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20 anos sem o maior artilheiro da Copa América: Norberto “Tucho” Méndez

Ele tinha nome e sobrenome comuns, mas como Tucho, foi único. Há vinte anos, o futebol perdia Norberto Doroteo Méndez, em meio à Copa do Mundo, torneio que ele jamais pôde participar pelo azar de brilhar na época da Segunda Guerra. Tucho Méndez foi exatamente um dos expoente da geração dourada que a Argentina teve nos anos 40, grande ídolo de Huracán, Racing e seleção. Além de maior artilheiro das Copas América, embora curiosamente não fosse um goleador nem jogasse como centroavante, é também o terceiro maior carrasco da seleção brasileira. E foi colega dos dois maiores.

Nascido em 5 de janeiro de 1923, em Buenos Aires, sua primeira equipe foi o Miriñaque, de onde saiu em 1936 para as inferiores do Huracán, clube do coração. No Globo, profissionalizou-se em 1941. Ao seu lado, dois mitos quemeros: Herminio Masantonio, maior artilheiro do clube e outro goleador histórico da seleção – com 21 gols em 19 jogos, tem a melhor média dentre os que atuaram mais de dez vezes por ela (“jogar ao lado de Herminio te faz sentir mais forte”, declararia Méndez); e Emilio Baldonedo. Exatamente os que mais fizeram gols no Brasil: Masa fez seis e Baldonedo acumulou sete. Méndez faria cinco.

No Huracán com Baldonedo e Masantonio: são os três que mais marcaram gols no Brasil. E com o jovem Di Stéfano

Era uma época em que o clube do bairro de Parque Patricios fazia unânime jus ao seu simbólico rótulo de “sexto grande”, acompanhando o rival San Lorenzo e Boca, River, Racing e Independiente, oficialmente os “cinco grandes”. O time de fato se infiltrava entre eles nas colocações finais dos campeonatos argentinos: foi 5º colocado no primeiro torneio de Méndez; 3º em 1942, 4º em 1943, 5º em 1945… neste ano, por sinal, a instituição tinha 23 mil sócios, apenas quinhentos a menos que o Boca.

O detalhe é que foi exatamente por não ter 15 mil sócios no fim dos anos 30 que a equipe não fora oficializada como grande, pois cumpria os demais requisitos da AFA: vinte anos seguidos na elite (esteva nela desde 1914) e ao menos dois títulos nacionais (tinha quatro, assim como o Independiente, só sendo superado pelo River em 1942). Desde 1939, o clube arrancava bem nos campeonatos, mas perdia fôlego na reta final, apesar do “bélico” ataque reunido naqueles anos: Masantonio, que parou em 1945, era o “Morteiro de Ensenada”, cidade onde nasceu. Em 1946, o clube tinha Llamil Simes (“A Flecha”), o jovem Alfredo Di Stéfano (“A Flecha Loira”) e Méndez, que era El Tucho, “O Cartucho”.

A revista argentina El Gráfico enfatizando, com título em português mesmo, como Méndez costumava se destacar contra a seleção brasileira. À direita, na seleção com Juan Carlos Salvini, parceiro dele também por Huracán e Racing

Só que a defesa destoava: em 1944, o Boca foi campeão e teve o melhor ataque, com 82 gols. O Globo, que marcou 80, ficou em 7º: afinal, a defesa levou 72, menos pior apenas que a do rebaixado Banfield (que sofreu 77). Em 1945, o 5º colocado Huracán teve o melhor ataque do campeonato, com 76 gols, dez a mais que a festejada La Máquina do campeão River Plate. Mas levou 61 gols, contra 34 do River. O Huracán não deixou de obter troféus, mas em copas, ainda que prestigiadas na época – e cuja importância vêm sendo revisitada ultimamente.

Em 1942 (sobre o River) e em 1944 (sobre o Plantense), veio a Copa Adrián Escobar, que ao fim da temporada reunia os sete melhores do campeonato, ainda que em partidas de dois tempos de vinte minutos e tendo como critério de desempate o número de escanteios. Em 1945, conquistou-se a Copa Británica (sobre o Boca), oferecida pelo embaixador do Reino Unido. Nas duas últimas, o clube se deu ao gosto de dar a volta olímpica no estádio do vizinho e rival San Lorenzo: o estádio quemero, Tomás Adolfo Ducó, começara a ser construído em 1943 e seria finalizado em 1947.

