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Há 50 anos, uma pomba voava para nunca mais pousar

“O gol do Poy vi pela TV, passaram a partida ao vivo. A pessoa se recorda sempre o que estava fazendo quando ocorrem esse tipo de coisas, como o dia que mataram o Kennedy”. Se no Brasil falar de Poy se refere ao maior goleiro do São Paulo até Rogério Ceni, na Argentina o sobrenome remete primordialmente a um primo imortalizado há meio século no Rosario Central e no clássico com o Newell’s. A frase acima, proferida pelo cronista Roberto Fontanarrosa, se refere ao gol de peixinho, jogada que os argentinos descrevem como palomita (“pombinha”), que Aldo Pedro Poy assinou para fazer os canallas triunfarem no dérbi mais expressivo até então. Valia pelas semifinais do Torneio Nacional de 1971, e em tempos em que o título argentino nunca havia deixado a Grande Buenos Aires ou La Plata. La Palomita de Poy virou literalmente o gol mais comemorado da história.

É que desde então Poy frequentemente precisa reencenar a jogada em confraternizações auriazuis país e mundo afora, rendendo pedidos junto ao livro Guinness para reconhecer o lance como o mais festejado do futebol. Ele, que capitalizou a jogada até para eleger-se vereador em Rosario, descreveu em 2014: “já fizemos no Chile, Cuba – para o filho do Che -, Uruguai, Miami, Barcelona, Mallorca, e em muitas partes da Argentina. (…) Há torcedores que viajaram de Israel até Barcelona para poder participar. (…) Chegar a um lugar e encontrares com duas mil caras tuas que te olham foi uma coisa impactante. (…) Em 1997, armaram uma cena no clube Río Negro e só se podia entrar com uma máscara minha de látex, que era muito impressionante pelo realismo. Foi bastante impactante, de verdade. Uma das celebrações que mais lembro. Lhe chamaram de Hoy Soy Poy [Hoje sou Poy].

Nos 50 anos do lance, o Rosario Central inclusive repetiu a ideia das máscaras, em um vídeo (reproduzido ao fim da nota) que simula o seriado La Casa de Papel, com o rosto de Poy (com ares de Professor) substituindo o de Salvador Dalí. A mitologia e fanatismo em torno do jogada é tamanha que já rendeu desde a preservação em formol do apêndice retirado de Ricardo De Rienzo, o jogador arquirrival que marcava Poy naquele mergulho à eternidade. O médico que o operou era fanático pelo Central, conservou a peça e a doou à uma organização de torcedores por ter sido o “órgão mais próximo da bola na hora do gol”; e a um conto do mesmo Fontanarrosa sobre aquele 19 de dezembro, data a ganhar contornos ainda mais míticos por ter sido nela também que Arroyito festejou a epopeia da Copa Conmebol de 1995 sobre o Atlético Mineiro (o Galo, curiosamente, sagrou-se campeão brasileiro exatamente naquele 19 de dezembro de 1971).

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Representações artísticas da palomita, que significa literalmente “pombinha”, embora no Brasil a jogada seja chamada de “peixinho”

Para além disso, houve jogo entre dois timaços comandados por técnicos históricos. Espécie de Riquelme das duas primeiras Libertadores do Boca, no bi de 1977-78, Mario Zanabria ainda regia o Newell’s e seria a figura do troco histórico dos leprosos, no título argentino inaugural às vitrines do Parque Independencia que ergueram em pleno clássico em 1974. Mas ele ainda assim disse que o time de 1971 era uma equipe “mais luxuosa”, composta por outros futuros campeões de Libertadores: o treinador era Pedro Dellacha, a comandar o Independiente campeão continental já em 1972 e também em 1975, período no qual o Rojo teria consigo outros derrotados 50 anos atrás – Héctor Martínez e Mario Mendoza. Maior artilheiro estrangeiro do Grêmio no século XX, Alfredo Obberti era outra figura da Lepra, embora calhasse de ter uma tarde apagada naquela ocasião.

