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Antecessores de Messi: os outros argentinos artilheiros da Copa América

Com tanta estatística quebrada no sábado (o Brasil nunca havia perdido uma Copa América em casa; não era eliminado em casa numa desde a de 1975, quando o torneio não tinha sede fixa; não perdia um torneio no Maracanã desde 1950; não perdia uma final para a Argentina desde 1937; não era derrotado pela Argentina em casa e no Maracanã desde 1998; e, claro, a Argentina não era campeã adulta desde 1993, o que abrangia quase toda a Era Messi), uma ficou sem o devido relevo: Messi, tantas vezes Chuteira de Ouro europeu, enfim foi artilheiro também, pela primeira vez, da Copa América. Vale relembrar seus antecessores.

Julio Libonatti (1921, 3 gols): o grande nome da primeira conquista argentina no torneio, taça que completará cem anos exatamente nesse 2021. Como os nomes seguintes, teve chance em parte pelo contexto político. É que a associação oficialmente reconhecida pela FIFA havia sido abandonada pela maioria dos principais grandes clubes portenhos, exceto Boca e Huracán. Assim, precisou recorrer a peças do interior argentino. Em tempos em que a dupla Newell’s e Rosario Central estava limitada ao campeonato rosarino, Libonatti brilhava no primeiro após ter sido dispensado pelo segundo. E, em tempos em que o torneio era um quadrangular em turno único com Brasil, Paraguai e Uruguai, seus três gols – um em cada jogo – bastaram não apenas para a artilharia, mas para render vitórias mínimas sobre brasileiros e uruguaios. Não foi o primeiro sul-americano a jogar na Europa, mas foi a primeira contratação europeia vindo de um clube desse continente. Seria o goleador do primeiro título italiano do Torino, defenderia igualmente a Azzurra e em 2013 foi escalado pelo Futebol Portenho para o time dos sonhos do Newell’s.

Juan Francia (1922, 4 gols): ainda é o único a defender a seleção tanto como jogador do Newell’s como do Rosario Central, com mais de uma ida e vinda entre os arquirrivais rosarinos. Como rojinegro, estreou em 1919 pela Argentina, mas começou o ano de 1920 no Tiro Federal e o terminou como centralista, empregado pela ferrovia que mantinha os canallas. A federação ainda precisava preencher-se com craques do interior (aquela cisão duraria de 1919 a 1926, tempo em que a maior parte das potências portenhas disputaram um torneio dissidente) e Francia deixou nas Laranjeiras dois gols cada contra Chile (4-0) e Paraguai (2-0), impedindo que os guaranis fossem campeões: a Albirroja precisou disputar um jogo-desempate com o anfitrião Brasil, que acabou campeão. A Albiceleste, por sua vez, já não tinha chances, após perder dos donos da casa e também para os uruguaios. Numa volta ao Newell’s, El Mono deixou o dele em um 4-0 sobre o Real Madrid, em 1928.

Libonatti, Francia e Aguirre: rosarinos como Messi

Vicente Aguirre (1923, 3 gols): como os dois acima, era outra peça buscada no interior naquele contexto. Como os dois acima, defendeu tanto Newell’s como o Rosario Central. Mas na época da competição, jogava na terceira força rosarina, o Central Córdoba, sendo raríssimo nome a defender a seleção como rubroazul. El Chueco marcou seus três gols na estreia, em um 4-3 sobre o Paraguai, no Gran Parque Central, em que os hermanos perdiam de 3-2 até os 15 minutos finais. Mas, na sequência, a Argentina caiu diante do Brasil e do anfitrião Uruguai.

Manuel Seoane (1925, 6 gols): mais um artilheiro nos tempos de cisão. Mas Seoane brilhava entre os portenhos mesmo. La Chancha era um grande ídolo do Independiente, um dos clubes rebeldes contra a associação oficial. Ele só pôde jogar a Copa América justamente porque, suspenso disciplinarmente naquele ano no certame dissidente, reforçou no campeonato “oficial” o modesto El Porvenir. Em uma Copa América esvaziada, restrita à anfitriã Argentina, ao Brasil e ao Uruguai, o torneio teve pela primeira vez turno e returno. E Seoane, que deixou o dele em cada triunfo sobre os paraguaios (2-0 e 3-1), consagrou-se ainda mais contra os brasileiros: logrou uma tripleta no primeiro turno (4-1) e marcou o gol do empate em 2-2 que valeu o título na rodada final, onde os brasileiros haviam aberto 2-0. Ele voltaria ao Independiente, vazando até o Chelsea em 1929, e seria o treinador da Albiceleste justamente da última final vencida pela Argentina sobre o Brasil até anteontem – a de 1937. Já lhe dedicamos este outro Especial.

Herminio Masantonio (1935, 4 gols): ainda o maior artilheiro da história do Huracán e terceiro maior goleador geral da liga argentina, Masa calhou de ter uma carreira sem títulos. Jogou em tempos em que a Argentina começou a dominar a Copa América, mas só foi convocado justamente para edições em que ela foi vice de um Uruguai que sempre fez valer o fator casa. Uma pena: com 21 gols em 19 jogos, esse centroavante ainda tem a maior média de gols da seleção dentre aqueles que a defenderam mais de dez vezes. Na edição de 1935, restrita a Chile, Peru e o anfitrião Uruguai, fechou um 4-1 nos chilenos e fez três no 4-1 de virada nos peruanos. O empate na rodada final no clássico com a Celeste (que usou vermelho naquela tarde) bastava, mas os uruguaios aplicaram um 3-0 sem só no Centenário e ficaram com a taça. Já dedicamos a Masantonio este outro Especial.

Seoane contra o Brasil em 1925. O desafortunado Masantonio. Marvezy e o bigodudo Moreno juntos

Juan Marvezy (1941, 5 gols): maior artilheiro do pequeno Tigre, ele sequer era o centroavante titular da seleção naquela edição, mas colheu os frutos de sua tarde de glória. Seus cinco gols vieram todos no 6-1 sobre o incipiente Equador, na primeira participação desse país na Copa América (Uruguai, Peru e Chile foram os outros participantes). Os cinco gols em um só jogo ainda são um recorde dele pela Argentina e também na própria Copa América. A Argentina, já sem ele, foi campeã ao derrotar na rodada final o anfitrião Chile. Sua carreira foi sempre abalada pelo trauma psicológico em descobrir o caso extraconjugal de sua esposa com Leonardo Sandoval, colega de clube, em tempos de machismo muito mais acentuado que hoje. Já lhe dedicamos este outro Especial.

Herminio Masantonio e José Manuel Moreno (1942, 7 gols): o já citado Masantonio deixou dois nos 4-3 sobre o Paraguai, fez o da vitória nos 2-1 sobre o Brasil e quatro no 12-0 (!) sobre o Equador. El Charro Moreno, por sua vez, é considerado o grande nome do futebol argentino na primeira metade do século XX e não só por ter sua habilidade considerada superior à de Maradona pelos mais antigos (a render três gols em um 5-1 sobre o Brasil em São Januário em 1939, pior derrota brasileira em casa até os 7-1). Ainda é o único a defender como jogador e como técnico a dupla Boca e River e também a seleção – e seus títulos nacionais em quatro países diferentes, incluindo os primeiros de Universidad Católica e Independiente Medellín, foram um recorde mundial exclusivo até os globalizantes anos 90. Nos 12-0 sobre o pobre Equador, Moreno igualou os cinco gols de Marvezi e fez seus outros dois no 3-1 sobre o Peru. Mas, na rodada final, nem aquela dupla fenomenal de ataque foi párea para um Uruguai no Centenário. O econômico 1-0 da Celeste bastou para fazer dela a campeã. Já dedicamos a Moreno este outro Especial.

Norberto Méndez (1945, 6 gols): além de artilheiro daquela edição, El Tucho marcou ao todo 17 gols – em 17 jogos – na Copa América, sendo até hoje o maior artilheiro histórico do torneio, ao lado de Zizinho. Em 1945, esse ponta do Huracán primeiro deixou dois nos 9-1 sobre uma Colômbia que estreava no torneio e arrancou o empate em 1-1 com o anfitrião Chile. Então, no clássico contra o Brasil, consagrou-se, com uma curiosa tripleta: seus três gols na vitória de 3-1 saíram todos em chutes de fora da área. Adiante, a Albiceleste desengasgou contra o Uruguai, sagrando-se campeã no clássico platino. Méndez seria um dos cinco seletos homens presentes em todo o tri seguido da Argentina na Copa América (ainda um recorde exclusivo dela), vencendo as de 1946 e 1947 antes de consagrar-se tricampeão seguido também pelo Racing, no primeiro tri de qualquer clube no profissionalismo argentino. Já dedicamos a ele este outro Especial.

