de a matéria da El Gráfico receber o título “desde 1986 não jogávamos assim”. O próprio cartola Julio Grondona concordou, na mesma edição (“essa equipe se parece mais a do México 86 que o da Itália 90”), que continha declaração de um comentarista da Rádio Continental, Juan Fazzini, a corroborar: “é um milagre, um computador quase perfeito, chega quatro vezes e mete três gols. Eu acreditava que ia necessitar mais tempo para lograr este equilíbrio, tendo em conta que a Bilardo lhe custou três anos”. Tudo simbolizado pelo último gol: Caniggia, ao livrar-se de Chilavert como quem pedisse licença antes de concluir, coroou uma exibição de gala, que já havia incluído um calcanhar para habilitar Batistuta no primeiro gol.

Nas palavras daquela revista, a Argentina tinha a seu favor “uma dupla de ataque que não tem nenhuma outra parecida ao menos na América do Sul de hoje. Caniggia e Batistuta parecem ter nascido para jogar juntos. Um tem habilidade, drible, arranque, velocidade e agora agregou a seu currículo um grande panorama de jogo; é Caniggia. O outro sobressai como temível posto na área rival. Mete gols por fuzilamento, de rebote ou por definição de craque, como frente o Chile; é uma rara mescla de Artime e Sanfilippo; é Batistuta. Mas a pequena sociedade não são forças dispersas. Se buscam no campo, se complementam, e a grata novidade que Batistuta insinuou nos últimos meses: também participa nas jogadas”.

Os outros dois gols no Paraguai e raro momento de brilho de Latorre, abrindo o 3-2 no Peru

A referência precoce aos tais Artime (ex-Palmeiras) e Sanfilippo (ex-Bangu e Bahia) ficou ainda mais poética com o tempo, pois tratavam-se justamente dos dois maiores artilheiros da seleção até a Era Batistuta se consolidar ao longo dos anos 90. Mas a goleada de 4-1 não se resumiu à dupla de ataque: “a prova passa pelos restantes gols frente o Paraguai. O segundo fez Simeone; o terceiro, Astrada. Isto fala de voracidade goleadora, mas fundamentalmente de volantes defensivos que não se plantam na fazendinha, que foram em apoio de Caniggia e Batistuta. Isto agrega outro matiz à Seleção: a surpresa. É um bom momento este da seleção. Obteve a classificação para a fase final uma rodada antes dos demais, ganha, goleia, deleita e, o mais estimulante, ainda não deu tudo”. E a classificação antecipada permitiu a Basile o luxo de poupar os titulares para outra partida dali a 48 horas, contra o Peru, novamente no Nacional de Santiago.

Para cumprir tabela, Basile não só deu nova chance a Latorre como lhe entregou a faixa de capitão, para reforçar a moral do Gambetita. Lanari, Altamirano, Gamboa, Craviotto e Enrique, Zapata, Giunta, Mohammed e Latorre, García e Medina Bello foram os premiados. Até se saíram bem; o próprio Latorre abriu com três minutos o placar. Os peruanos empataram perto do fim do primeiro tempo, mas Craviotto e El Turco García estocaram seguidamente no início do segundo (marcando aos 6 e aos 12, respectivamente). O Peru diminuiu, em um 3-2 enganoso naquele 14 de julho, segundo a El Gráfico: “o triunfo não admite discussão e até poderia ser goleada. O trâmite foi agradável, mas em todo o estádio flutuava a sensação de que os dois estavam cumprindo uma formalidade da tabela”.

A fase final – a última sem mata-matas

O quadrangular começou após um descanso maior aos classificados, de 72 horas. Mas começou com tudo: Brasil e Argentina iniciaram em 17 de julho a rodada dupla no Nacional de Santiago, a receber na mesma noite um Chile x Colômbia (embalada após ter vencido por 2-0 o próprio Brasil na fase inicial). Falcão mandou a campo um time que lembraria bastante o do tetra na retaguarda e nada na linha de frente: Taffarel, Mazinho, Márcio Bittencourt, Ricardo Rocha e Branco, Mauro Silva, Márcio Santos e o craque Neto, Sílvio César, Luiz Henrique e João Paulo. Basile repetiu basicamente a escalação que goleara o Paraguai, exceto pela presença de Darío Franco como titular novamente, no lugar de Zapata. Mudança certeira desde o primeiro minuto, quando Franco já abria o placar. Nos anos 90, ninguém fez mais gols no Brasil do que ele, futuro técnico revelador de Dybala no Instituto de Córdoba.