Naquele jogo único no Monumental de Núñez, Dellacha alinhou Carlos Fenoy, Ricardo De Rienzo, Víctor Jara, José Solórzano e Armando Garrido, Ángel Silva, Juan Carlos Montes (futuro técnico que promoveu no Argentinos Jrs a estreia adulta de Maradona, em 1976) e Mario Zanabria, Santiago Santamaría, Alfredo Obberti (Héctor Martínez 21/2º) e Mario Mendoza. Mas quem conhecia mais os segredos do Monumental era o treinador adversário: Ángel Labruna, afinal, já era a maior lenda da história do River, embora naqueles dias estivesse magoado com o próprio clube do coração. É que o River já vivia o pior jejum de sua história (quatorze anos que seriam dezoito, desde quando Labruna ainda jogava, em 1957) e Labruna inicialmente não solucionou como treinador esse problema, retirando-se em 1970 após nada menos que incríveis quatro vice-campeonatos seguidos, cada um com doses particulares de trauma.

O árbitro foi Arturo Ithurralde, um bancário que pareceu engordar bastante o currículo: dali a meia década, seria ele o designado para apitar um clássico instantaneamente histórico também, a única final entre Boca e River até 2018, também pelo Torneio Nacional. Norberto Menutti, Jorge González (Daniel Killer 37/2º), Aurelio Pascuttini, Alberto Fanesi e Mario Killer, Carlos Aimar, Ángel Landucci e Carlos Colman, Ramón Bóveda (Miguel Ángel Bustos 25/2º), Aldo Poy e Roberto Gramajo foram os homens que Don Ángel usou há 50 anos para poder desengasgar contra os críticos mesmo ainda faltando uma partida para o inédito título de seu clube e de sua nova carreira de treinador.

O time há 50 anos no neutro Monumental: Mario Killer (apelidado de Colorado por ser ruivo), Munutti, Pascuttini, Landucci, Fanesi e González; Bóveda, Aimar, Poy, Colman e Gramajo

É que o brasileiro Didi substituíra Labruna com a promessa de levar o “jogo bonito” a Núñez e vinha mesmo empolgando em 1971, mas uma derrapada na reta final fez o Millo perder a vaga na outra semifinal para o Independiente – que, por sua vez, fora no mesmo neutro Monumental eliminado na véspera pelo San Lorenzo, o outro finalista de 1971. Há referências a isso ao fim da nota da El Gráfico que traduzimos abaixo, com observações nossas em colchetes às palavras de Julio César Pasquato, o Juvenal, com contribuição de alguém gabaritado para comentar aquele duelo: futuro treinador da Argentina de 1978, César Luis Menotti havia sido ídolo do Central como jogador, mas em 1970 ajudou a formar parte daquele Newell’s ao trabalhar no arquirrival como assistente técnico (outra curiosidade: se apressou a parar de jogar por conta da retenção de seu passe na Mooca pelo Juventus-SP!), iniciando daquele jeito a nova carreira que naquele 1971 já saltava para seu histórico trabalho no Huracán.

O relato de Juvenal tem suas partes lúdicas, mas vale transcrevermos ao fim também a conclusão daquele conto de Fontanarrosa, protagonizado por um idoso de sobrenome Casale, visto como talismã por um grupo de torcedores canallas por sempre haver vitórias da equipe de Arroyito no clássico que ele ia às arquibancadas. Para aquele, ele estava receoso de comparecer por sofrer problemas cardíacos, mas acaba levado ao Monumental por uma peça pregada pela rapaziada até ser tarde demais para ir embora…

“Central, com fé de finalista”, por Juvenal

Terminou o primeiro tempo da semifinal rosarina e El Flaco Menotti nos deixou sua impressão sobre a partida, ao mesmo tempo que nos presenteava o título do comentário:

-O Central teve mais fé de finalista. Marcou em todo o campo, impediu que o Newell’s se armasse, mas quando teve a bola, jogou sem medo, soube tê-la e soube arriscar. Nestas partidas assim, além do que saibam ou deixam de saber as equipes, é preciso ter fé. E o Central demonstrou estar melhor preparado para estas finais do que o Newell’s.

Os irmãos Daniel e Mario Killer. Daniel só atuou nos minutos finais há 50 anos, mas seria o único vencedor aproveitado na Copa do Mundo de 1978. Curiosidades: ambos jogaram no Newell’s depois, e Mario esteve no Independiente enquanto Daniel passou pelo rival Racing

Essa impressão de Menotti vale para o que sucedeu na primeira metade da semifinal do domingo. E embora o Newell’s rebotasse no final, disputasse mais a bola e apertasse com mais força na ofensiva, inclusive até pôde empatar em três situações de gol muito claras, o certo é que a equipe de Labruna impôs sua maior fé de finalista. Fez valer sua maior experiência neste tipo de confrontos, que não para o que jogue mais lindo e sim para o que luta com mais convicção, dando a cada bola e a cada segundo da partida o valor da última bola e do último segundo, os decisivos. Justificou o triunfo em sua clara superioridade da primeira etapa, em sua tenacidade para aguentar nos últimos 20 minutos e o golaço de Aldo Pedro Poy que definiu a luta.

