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Pedro Dellacha: ícone do Racing e bicampeão de Libertadores no Independiente

Em um Clássico de Avellaneda de 1954, quando ainda defendia o Racing na segunda principal rivalidade argentina. O adversário é Ernesto Grillo

Ser ao menos bicampeão da Libertadores da Libertadores não é para qualquer um. Que dirá então em ciclos alternados, e justamente no arquirrival do clube mais associado à pessoa? Pedro Rodolfo Dellacha conseguiu isso e muito mais, a ponto de o feito continental comandando o Independiente em 1972 e em 1975 (justamente o primeiro e o último título do tetra seguido do Rojo em La Copa, ainda um recorde) ser até ofuscado pela idolatria que Don Pedro del Área teve como zagueiro do poderoso Racing dos anos 50. E seus sucessos não se restringiram à rivalidade Avellaneda, fazendo seu papel ainda nos rivais Huracán e San Lorenzo e nos dois lados também do Clásico del Oeste, entre Ferro Carril Oeste e Vélez. Figura que merece ser resgatada dez anos após sua despedida final.

Nascido no feriado de 9 de julho em Lanús, em 1926, Dellacha (aparente corruptela, à ortografia castelhana, da pronúncia “Delátcha” do sobrenome italiano Dell’Accia) foi produto das categorias de base do Boca, mas o domínio absoluto de José Marante na posição ao longo dos anos 40 o limitou a um único jogo no time adulto dos xeneizes, um presente de aniversário – foi em 7 de julho de 1946, um 3-2 contra o combinado da cidade de Paraná. Foi então enviado ao Quilmes, onde efetivamente se profissionalizou em 1947, na segunda divisão. Em 1949, o Cervecero obteve o título da categoria, encerrando hiato de doze anos na elite, até hoje o pior da história do clube.

Mas o retorno não seria estável. O Quilmes salvou-se por um ponto da queda imediata em 1950. E, também por um ponto, não resistiu em 1951. Dellacha, porém, caiu para cima: seu valor evitando pontuações piores foi reconhecido simplesmente pelo Racing, que naquele 1951 emendara o primeiro tricampeonato seguido do profissionalismo argentino. Mesmo em um time que ganhava tanto, mexeu-se. Em 1952, ele chegou para o posto que fora do recém-aposentado Higinio García (que também era o capitão, simplesmente), assim como a vaga no gol começaria a ser mais frequentada por Rogelio Domínguez e o ataque ganharia Juan José Pizzuti.

O Quilmes campeão da segundona de 1949: Osvaldo Méndez, Jorge Marcilla, Bartolomé Costa, Carlos Tosta, Pedro Dellacha, Julio Baldovino e o técnico Ángel Diottalevi; massagista Ángel Dellagiovanna, Victorio Cantatore, José Santiago, Carmen Contreras, Rubí Cerioni e Juan Ramón Santos

A Academia manteve-se forte rumo a um tetra ainda inédito a qualquer clube na era profissional, mas a diferença de um ponto reapareceu no caminho de Dellacha: o River obteve um a mais e encerrou a sequência racinguista. Nada que impedisse que o novato fosse reconhecido pela outra camisa alviceleste, estreando pela Argentina em 14 de maio de 1953 – um dia histórico, onde ela venceu pela primeira vez a Inglaterra, e mesmo sem ninguém do campeão River.

A receita para aquele 3-1 foi usar metade da defesa racinguista, aproveitando Dellacha, o lateral-esquerdo José García Pérez e o volante Ernesto Gutiérrez; buscar no Boca a outra metade, usando o lateral-direito Eliseo Mouriño, o volante Francisco Lombardo e o goleiro Julio Musimessi; e, o mais lembrado, a utilização do ataque inteiro de um clube (o do Independiente: Rodolfo Micheli e Osvaldo Cruz nas pontas, Carlos Cecconato e Ernesto Grillo na armação e Carlos Lacasia de centroavante), algo inédito. Três dias depois, os britânicos não tiveram revanche, ficando no 0-0.

Marcador implacável, Dellacha exibiu seu cartão de visitas contra os ingleses com uma cabeçada em Tommy Taylor. Mas sua partida mais lembrada pela Albiceleste deu-se dali a um mês e meio, na visita da Espanha a Buenos Aires. O reconhecido craque László Kubala fazia exatamente ali sua estreia pela seleção espanhola e vinha imparável contra os citados Mouriño e Gutiérrez. Dellacha então assumiu a marcação pessoal do astro, recordando-se assim de uma primeira dividida: “rechacei a bola entre as pernas, com patas e tudo. Lhe meti o joelho na bunda e o cotovelo na costa. Lhe doeram até as orelhas”.