“Poderia ser um grande clássico do Atlântico. A um minuto, gol de Franco de cabeça, como para ratificar o perigoso que é dentro da área rival, o timming que tem para entrar e surpreender a todos. Aos cinco, o empate, um míssil de Branco desde 30 metros (tiro livre) com potência, direção e a ajuda de um descuido de Goycochea. Com virtudes, também com falhas, parecia que Argentina e Brasil estavam para uma grande partida, sem presentear nada, mas buscando o ataque; pelo menos, o insinuavam”, começou o relato da El Gráfico sobre um clássico cuja eletricidade gradualmente se voltou ao polo negativo. A revista assim seguiu:

“Mas a festa durou pouco, o tempo que forneceu a todo o estádio, jogadores em especial, e público em geral, saber que o espetáculo estava em mãos de um inepto, o paraguaio Carlos Maciel. O que propõe uma rápida reflexão. A FIFA pode dar-se ao luxo em um Mundial de mandar à sua casa os árbitros que representam os países intervenientes da fase final, tem resto; a Confederação Sul-Americana, não. Ficou sem um Juan Carlos Loustau, sem José Roberto Wright, sem Gastón Castro, e teve que apelar ao sobrante, que à exceção do uruguaio Ernesto Filippi, não está para um Argentina x Brasil. Assim foi para Maciel, embora, no fundo, é mais culpável quem o designou”.

A cabeça de Darío Franco abrindo com um minuto de jogo o elétrico (em diferentes sentidos) 3-2 sobre o Brasil

Eis o início da obra do paraguaio, aos 31 minutos: “o Brasil, que hoje por hoje é muito menos que a Argentina em matéria de futebol, apelou à falta, ao sistemático e ao grosseiro. O tema era não cair na armadilha, mas Caniggia meteu uma cotovelada em Mazinho como resposta a uma simples falta e este último devolveu com uma cabeçada. Tumulto, e talvez por isto, para fora os dois. O futebol havia passado a um segundo plano, menos nos gols, onde a Argentina seguia mostrando um poder mortífero. Poucas chegadas, mas com um dividendo generoso”.

A Argentina ampliou aos 39 e a entrada de Renato Gaúcho no lugar de Sílvio César no intervalo foi esfriada com um 3-1 já no primeiro minuto do segundo tempo: “estouro de Leo Rodríguez, e outra vez Franco, sempre de cabeça, golpeando no coração de Taffarel: 2-1. Ao Brasil faltava um golpe de misericórdia e pareceu que o dava Batistuta, em uma jogada que mostrava três coisas. 1) a Argentina tem gol em muitos jogadores, ainda com Caniggia fora do campo. 2). Outro estouro de Leo Rodríguez, em uma atuação quase consagradora. 3) A aquele presente de Goycochea chegava uma atenta devolução de Taffarel, quem olhou passar um cabeceio defensável de Batistuta”.

“A partida seguia duríssima, por faltas mútuas e por outras que inventava a capacidade de Maciel, com uma baforada estranha: apitou duas de Vázquez na porta da área realmente insólitas porque, ademais, traziam casadas o mais perigoso que fazia o Brasil: o tiro de Branco ou Neto. Veio um desconto de João Paulo e o lado da Argentina se complicou, incluindo um fato agravante. Uma irresponsabilidade esportiva de Enrique, que lhe custou o cartão vermelho, três partidas de suspensão e uma conta ainda mais cara em seu futuro, porque é difícil que Basile volte a convoca-lo”.

Irmão mais velho de Héctor Enrique, vencedor da Copa de 1986, Carlos Enrique, que soubera anular Renato Gaúcho nas finais da Libertadores de 1984, não era apelidado de Loco à toa. Aquela foi mesma sua última noite pela seleção e ele admitiu ter sido a mais triste da carreira, mas procurou defender-se em entrevista concedida em 2013 à El Gráfico: “fui com a ideia de arrebentar-lhe a cabeça, para que negar? Não me lembro o nome do 10, mas sim que se atirou com os dois pés e se eu não saltasse, me rompia os dois joelhos, então quando desci do salto lhe agarrei com todas as travas ao longo da costa. Lhe deixei uma cicatriz tremenda. Te digo que eu não matei ninguém e me crucificaram do mesmo jeito”.

Se a expulsão de Enrique foi um ato justíssimo de Carlos Maciel, o juiz continuou se atrapalhando, em outros relatos colhidos da El Gráfico pós-título, com colchetes nossos. O lance, aos 16 minutos do segundo tempo, “terminou em outro incidente generalizado e outra falha disparatada de Maciel: expulsou Márcio [Santos] pelo simples fato de ser golpeado por Enrique. A partida já era uma paródia; ficavam os dois com nove jogadores, e ao Brasil lhe importava mais a pesca do homem que a bola. A prova mais determinante foi a de Careca [o Bianchesi, não o amigo de Maradona no Napoli]: entrou [aos 33, no lugar de João Paulo] e dois minutos depois foi expulso por dar um soco em Ruggeri. O alívio foi o final; seguramente, para Maciel também”.