O Central copou o campo desde o primeiro minuto, como havia copado as arquibancadas sua numerosa e barulhenta torcida. Copou o campo na base da marcação e também na base do jogo. Aos 40 segundos da partida, Jara parou uma bola no fundo e começou a quem entregar. A teve em seu poder por doze, quinze segundos, que no futebol são um século, porque seus nove companheiros de campo estavam marcados, Fanesi sobre Obberti, Aimar sobre Marito Zanabria, Colman sobre Silva, foram os objetivos-chave desse operativo de comandos que estabeleceram os homens do Central sobre os rojinegros.

Pascuttini, livre no fundo, tapando as costas dos outros nove. Jorge González cortando jogo e a levando, sincronizando seu trabalho à perfeição com as saídas de Pascuttini à descoberta. Pela outra ponta, El Colorado Killer como sempre: com combustível de 130 octanos, para cada bola e cada situação. E no centro do dispositivo, plantado à maneira dos Rattines [Antonio Rattín, capitão da seleção nos anos 60], dos Pipos Rossi, dos Perucca [Néstor Rossi, “o Patrão da América”, e Ángel Perucca, “o Portão da América”, xerifes da vitoriosa seleção dos anos 40], El Flaco Landucci. Cortando, pisando-a, levando-a e despachando desde 30 metros o esplêndido direitaço que desvieram apenas os dedos de Fenoy antes de tocar o travessão e ir para fora.

Recordista de jogos pelo Rosario Central e estrangeiro com mais partidas no futebol argentino, Jorge González cruza para o peixinho de Poy

O Rosario Central marcava em todo o campo, em uma versão 1971 do Estudiantes de La Plata 1967/68, sem desdenhar sequer a utilização racional da regra do impedimento para deixar fora de jogo três ou quatro atacantes rivais por vez. Mas além de marcar, o quadro do bairro de Lisandro de la Torre, quando tinha a bola em seu poder, a fazia circular, a protegia e tratava de criar. Sobretudo através dessa infatigável pivote ofensivo que é Aldo Poy, quem se lança atrás para que sua equipe tenha quatro volantes no arranque e logo sobe para chegar como centroavante. El Pato Colman também mostrou nessa primeira parte sua capacidade de desdobramento defensivo-ofensivo, Aimar estava muito ocupado na destruição de Mario Zanabria, mas também entrava no diálogo de meio-campo até adiante. E nos últimos 15 minutos da etapa buscado com habilitações largas e ao claro, Bóveda resultou imparável. Mas seus cruzamentos em corrida, esses que cruzam na frente do arco para alguém chegue acompanhando e a sopre, com isso que é suficiente para metê-la, não encontraram quase nunca o receptor justo para convertê-los em gol. Quando o encontro (35 mintuos), El Chango Gramajo duvidou tanto e se equivocou tanto, que o taparam quando o gol parecia inevitável. O cruzamento de Bóveda encontrou a defesa do Newell’s no contrapé e o santiaguenho a recebeu sozinho, a oito metros do arco, entrando pela costa de seu marcador.

Ao Chango Gramajo lhe restaram duas opções nessa jogada: imprimir corrida, como vinha, ou engatar até dentro para arrematar com a direita. Não fez nenhuma das duas. Freou, quis sair por fora e terminou chocando. Ali, nesse setor e nesse jogador, se afrouxava a convicção do Rosario Central. Gramajo vivia outra partida e outra inquietude, que muito pouco tinha a ver com a partida e a inquietude que viviam seus dez companheiros. Nessa versão de Cavaleiro Solitário à margem do trabalho associado de sua equipe, El Chango ganhou algumas, perdeu outras, mas não capitalizou nenhuma para os demais.