Preparando a perna para a dividida com Ángel Labruna: o River foi o grande nêmesis para que Dellacha fosse mais vezes campeão no Racing

O lance, dividindo opiniões mesmo entre os argentinos, repercutiu até no perfil dedicado a Dellacha na edição especial que a El Gráfico elegeu os cem maiores ídolos do Racing, em 2011. O zagueiro foi um dos seletos homens contemplados com um de duas páginas e o relato já começa falando daquela partida, complementando que “momentos depois, após um lateral, voltou a atirar-lhe toda a carroceria (pernas, joelhos, ombros e cotovelos) e não houve mais notícias do húngaro-espanhol: não a tocou mais… ganhou a Argentina de 1-0 com gol de Grillo. A anedota vale para repassar o duro que era Dellacha quando jogava. Perna forte, atrevimento, marcação férrea e dentes apertados que não necessariamente significavam maldades: Don Pedro tinha infinidade de recursos válidos para roubar a bola. Por isso a roubava tanto…”.

O ano de 1953 também registrou seu único gol conhecido, em um 3-3 com o Newell’s. Aquele perfil da El Gráfico também mencionou isso: “se fez tão dono da área própria que rara vez visitava a de frente: assim como tem um só gol no Racing, são infinitos os que evitou no arco próprio (…). Impassável pelo solo e bom cabeceio em que pese medir 1,74m. Rápido, vivo, compacto e potente”. Só não foi ainda o suficiente para seu clube voltar a ser campeão; em 1953, o River foi bi, quatro pontos à frente do Vélez e de La Acadé, que fecharam juntos o pódio. O elenco do tri gradualmente se desmanchava e o clube fez em 1954 sua pior campanha até então, um 10º lugar.

Ainda assim, Dellacha permanecia bem visto: reapareceu na seleção ao fim daquela temporada medíocre do clube, em vitória por 3-1 sobre Portugal em Lisboa em 28 de novembro. Em 5 de dezembro, foi a vez de encarar a Itália em Roma. A Azzurra promovia a estreia do astro uruguaio Juan Alberto Schiaffino e até venceu, por 2-0. Mas Schiaffino foi tão mal individualmente contra a defesa argentina que, a despeito de exibir toda sua qualidade no Milan, ficaria anos sem ser lembrado pela sua nova seleção, só reaparecendo nela em 1957. Don Pedro del Área, por sua vez, estava firmado por seu país, disputando em março de 1955 sua primeira Copa América.

Racing de 1956: técnico Saúl Ongaro, Juan Carlos Giménez, Vladislao Cap, Rogelio Domínguez, Pedro Dellacha, Natalio Sivo e José García Pérez; Omar Corbatta, Humberto Maschio, Manuel Blanco, Juan José Pizzuti e Juan Mendiburu

Ausentes das duas edições anteriores (1949 e 1953, temendo exageradamente um possível vexame pelo êxodo de diversos astros ao Eldorado Colombiano; para 1949, também pesou as relações rompidas com a CBD até 1956, após o tumulto na final da edição de 1946), os argentinos recuperaram a coroa continental de modo categórico, em campanha que incluiu um 4-0 no Equador e uma surra de 6-1 no clássico com o Uruguai antes do duelo direto pelo título contra o anfitrião Chile, derrotado pelo placar mínimo na rodada final. Dellacha não só foi titularíssimo como foi a vez de ficar marcado por um lance que mostrava que ele sabia ser hábil.

Em dado momento, ele antecipou-se a dois atacantes chilenos para se apoderar de um lançamento adversário, fez que ia recuar a bola ao goleiro Musimessi para então usar deslocar os rivais com um toque de letra e sair com bola dominada até o meio-campo. “Todo o estádio me aplaudiu…”, gabava-se. E seu Racing se recolocou no pódio argentino no decorrer do ano – foi vice, ainda que a sete pontos do River. Em janeiro de 1956, foi à sua segunda Copa América. Outra vez, a rodada final reservou casualmente o duelo direto pelo título. Mas dessa vez a sede era o Uruguai, que teve seu troco no Centenário, mesmo que por apenas 1-0. O Racing encurtou a distância para o River ao longo de 1956, com um quarto lugar escondendo que terminou a quatro pontos do campeão.