Méndez (de bigode) com Labruna, já em 1946. Micheli em 1955, Maschio em 1957

Rodolfo Micheli (1955, 8 gols): ao lado de Osvaldo Cruz, o nonagenário e lúcido Micheli é um dos sobreviventes de dois formidáveis quintetos ofensivos do Independiente. Naqueles tempos, coube ao Rojo a honra de ser o primeiro clube a ter todo o ataque aproveitado pela seleção, e a partir da primeira vitória da Argentina sobre a Inglaterra (em 1953, quando o clube também venceu de 6-0 o Real Madrid em pleno Bernabéu). Metade dos gols de Micheli na edição de 1955 saíram no 5-3 sobre o anfitrião Chile. Mais dois vieram no 6-1 sobre o Uruguai, até hoje a maior goleada argentina no clássico. Mas era preciso enfrentar novamente o Chile, na rodada final do segundo turno: quem vencesse seria o campeão. E foi de Micheli o único gol na revanche. Com 91 anos lúcidos, é o mais antigo artilheiro ainda vivo das Copas América. Já dedicamos a ele este outro Especial.

Humberto Maschio (1957, 9 gols): jovem meia-atacante do Racing, El Bocha Maschio marcou quatro vezes só no 9-2 sobre a Colômbia. Mais dois cada no 4-0 no clássico com o Uruguai e no 6-2 sobre o Chile. E, por fim, fez o segundo nos 3-0 sobre o Brasil, garantindo por antecipação o título dos chamados Carasucias de Lima, como foi apelidado aquele brilhante time campeão no Peru. Maschio seria justamente uma de tantas peças vendidas ao futebol europeu em seguida convertidas em desfalques sentidos na Copa do Mundo dali a um ano – a Argentina não convocava quem atuasse fora do país e caiu na primeira fase, enquanto o goleado Brasil vencia o torneio. Maschio disputou pela Itália mesmo o Mundial de 1962 e depois se tornou o primeiro a vencer como jogador e técnico a Libertadores. E fazendo história para além disso: foi a serviço do Racing em 1967 e do rival Independiente em 1973. Já dedicamos a ele este outro Especial.

José Sanfilippo (1959, 5 gols): ainda reserva do time campeão de 1957 e no vexame mundial de 1958, o maior artilheiro do San Lorenzo deslanchou após voltar da Suécia. El Nene iniciou em 1958 uma série de quatro artilharias seguidas no campeonato argentino, algo só igualado no profissionalismo por Maradona – único a supera-lo, com uma quinta artilharia, não-seguida. Ausente da primeira Copa América realizada em 1959 mais pelo temperamento forte do que pela falta de qualidade, para a segunda o técnico foi outro, o mesmíssimo José Manuel Moreno de 1942. Sanfilippo deixou três gols no 4-2 sobre o Peru e outros três no 4-1 sobre um Brasil representado pela seleção pernambucana. Não bastou para evitar novamente o fator casa tão aproveitado pelo Uruguai: a Celeste aplicou um sonoro 5-0 e adiante confirmou a taça. Sanfilippo ainda brilharia pelo Boca no vice da Libertadores de 1963 e passaria por Bangu e Bahia. Já dedicamos a ele este outro Especial.

Luis Artime (1967, 5 gols): Artime foi quem quebrou a série de artilharias de Sanfilippo na liga argentina. E também conseguiu quatro, ainda que não seguidas: duas pelo River e outras duas pelo Independiente. Foi uma barbaridade de goleador: em Núñez, foram 70 em 80 jogos e em Avellaneda, 45 em 67. E pela seleção, foram 24 em 25, sendo por muito tempo o maior artilheiro da Argentina em números absolutos. Só não foi páreo para o fator casa do Uruguai, como tantos dessa lista. Em 1967, ele deixou o dele no 4-1 sobre o Paraguai, três no 5-1 sobre a estreante Venezuela e o segundo nos 2-0 sobre o Chile. O empate bastava à Albiceleste na rodada final, mas o 1-0 da Celeste bastou para os donos da casa festejarem. O artilheiro foi jogar no exterior e acabou perdendo novas convocações. Mesmo fazendo 48 gols em 57 jogos no Palmeiras (em 1968) e levando o Nacional a seu primeiro título na Libertadores e no Mundial, em 1971. Já dedicamos a Artime este outro Especial.