Aldo Poy não é o atacante central que joga na ponta, em posição e função de goleador, à maneira de [Carlos] Bianchi, Obberti ou mesmo [Rodolfo] Fischer. É um generoso buscador de espaços para si e um inteligente gerador de espaços para seus companheiros. Prepara mais para que outros definam. Não chega tantas vezes e com tanta potência para definir o que outros criam. Mas, no plantel do Central, é um jogador-chave. Pelo que luta, pela vivacidade com que defende a bola, pela forma em que serve de ponta ao companheiro comprometido com o balão. E embora não seja goleador clássico, tem o otimismo dos que se sentem capazes de jogar pelo gol decisivo em uma luta decisiva. Ademais, sente que contra o Newell’s está para fazer o gol do triunfo. Porque tem de fregueses os rojinegros desde há um par de anos…

O gol, por outro ângulo

Por isso, quando ia se executar o tiro livre prévio à jogada do gol da vitória, disse ao nosso fotógrafo Fernández:

-PREPARE A MÁQUINA QUE AGORA FAÇO O GOL… APONTE BEM, NÃO O PERCA…

Veio o tiro livre, saltou Fenoy, a baixou, a entregou, recolheu Pascuttini ali no fundo, a levou Colman, se meteu Bóveda, se adiantou o uruguaio González pelo oco que lhe fabricava sua ponta e levantou o cruzamento. Ao meio da área, quase no retângulo pequeno, Poy viu sair a bola dos pés do moreno e entrou para busca-la. Com a mesma fé ganhadora que transpirou o Central toda a tarde. E mergulhou no cabeçaço da vitória.

Foi o gol que havia cantado a nosso repórter gráfico. Ia ser a passagem à semifinal. Faltavam trinta e cinco minutos, mas se a marcação do Central não afrouxasse, as possibilidades do Newell’s eram muito remotas…

Montes, habitualmente o pivote sobre o qual descansa o armado e no qual arranca o toque ofensivo do Newell’s, havia sido totalmente absorvido na primeira metade do clássico rosarino. Não pôde ter a bola três segundos seguidos e, sem a bola, diretamente não esteve no campo. O mesmo havia sucedido com Obberti, submetido à marcação sob pressão de Fanesi e denunciando o que já viemos advertido ao artífice do Newell’s quando as partidas têm trâmite duro e prevalece a luta sobre o jogo: nesses momentos, El Mono perde ar, presença, certeza.

O sutil Mario Zanabria, pese a perseguição implacável de Aimar, era a única cota de jogo e de luta que aportavam os homens do Parque Independencia no campo adversário. E foi uma grande entrada por ar de Marito a que iniciou o desfile de situações perigosas ante a vala de Menutti. Saiu o goleiro a cortar um cruzamento de Santamaría, a bola lhe sobrou e Zanabria desviou o cabeçaço após um salto digno daqueles de Arsenio Erico [maior artilheiro do Independiente e do futebol argentino, onde brilhou nos anos 30 e 40].

Aos 19 minutos da etapa, ficou sozinho Obberti entrando a receber uma bola muito bem posta por Mendoza. A quis matar com o peito, mas a tarde não era propícia ao goleador rojinegro: lhe rebotou a cinco metros e salvou Menutti. Um minutos depois, Pedro Dellacha dispunha a saída de Obberti e o ingresso de Héctor Jesús Martínez.

Festa canalla ao apito final

Era uma jogada muito arriscada, mas tinha sua lógica. O Newell’s perdia um jogador que, embora em uma tarde ruim, é sempre sinônimo de qualidade e de gol. Mas o importante, nesse momento, era conseguir a bola e uma vez conseguida sacudir de cima a asfixia mental dessa falta de fervor e de convicção para jogar que vinha denunciando o Newell’s desde o começo. Com um volante mais aplicado à luta por capturar a bola e com Silva na função de Poy, arrancando desde a zona de gestação para chegar acima, era possível discutir a partida e até virar o jogo.

E com o ingresso do Negro Martínez, quase empata o Newell’s por intermédio do homem que havia entrado 90 segundos antes. Menutti rebotou providencialmente o tiro à queima-roupa de Martínez, que ao insistir a levantou por sobre o travessão.

Martínez começava a dar razão a Dellacha. O Newell’s prevalecia nessas bolas divididas que antes eram 8 de cada 10 para o Central. E houve um gancho ao mesmo Martínez, para nós meio metro dentro da área, que o juiz Ithurralde cobrou fora da zona de perigo. Colman já não tinha ar nem perna para brigar pela bola e frear o arranque de Martínez. O Central perdia as marcações e cada vez eram mais frequentes e exigidas as intervenções de Menutti.

Um goleiro antigo pela pinta, pelas calças largas e joelheiras, ao que vimos vacilante na etapa inicial mas que foi crescendo com defesas de quando o Newell’s se lançou com todo mérito sobre seu arco.