Dellacha, em paralelo, fez em 1956 mais sete jogos pela Argentina depois da Copa América: ganhou-se da Itália por 1-0 em 24 de junho, no Monumental, assim como da Tchecoslováquia pelo mesmo placar, em 19 de agosto. Nesse intervalo, Argentina, Brasil e Uruguai travaram a Taça do Atlântico. Mesmo campeã da Copa América, a Celeste foi derrotada por ambos, com o saldo melhor dos brasileiros permitindo que eles fossem campeões com um empate em 0-0 em Avellaneda. O ano terminou com novos trocos no Uruguai: 2-1 dentro de Paysandú em 10 de outubro e 2-2 em Buenos Aires em 14 de novembro.

Uma nada sutil disputa aérea contra o Huracán em 1956 e como capitão e porta-bandeira da Argentina na Copa América de 1957

Nova Copa América foi realizada no início do ano seguinte, no Peru. E coube a Dellacha e não ao veterano xerife Néstor Rossi ser o capitão da festejada seleção apelidada de Los Carasucias de Lima. Foi um arraso: 8-2 na Colômbia, 3-0 no Equador, 4-0 no Uruguai, 6-2 no Chile e o 3-0 que garantiu antecipadamente o título, no clássico com o Brasil. O melhor ataque disparado ofuscou que os hermanos também tinham a melhor defesa. Relaxada, a Albiceleste caiu na rodada final para o anfitrião por 2-1, mas três dias depois teve direito a uma revanche amistosa. E ganhou por 4-1. Ao longo do ano, o Racing terminou em terceiro no campeonato e a seleção classificou-se sem problemas à Copa do Mundo, só não sendo párea para a altitude de La Paz contra a Bolívia: contra o Chile, impôs um agregado de 6-0.

Na prática, era o retorno da Argentina à Copa do Mundo desde 1930. É que, para 1934, o país enviou uma seleção de amadores, pois os principais clubes estavam rebelados com a federação oficial. E outros fatores políticos fizeram a seleção ausentar-se das edições de 1938, em protesto à escolha da França como sede, acreditando que o torneio deveria se realizar em rodízios de Europa com América do Sul, onde era a candidata; e das de 1950 e 1954 – pelas mesmas razões que fizeram o país ausentar-se das Copas América de 1949 e 1953, não participando nem mesmo das eliminatórias.

Dellacha, como capitão daquele fenômeno, terminou contemplado em 1957 com o Olimpia de Oro, o Oscar do esporte argentino, raramente concedido a jogadores de futebol: o zagueiro foi justamente o primeiro e desde então o futebol só voltou a ser o esporte do vencedor em 1979, 1986 (ambos com Maradona, nesses anos campeão mundial pela seleção juvenil e adulta, respectivamente), 1991 (Oscar Ruggeri, capitão do fim do pior jejum do país na Copa América), 2004 (Carlitos Tévez, símbolo do primeiro ouro olímpico) e 2011 – quando Messi, no auge do Barcelona de Guardiola campeão de tudo, começou a realmente ser o ET que conhecemos.

A Argentina campeã da Copa América de 1957. Giménez, Domínguez, Dellacha, Corbatta e Maschio eram os racinguistas daquela seleção

Na Escandinávia, Don Pedro del Área teve seu desempenho em campo até absolvido, mas como capitão terminou naturalmente sendo dos involuntários símbolos do fracasso retumbante na Copa: “nós estávamos acostumados a jogar somente aos domingos, e a treinar terça e quintas. Essa foi a grande causa do nosso fracasso. Pagamos o preço de acreditar que, com o que tínhamos, nos bastava para bailar os europeus. O futebol internacional não era tão difundido na Argentina e isso determinou que não compreendêssemos a importância de um Mundial”, tentou justificar, referindo-se ao mundial exigir jogos a cada três dias. A derrota compreensível de 3-1 na estreia para a campeã Alemanha Ocidental fora revertida com a imposição do mesmo placar na Irlanda do Norte. Mas então sobreveio o 6-1 para a Tchecoslováquia, até hoje a derrota mais elástica da Argentina.