Simeone abrindo o placar do jogo final, sobre uma firme Colômbia que soube complicar

Basile ainda vociferava mesmo após a conquista, na edição pós-título: “tinha uma sensação muito feia, como se me houvessem colocado os ganchos no bolso. Atenção, não quero dizer que o juiz apitasse para eles, mas me sentia impotente pelas expulsões, especialmente a de Caniggia. Você observe como são as coisas. Todo o mundo fala da Argentina, que somos reclamões, que damos pontapés, mas trouxemos uma equipe que não complica a vida de nenhum juiz, que não faz cera, que não bate e resulta que o balaço vem ao contrário. Eu havia dado cinco dias de descanso à equipe titular e em cinco minutos estava perdendo tudo. Não. Vamos a nos por de acordo. Os jogadores, os técnicos e também os juízes. Um clássico como Argentina x Brasil tem que dirigir alguém de muita categoria, com grandes partidas nas costas”.

Novamente, a partida seguinte seria dali a dois dias, no reencontro com o Chile. Altamirano entrou na vaga de Enrique e inicialmente Basile daria nova chance a Latorre e seu entrosamento com Batistuta para a posição do avermelhado Caniggia. Mas quem jogaria seria Medina Bello. Basile explicou que Latorre se complicou daquela vez por “se colocar umas gotas nasais, Lidil, que são para o resfriado, mas que têm também um componente proibido. Então decidi tira-lo do banco. Isso foi tudo”. O reencontro com o Chile, por sua vez, foi mais lembrado pelo campo inundado pelo dilúvio que caiu sobre Santiago naquele 19 de julho (evidente na foto que abre essa matéria), complicando o toque de bola dos pupilos de Basile. Os chilenos, que não saíram de um 1-1 com a Colômbia, precisavam ganhar. O melhor argentino seria, assim, o capitão Ruggeri.

Yáñez, o artilheiro chileno, acabaria perdendo a cabeça e expulso pelo elogiado árbitro Ernesto Filippi ainda aos 41 minutos de jogo. O 0-0 satisfez os argentinos, líderes isolados após a Colômbia ser derrotada pelo Brasil horas depois (gols de Renato Gaúcho e Branco), na rodada dupla no Estádio Nacional. Então, nova rodada dupla no Nacional foi travada na tarde de 21 de julho. Brasil, com uma vitória que ainda valia dois pontos e não três, e os dois empates do Chile obrigavam os dois a vencer e torcer por tropeço da Albiceleste. Os gols importados do Bragantino (Mazinho Oliveira) e do Bahia (Luiz Henrique) deixaram a seleção de Falcão viva por alguns instantes, segurando o 2-0 mesmo com a expulsão de Branco. Os canarinhos chegavam a quatro pontos. A Colômbia só poderia chegar a três, isso se vencesse – e um empate cafetero seguraria a Argentina com quatro pontos.

O critério de desempate seria o número de vitórias no quadrangular, o que premiaria o Brasil, apesar da derrota no confronto direto. Estava, assim, possibilitado um cenário em que Argentina poderia terminar a competição invicta, com o melhor ataque e futebol mais agradável… mas vice-campeã. A escalação que segurara o Chile foi então repetida, com exceção óbvia para o retorno de Caniggia da suspensão automática, recolocando Medina Bello no banco. E “o triunfo do Brasil sobre o Chile impunha uma obrigação: ganhar da Colômbia para ser campeão. O que não era uma missão impossível, mas tampouco fácil. O desenrolar da partida diria até onde eram verdade os presságios. O arranque foi como um conto de fadas. Em dois avanços profundos, a Argentina ganhava de 2-0. Esse poder de gol que foi a carta decisiva nesta Copa, a que desequilibrou, a que certifica e dá legitimidade a um título, parecia antecipar um passeio até a volta olímpica”.

Essas palavras da El Gráfico se referiam ao placar que Simeone e Batistuta construíram com apenas 19 minutos – o gol de Bati serviu inclusive para isola-lo à frente de Zamorano como artilheiro daquela Copa América, sendo preciso aguardar até o Messi de 2021 para a Argentina fazer outro artilheiro no torneio. De fato, “funcionava tudo. O trabalho em bloco. A saída do meio-campo. O passe-gol de Leo Rodríguez. A habilidade de Caniggia. A explosiva definição de Batistuta. Está dito e parece uma verdade irrefutável que o 2-0 é o pior resultado do futebol. O quadro de Basile deu iniciativa aos colombianos, pensou no menor esforço, no contra-ataque, quis congelar, que passassem os minutos. Mas veio o gol de De Ávila e tudo mudou”.

Batistuta x René Higuita: o gol do título e da artilharia. Ele daria a volta olímpica com a camisa trocada do goleiro

Eram 25 minutos do segundo tempo quando a Colômbia descontou. E ela então “se sentiu protagonista, foi buscar o empate. A Argentina ficou encurralada, sem saída, ninguém apelava à velha e sábia receita de pôr a bola embaixo da sola. Por sorte, foi uma tormenta em uma noite sem nuvens. Se a Colômbia empatasse, o campeão seria o Brasil. E os deuses do futebol não permitiram semelhante injustiça. A melhor equipe da Copa América, a que estava ganhando 13 pontos sobre 14 em jogo, a que passava pelo unânime elogio de todos os técnicos, todos os jogadores, todos os jornalistas, era a Argentina”.

O título foi o trampolim para o caudilho Ruggeri receber o Olimpia de Oro, o Oscar do esporte argentino, raramente concedido a jogadores de futebol. Essa premiação foi inaugurada em 1954 premiando o piloto Fangio e desde então só contemplou o futebol em 1957 (Pedro Dellacha, capitão da arrasadora Copa América daquele ano), 1979 (Maradona artilheiro do ano e campeão mundial sub-20), 1986 (Maradona, por óbvio), 2004 (Tévez como líder do primeiro ouro olímpico) e 2011 – o único ano em que Messi recebeu esse prêmio, acreditem. El Cabezón estava no Vélez e o cartaz foi tanto que sua volta ao Boca foi seriamente ventilada mesmo com a turbulenta “traição” de ter rumado diretamente ao River em 1985 para ganhar tudo no rival.

E ela foi também a mola propulsora de uma longa invencibilidade. Basile já vinha de sete amistosos prévios ao torneio, sempre invicto. A série durou por mais dois anos, abrangendo a primeira Copa das Confederações (em 1992), a Copa Artemio Franchi em 1993 e o bicampeonato com a Copa América de 1993. Foram 31 jogos oficiais, somados a duas partidas por vezes desconsideradas – contra o Resto da América (2-1) e contra Resto do Mundo (3-0 sobre o combinado treinado por Telê Santana), respectivamente em setembro e outubro daquele 1991. As 33 partidas só foram superadas pela eficiente Espanha de 2010-12, que parou nos 35; pela Itália atual, que chegou aos 34 na partida que decidiu a Eurocopa; e pelos 36 do Brasil entre dezembro de 1993 e janeiro de 1996, embora no período os canarinhos amargassem queda nos pênaltis no 27º jogo de sua série: a final da Copa América seguinte…

Um detalhe é que Maradona só foi usado em duas daquelas 33 partidas, já em 1993 – no amistoso festivo com o Brasil, a celebrar o centenário oficial da AFA, e na Copa Artemio Franchi (extinto tira-teima entre os campeões da Copa América e da Eurocopa, foi o último troféu de Diego). Após aqueles 4-1 sobre o Paraguai, a El Gráfico teve a sensibilidade de reconhecer que algo especial estava mesmo no forno e igual sensibilidade para notar a ausência de um ingrediente. E que dá pistas de como os argentinos sonharam tanto e se desiludiram mais ainda na Copa do Mundo seguinte. Vale essa última transcrição:

“A Copa América 91 um dia será uma simples anedota, se ganhe ou se perda, mas talvez fique como pedra fundamental de uma grande equipe. Que ainda não é. A esta seleção de Basile está faltando um jogador-chave. Esse que para perto de Franco e Simeone, e também nas proximidades de Caniggia e Batistuta. Digamos um ‘10’, embora seja um termo algo obsoleto, mais além da simbologia do número. Basile tinha muita confiança em Latorre, pode ser que ainda acredite nele, mas Latorre está fisicamente no Chile; a cabeça, ao contrário, parece tê-la na Itália ou vá saber alguém onde. Como seria esta seleção do Coco Basile, a de Caniggia e Batistuta, a de Ruggeri e Vázquez, a de Astrada e Simeone, jogando ao lado de um Maradona sedento de futebol, novas glórias e renovada paixão pela bola? A sonhar”.

O capitão Ruggeri e o técnico Basile devolvem a taça da América após 32 anos: mais veterano dos jogadores campeões, o primeiro capitão pós-Maradona da seleção nem nascido era em 1959

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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