Então Ángel Labruna buscou assegurar o resultado. Tirou um atacante (Bóveda) e pôs um volante (Bustos). A intenção, obviamente, era frear a saída do Newell’s desde o meio-campo e reter a bola. Conseguiu em parte. Ainda pôde empatar Silva, quando Daniel Killer, o irmão do Colorado, já havia substituído González, muito horrorizado. Menutti salvou o cabeçaço de Silva junto à sua trave direita e já ia se definindo com toda clareza um finalista que já havia alcançado essa mesma possibilidade em 1970 [onde o Central já havia sido finalista do mesmo Torneio Nacional, perdendo de virada na prorrogação para o Boca].

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Poy com Kempes (que demoraria até 1974 para chegar ao Central) na seleção. E em reencenações periódicas da jogada que o imortalizou

Soou o apito final. Labruna deixou de acariciar o anel de Danielito, o anel de ouro que pertenceu a seu filho [Daniel, levado precocemente pela leucemia em 1969] e que o acompanha sempre, “PORQUE SINTO QUE QUANDO ACARICIO O ANEL, DANIELITO ESTÁ COMIGO…”. E se abraçou com todos seus jogadores. Nesse campo onde havia dado a maior parte de suas nove voltas olímpicas, voltava a classificar-se com o Rosario Central para aspirar ao campeonato… cavalheiro como sempre, Ángel nos havia dito antes da partida:

-POR SORTE NOS CALHOU O VESTIÁRIO VISITANTE… O OUTRO TEM UM AZAR QUE VEM DESDE 1957… À NOITE O USOU O INDEPENDIENTE E JÁ VIU COMO LHE FOI…

Na vitória centralista teve participação o fator sorte, como ocorre sempre no futebol. Mas o Rosario Central soube ajudar a sorte com fé e com entrega total. Além das superstições, em Núñez ganhou uma missão cumprida à morte e uma convicção que não vacilou nunca”.

Conclusão do conto “19 de dezembro de 1971”, por Fontanarrosa

“E agora eu te digo, te digo e gostaria que me respondessem todos esses que agora dizem que foi uma filhadaputice o que fizemos com o velho Casale nesse dia. Gostaria que alguém dessa gentalha me respondesse se algum deles o viu como vi eu o velho Casale quando o árbitro deu por terminada a partida, irmão. Que alguém me diga se, de puta casualidade, viu o velho Casale como vi eu quando o árbitro deu por terminada a partida e o campo era um inferno que não se pode descrever em palavras. Te digo que gostaria que alguém me diga se alguém o viu como o vi eu. A cara de felicidade desse velho, irmão, a loucura de alegria na cara desse velho! Que alguém me diga se o viu chorar abraçado a todos como o vi chorar eu esse velho, que te posso assegurar que esse dia foi para esse velho o dia mais feliz de sua vida, mas de longe, longe, o dia mais feliz de sua vida, porque te juro que a alegria que tinha esse velho era algo impressionante!

E quando o vi cair no solo como fulminado por um raio, porque ficou seco o pobre velho, um pouco todos pensamos: ‘que importa? O que mais queria do que morrer assim esse homem! Ia seguir vivendo? Para quê? Para viver dois ou três anos arenosos mais, assim como estava vivendo, dentro de um armário, tratado feito lixo pela esposa e toda a família? Mais vale morrer assim, irmão! Morreu saltando, feliz, abraçado aos muchachos, ao ar livre, com a alegria de ter ganhado da Lepra pelo resto dos séculos! Assim que se tinha que morrer, que até o invejo, irmão, te juro, o invejo! Porque se alguém pudesse escolher a maneira de morrer, eu escolho essa, irmão! Eu escolho essa”.

Já o título dessa nota faz referência à que Alexandre Anibal assinou quando essa história fez 40 anos: clique aqui. Adiante, o Central seria mesmo campeão. A nota publicada nos 45 anos do troféu, em 2016, será devidamente relançada com revisões e atualizações, mas seu pode ser logo conferida clicando-se aqui.

Poy, que até vereador elegeu-se, puxa os aplausos aos colegas de 1971 no aniversário de 50 anos do lance – simulado agora de forma mais light pela idade do ídolo

https://twitter.com/RosarioCentral/status/1472401302730772481

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

2 thoughts on “Há 50 anos, uma pomba voava para nunca mais pousar

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