O zagueiro já tinha 32 anos e isso também pesou-lhe para ser um dos que não voltariam a defender o país depois daquilo. Por outro lado, foi possível terminar o ano sorrindo. O River, que igualara em 1957 o tricampeonato do Racing, era naturalmente a base da seleção. E naturalmente teve mais jogadores afetados pelo vexame, só voltando a ser campeão dali a dezoito anos, murchando para um sexto lugar em 1958. O Racing aproveitou a terra arrasada em Núñez e recuperou a coroa, mesmo desfalcado do goleiro Domínguez para o Real Madrid de Di Stéfano e do promissor atacante Humberto Maschio para o calcio. Colegas de Dellacha também na seleção campeã de 1957, eles já haviam feito falta nela na Copa, em tempos onde se proibia a convocação de quem atuasse fora do país.

O tardio título com o Racing foi a despedida digna do ídolo, ainda titular, presente em 21 jogos. Para o ano seguinte, já alternava-se entre o time principal (apenas três jogos, na 1ª, 2ª e 22ª rodadas) e a equipe B, campeã do campeonato da categoria. Foi então buscar o pé de meia no México. Defenderia o Necaxa até parar de jogar, em 1965, conseguindo sucesso mais imediato: marcado por longos jejuns (o que inspirava piadas recorrentes do personagem Seu Madruga, torcedor famoso, nos diálogos originais da série Chaves) o clube encerrou em 1960 um de 24 anos na liga mexicana. Foi também o primeiro título profissional dos Electricistas. Foi por esse clube que ele também se deu ao gosto de enfrentar Pelé – e batê-lo em todos os sentidos, tanto pela vitória (4-3 pelo Torneio Pentagonal da Cidade do México, em 2 de fevereiro de 1961) como pelo mano a mano.

O San Lorenzo com seus troféus dos torneios amistosos pela Espanha em 1970: o agora técnico Pedro Dellacha, Enrique Chazarreta, Víctor Doria, Abraham Amado, Rodolfo Fischer, Agustín Irusta, Oscar Calics, Pedro González, Carlos Buttice e Antonio Rosl; Rubén Ayala, Rafael Albrecht, Humberto Tojo, Victorio Cocco, Carlos Veglio, Roberto Telch, Sergio Villar e Antonio García Ameijenda

O Acervo Santista registrou que o Rei saiu mesmo lesionado após um choque com o veterano, que de fato costuma ser sempre lembrado em perfis como o homem mencionado na própria biografia de Pelé (a quem nunca pudera encontrar pela seleção ou pelo Racing) como o mais duro marcador que teve. Com as chuteiras (e suas travas) penduradas, Dellacha logo voltou à Argentina para causar impacto rápido como técnico: seu Ferro Carril Oeste de 1965 terminou em quarto lugar, repetindo a melhor colocação da modesta história verdolaga (a do torneio de 1959) até a fase áurea que o clube de Caballito viveria, já nos anos 80. Em 1966, ele voltou à Lanús natal, agora para dirigir o clube local. Longe do prestígio adquirido a partir dos anos 90, os grenás estavam acostumados a uma realidade mais medíocre.

Assim, o terceiro lugar no Metropolitano de 1968 eternizou aquele elenco apelidado de Los Albañiles – “Os Construtores”, em espanhol. Era uma referência às paredes (como os argentinos chamam a jogada de tabela) que caracterizavam o estilo de jogo daquele plantel. Dellacha preferia usar um termo igualmente sugestivo para qualificar aquela obra: El Templo del Toque. Aquele Lanús de Dellacha é ainda mais exaltado pela torcida também pela pontuação alcançada naquele Metropolitano. O Granate ficou em terceiro no grupo e só não se classificou aos mata-matas pelos critérios de desempate – que favoreceram um poderoso Estudiantes, que em paralelo vencia sua primeira Libertadores e o Mundial. Em 1969, Dellacha trabalhou no Platense. O bom 5º lugar para os padrões do Calamar no Metropolitano credenciou-lhe para um primeiro gigante, o San Lorenzo. Chegou ao bairro do Boedo para a disputa do Nacional e, órfão do técnico, o Platense terminaria esse torneio em 15º de 18 times.