Driblando um uruguaio na Copa América de 1946, e pelo Racing: foi tri seguido pelas duas camisas alvicelestes

Outro festejo foi um 5-1 no San Lorenzo em 1944, maior goleada do clássico até o rival fazer 5-0 mais de meio século depois. Méndez, já sem Masantonio e Baldonedo, se consolidou naquele ano como craque, marcando dez gols no campeonato, incluindo em vitórias por 4-1 sobre o River e de 2-0 em Avellaneda sobre o Independiente. vinha se consolidando como craque e em janeiro de 1945 estreou pela seleção, levado pelo técnico Guillermo Stábile (artilheiro da Copa de 1930 e outro antigo ídolo do Huracán) à Copa América. Saiu como campeão – e, com 6 gols, também como artilheiro. Três deles foram na partida contra o vice Brasil. Detalhe: todos de fora da área! Ao fim do ano, treze gols no campeonato, três deles na maior goleada do clube: 10-4 no Rosario Central.

No ano seguinte, a receita se repetiu: Copa América em janeiro, Argentina campeã, Brasil vice e Méndez marcando nele, desta vez duas vezes, em uma partida das mais tumultuadas do clássico. No campeonato argentino, foram oito gols, dividindo a linha de frente com a revelação Di Stéfano (com direito a marcarem os gols da vitória por 3-2 fora de casa no clássico com o campeão San Lorenzo – que teria sido presenciado pelo jovem Papa Francisco). Já a edição seguinte da Copa América só viria em dezembro de 1947. José Manuel Moreno, craque do River e tido pelos mais antigos como mais habilidoso que Maradona, voltara de dois anos no México, e logo foi campeão nacional.

À esquerda, no Huracán junto a Juan Carlos Salvini e Llamil Simes, trio contratado junto pelo Racing: à direita, Salvini é o camisa 7 que ergue Méndez na festa do título racinguista de 1949

Moreno jogava na mesma posição de Méndez, no flanco direito do ataque, entre o centroavante e o ponta-direita. Para manter Tucho, Stábile colocou Moreno no outro flanco… e a Argentina foi campeã mais uma vez. Até hoje, nenhuma outra seleção venceu três vezes seguidas a Copa América. Foi o melhor registro de uma geração impedida por fatores extracampo de disputar uma Copa do Mundo – falamos aqui. O detalhe é que ela só usou cinco jogadores em todo o tri. Só Félix Loustau, do River, foi titular absoluto, iniciando 17 das 18 partidas. Tucho Méndez também esteve em 17 dos 18 jogos da campanha, sendo invicto, com a diferença de que em algumas começou no banco. Ainda assim, marcou 17 vezes.

Os dezessete gols fazem do Tucho  maior artilheiro da competição, sendo posteriormente igualado por Zizinho, que precisou de muitas partidas a mais. Após o tri, Méndez e os colegas quemeros Juan Carlos Salvini e Llamil Simes foram ao Racing, que em troca repassou cinco jogadores (Héctor Ricardo, Ricardo Uzal, Juan Manuel Filgueiras, Waldino Aguirre e Octavio Caserio); Guillermo Stábile, técnico da seleção, a conciliava com o mesmo cargo no Racing e estava convencido de que era preciso ter Méndez para solucionar o jejum que pairava em Avellaneda: se o Huracán não era campeão desde 1928, La Academia não era desde 1925… jejum que quase acabou naquele ano, em que o time liderava até o sindicato de jogadores, fundado exatamente pelo reforço (que saltara para quinze gols, incluindo em 3-2 fora de casa no clássico com o Independiente), realizar greve.

Imagens no Tigre, onde também brilhou. À direita, divide com Amadeo Carrizo e Alfredo Pérez, do River

O Racing teve que jogar com reservas e isso, na época, valeu uma punição de 4 pontos. O título ficou exatamente com o rival Independiente. A quebra ficou para o ano seguinte e se consumaria em alto estilo. Méndez, já tricampeão pela seleção, também o seria com outra camisa alviceleste. Embalado pelo ataque Salvini (depois Mario Boyé, a partir de 1950), Méndez, Rubén Bravo, Simes e Ezra Sued, seu novo time emendou 1949, 1950 e 1951, fazendo do Blanquiceleste o primeiro tricampeão seguido na era profissional, e igualando de uma vez as três taças profissionais já levantadas pelo Independiente. No primeiro título da série, marcou nos dois clássicos com o maior rival, ambos vencidos por três gols de diferença (5-2 como visitante e 3-0 no outro), outro no 2-1 sobre o quase rebaixado Boca na Bombonera e três no 6-1 no “rival pessoal” San Lorenzo.

Méndez, presente na inauguração em 1947 do estádio do Huracán, cenário de cena antológica (curiosamente, envolvendo Globo e Racing) do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010, O Segredo dos seus Olhos, participou também da inauguração do estádio Juan Domingo Perón: o campo racinguista foi palco dos primeiros Pan-Americanos, em 1951. Considerado “a magia do tri” (com direito a um gol de bicicleta em Clásico de Avellaneda de 1950), a boa fase o manteve na seleção. Ainda hoje, ele é o único que Huracán e Racing enviaram juntos a ela: “o Huracán foi minha namorada; Racing, minha mulher; a seleção, minha amante”, dizia.

No regresso ao Huracán, em 1957: Julio Boreni, ele, Miguel Romero, Roberto Bellomo e Julio Marcarián

Mas as lesões nele, que já tinha pernas arqueadas, ficaram mais frequentes. Em 1954, foi repassado ao nanico Tigre. E, se desde 1951 já mais armava jogo do que marcava gols, teve estrela: a equipe ficou em sexto em 1955, sua melhor campanha no profissionalismo até então. Assim, Méndez ainda jogou pela Argentina vindo da equipe de Victoria, em 1956, convocado de emergência para o Pan-Americano. Em 1957, voltou a seu Huracán, marcando cinco gols, mas vitimando San Lorenzo e Boca. Naquele ano, ainda jogou pela Argentina amistoso contra o Bangu que marcou a despedida justamente de Zizinho do clube de Moça Bonita. Em 1958, foi a vez do próprio Méndez parar de jogar, não sem deixar um último gol naquele ano no clássico com o San Lorenzo.

Uma curiosidade é que, em entrevista de 1987, o ator brasileiro Lima Duarte lembrava-se de um amistoso em que o argentino teria defendido o River, declarando assim à Placar: “a linha do River era Bouget, Tuchomendes [sic], Pedernera, Labruna e Lostau [sic]. Acabei me apaixonando pelo River também”. O atacante que “chuta com mais gana porque fuma Caravanas negros”, segundo peça publicitária da sua época, “tinha arte para iludir rivais, potência e efeito para pegar com precisão desde fora da área, elasticidade para fazer de bicicleta, salto elegante e cabeceio certeiro”, conforme relatou sobre ele outra revista, uma El Gráfico especial que elegeu em 2011 os cem maiores ídolos da seleção argentina. Além de um oportunista atacante, também era hábil para armar jogo.

O obituário da revista El Gráfico em 1998. À esquerda, Méndez carregado após ser carrasco do Brasil na Copa América de 1946

Internado em um geriátrico, morreu de ataque cardíaco em 22 de junho de 1998, um dia depois de Argentina 5-0 Jamaica na Copa do Mundo; perdeu por alguns dias o triunfo no “clássico” com a Inglaterra. A morte de Méndez ocorreu exatamente quatro dias depois da de um amigo do rival Independiente e outro grande ídolo da seleção, exatamente por ter marcado o gol da primeira vitória da Albiceleste sobre o English Team, em 1953. Era Ernesto Grillo aqui, que sempre ressaltava a participação de Méndez (saído do banco) naquela partida também.

Recentemente, em 7 de junho foi inaugurado um monumento à sua memória na esquina da rua Diógenes Taborda com a Avenida Figuera Alcorta, em Buenos Aires.

https://twitter.com/CAHuracan/status/1004821191922802695

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https://twitter.com/RacingClub/status/1010183392149803008

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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