Sanfilippo, Artime – e um Luque ainda sem os característicos bigodes em 1975

Leopoldo Luque (1975, 4 gols): a primeira Copa América a ter fase de grupos e todas as dez seleções da Conmebol dividiu-se em três triangulares, cujos líderes se juntariam ao detentor da taça (aquele Uruguai de 1967) para as semifinais. O Brasil, com uma seleção mineira, e a Argentina, com uma equipe igualmente experimental, baseada no interior, dividiram chave com a Venezuela. Luque, ainda no Unión, deixou seus gols na Vinotinto: três no 5-1 em Caracas e o que fechou o impiedoso 11-0 em Rosario. A canarinho avançaria ao levar a melhor nos clássicos, mas Luque sorriu mais: ainda em 1975, reforçou um River campeão e manteve-se assiduamente na seleção como peça-chave no título mundial de 1978. Já dedicamos a El Pulpo (falecido em fevereiro) este outro Especial.

Jorge Burruchaga (1983, 3 gols): o regulamento de 1975 vigorou pela última vez e novamente pôs Brasil e Argentina com um “fiel de balança”, agora o Equador. A Albiceleste soube manter-se invicta no clássico, encerrando inclusive um jejum de treze anos sem derrotar os canarinhos. Mas, incrivelmente, só empatou nos dois jogos contra o tal fiel da balança. Burruchaga ainda estava longe do patamar de quem marcou o gol do título na Copa de 1986 e também o da última conquista do seu Independiente na Libertadores (em 1984, sobre o Grêmio), mas já fazia por merecer suas primeiras chances. Estreou naquele ano pela seleção e, na Copa América, marcou os dois que abriram o que prometia ser um tranquilo 2-0 dentro de Quito. Mas os donos da casa buscaram o empate. E trataram de complicar como visitantes. Venciam por 2-1 em Buenos Aires até Burru empatar de pênalti no minuto final, o que ainda assim obrigava os argentinos a derrotarem o Brasil no Maracanã. O 0-0 manteve a invencibilidade, mas não bastou. Já dedicamos a Burruchaga este outro Especial.

Gabriel Batistuta (1991, 6 gols): o maior artilheiro pré-Messi na seleção vinha de um semestre fantástico no Boca após uma carreira que parecia a de um foguete molhado por Newell’s e River. Goleador do líder invicto do Clausura, Batigol apavorou no Chile: abriu e fechou o 3-0 na Venezuela, marcou no fim o único no duelo contra os donos da casa e abriu um 4-1 sobre o Paraguai na primeira fase. Na segunda fase, um quadrangular final com líderes e vice-líderes da fase de grupos (que agora haviam sido duas chaves com cinco seleções cada), encerrou o 3-1 no Brasil e marcou o segundo no 2-0 sobre uma Colômbia dourada. Se anteontem a Argentina não era campeã há 28 anos, ali encerrou um jejum de 3-1 sem vencer a Copa América – ainda que a seca se atenuasse com os títulos mundiais que tanto fazem falta atualmente. Após aquele desjejum, Batistuta logo deixaria o Boca rumo à Fiorentina. Já dedicamos a ele este outro Especial.

Faixa bônus – Ángel Labruna: o símbolo-mor do River é o de melhor retrospecto entre os argentinos que nunca foram artilheiros da Copa América. Soma dez gols entre as edições de 1946 (dois gols no 7-1 na Bolívia, dois no 3-1 no Chile e outro no 3-1 no Uruguai), três na de 1955 (todos no memorável 6-1 no Uruguai, quando Angelito já tinha 37 anos incompletos) e dois na de 1956, a única que não conquistou – foram os dois no 2-0 sobre o Chile. Já dedicamos a Labruna este outro Especial.

Burruchaga como recém-chegado à seleção em 1983 e Batistuta arrebentando no Chile (e o Chile) em 1991

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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