Após três rodadas iniciais ruins, acumulou-se 14 jogos seguidamente invictos que fizeram o Ciclón terminar com a mesma pontuação do vice River (e a dois do campeão Boca), embora chegasse à rodada final já sem chances. No Metropolitano de 1970, o clube chegou a perseguir o Independiente na briga pela taça, embora um inoportuno declínio na reta final o tenha relegado novamente a um bronze dois pontos abaixo do campeão. O ex-zagueiro manteve-se bem avaliado durante a intertemporada, em uma boa excursão à Europa onde a derrota inicial de 1-0 para o Sevilla foi seguida de 3-2 no Anderlecht, 1-1 com o Valencia (vencendo-o nos pênaltis por 5-4 para ficar com a Copa Costa Brava), 5-0 no Borussia Dortmund, 2-0 no Hércules (obtendo a Copa Toruella), 3-1 no Racing Santander (ganhando a Copa Real Santander) e 0-0 com o Ferencváros no tradicional Troféu Teresa Herrera, que ficaria pelos pênaltis com os húngaros.

No Independiente de 1972, além de treinar o time campeão da Libertadores, Dellacha também se permitia vestir o uniforme do Rojo em amistosos pelo interior, como neste em Pergamino: o goleiro Carlos Gay, o atacante Dante Mírcoli, ele, Alejandro Semenewicz (curiosamente, o único que não passaria pelo Racing) e Agustín Balbuena

Porém, um desempenho irregular no Torneio Nacional e uma crise econômica (a levar o goleiro Carlos Buttice a aceitar oferta do America-RJ após seis meses de atrasos salariais, por exemplo) encerraram-lhe o ciclo nos azulgranas. O destino de Dellacha foi o Newell’s, que só uma vez na história havia ocupado o pódio no campeonato argentino, no distante 1941. Em 1971, isso escapou por pouco já no Metropolitano, onde a Lepra ficou em quarto. No Nacional, os rojinegros chegaram às semifinais, calhando de serem eliminados justamente pelo arquirrival Rosario Central em um dos mais lembrados Clásicos Rosarinos. Seria preciso aguardar até 1974 para o inédito título chegar ao Parque Independencia.

Mario Zanabria, o craque que faria o gol que selou essa conquista (em outro dérbi histórico com o Central), porém, declararia que aquele time de 1971 jogava melhor. Tanto que Dellacha foi parar no Independiente, assinando contrato em 31 de dezembro de 1971. O contrato era de um ano, mas seis meses bastaram para fazer história: além da reconquista da Libertadores na edição de 1972, foi sob Dellacha que o clube promoveu seu maior ídolo ao time adulto, Ricardo Bochini. Don Pedro só deixou o Rojo, ainda em julho (antes do Mundial Interclubes, perdido em setembro para o Ajax), por receber proposta do Celta de Vigo. Sem repetir na Espanha o toque de Midas, só durou uma temporada nos Balaídos.

Reapareceu na Argentina em 1974 para comandar o Vélez, ainda um clube de um único título na elite. E o ex-zagueiro deixou sua marca no bairro de Liniers: mesmo já sem o superartilheiro Carlos Bianchi, o Fortín foi líder de seu grupo no Nacional e terminou em terceiro no octogonal final, tendo chances de título até a última rodada. O desempenho velezano e o crédito por 1972 avalizaram o retorno de Dellacha ao Independiente no segundo trimestre de 1975, com o ciclo vitorioso de Roberto Ferreiro, já questionado pela apatia nos torneios argentinos, encerrado com a perda em abril do Mundial Interclubes (ainda válido por 1974) para o Atlético de Madrid. Dellacha parecia encarar uma entressafra, especialmente ao começar o triangular-semifinal da Libertadores com duas derrotas.

Independiente com a Libertadores de 1975: roupeiro Basile, Carrica, Balbuena, Medina, Pogany, Raúl Silva, Goyena e roupeiro Torrado; massagista Bonell, técnico Dellacha, Lencina, Saggioratto, Gay, Aldo Rodríguez, Arroyo e preparador D’Ascanio; Juan López, Cabezal, Sá, José Pérez, Commisso, Pavoni e Giribet; Cuiña, Miguel López, Ruiz Moreno, Rojas e Semenewicz

Mas seus homens puderam reverter de modo sensacional a situação. Era preciso derrotar por 3-0 o Cruzeiro na rodada final e isso foi feito com direito até a gol olímpico. A Unión Española só foi párea em casa, no jogo de ida das finais: o Rojo era tetra. Contudo, a falta de um Mundial Interclubes para 1975 (nem o campeão europeu e nem o vice toparam) e os resultados domésticos ruins no decorrer do ano, porém, gradualmente minaram o espaço de Dellacha no Independiente. Não em Avellaneda: após ainda começar o ano de 1976 no Rey de Copas, caiu ainda antes de nova Libertadores e ao fim do ano reapareceu no Racing. Virou o primeiro treinador a trabalhar em um mesmo ano nos dois rivais. Entre os dois trabalhos, passou brevemente pelo Belgrano no início do Torneio Nacional, deixando os cordobeses para ser o quarto treinador racinguista em um ano de terra quase arrasada.

La Academia havia escapado do rebaixamento por um mísero ponto no Metropolitano. Nesse contexto, o máximo que Don Pedro pôde fazer ao chegar foi uma campanha de meio de tabela no grupo onde o time ficou no Nacional, a cinco pontos da classificação aos mata-matas. Em 1977, ele atravessou o Rio da Prata para resolver outro tipo de pepino: encerrar jejum tricolor que datava desde 1971, tempo demais em um cenário marcado pelo duopólio – que piorara em 1976 com o título do intrometido Defensor encerrando quase 40 anos de alternância exclusiva da dupla de gigantes. O treinador tricolor era Luis Cubilla, em seu primeiro trabalho como técnico (após pendurar as chuteiras naquele próprio Defensor campeão de 1976). Desfalcado de Hebert Revetria, vendido ao Cruzeiro, Cubilla renunciou ainda no início do torneio.

O argentino soube utilizar promessas campeões com o Uruguai no Sul-Americano sub-20 de 1975 (como o goleiro Rodolfo Rodríguez e o atacante Juan Ramón Carrasco) mescladas aos veteranos Julio Montero Castillo e Juan Carlos Mameli, remanescentes do elenco vencedor da Libertadores em 1971. Deu certo e sob a batuta de Dellacha veio o único título tricolor entre 1971 e 1980. O argentino então foi buscar um pé de meia na Colômbia, onde obteve já em 1978 o único título do Millonarios entre 1972 e 1987 – mesmo assumindo time de Bogotá em pleno decorrer de campanha, substituindo Jaime Arroyave. A taça veio a uma panelinha argentina que reunia ainda o artilheiro Daniel Onega, Juan José Irigoyen, Daniel Promanzio e Aníbal Tortorielo. Foi o último troféu de uma carreira longa e vitoriosa, mas que já não teria sorrisos duradouros na nova década.

O último bom trabalho de Dellacha foi no Huracán de 1986, onde é o último em pé (atrás do goleiro Carlos Gay, outro ex-Independiente, ex-Racing e ex-San Lorenzo!). Assumiu-o praticamente condenado e permitiu uma sobrevida improvável até o último compromisso possível

O trabalho seguinte do argentino foi no Monterrey, perdendo por dois pontos a vaga na fase final da Liga MX de 1980-81. Em um segundo ciclo no Lanús, viveu uma gangorra na segunda divisão de 1982, onde o time tanto brigou para se classificar aos mata-matas (faltaram três pontos) como também para não cair à terceira (os grenás ficaram cinco pontos acima). No início de 1986, então, assumiu um Huracán em queda livre rumo ao primeiro rebaixamento quemero. Sob Dellacha, contudo, o Globo acordou a ponto de chegar à rodada final com chances de salvação direta.

Era preciso vencer o clássico com o San Lorenzo, e o empate em 1-1 forçou o time de Parque de los Patricios a uma repescagem contra os melhores da segundona. A pesada história huracanense foi então levando a melhor em mata-matas contra cada adversário rumo à decisão… quando então foi batida pela camisa mais improvável. O Sportivo Italiano levou a melhor nos pênaltis e decretou a inédita queda do outrora “sexto grande”. Desilusão tamanha (a ponto de o artilheiro José Iglesias chegar a questionar Dellacha como trabalhador) que rendeu ao treinador seis anos sabáticos, até trabalhos de pouco relevo por Alianza Lima, Santos Laguna e no hondurenho Marathón nos anos 90.

Esses últimos trabalhos já ficaram como parte esquecida de uma bela carreira por toda igualmente esquecida pelo ex-zagueiro no fim da sua vida: já acometido pelo Alzheimer, suspirou uma última vez em um asilo de Buenos Aires naquele 31 de julho de 2010. Os argentinos sempre lembrarão dele: “é uma marca registrada que vencerá o tempo. Don Pedro morreu, mas deixa uma grande recordação, talvez como referente de uma época que não se repetirá, no futebol e na vida”, no obituário emocionado da El Gráfico.

https://twitter.com/nestor_bova/status/1289209492664496128

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer