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César Luis Menotti, o técnico da Copa 1978 que a seleção teve graças ao Juventus-SP

 

Uma busca nesse 5 de novembro pelo twitter permitirá ver diversos tributos a César Luis Menotti no dia em que supostamente completa 80 anos. Mas um visitada no perfil oficial de El Flaco na mesma rede social (perfil que nos deu a inesperada honra de um like em nossa matéria dos 45 anos do título do “seu” Huracán de 1973) mostra diversos retweets dele a quem o parabenizou ainda em 22 de outubro. De fato, foi nesse outro dia que ele nasceu no ano de 1938, mas foi registrado somente no dia 5 do mês seguinte. De qualquer modo, vale relembrar alguns causos do primeiro técnico argentino campeão mundial. Coisa propiciada pelo Juventus da Mooca.

Jogando de vermelho na estreia pelo Rosario Central

Filho de Rosario, Menotti é de família centralista por parte de ambos os pais, o que não significou aprovação sem demoras à carreira de jogador. O caminho até a estreia é cheio de historietas anedóticas por si só, reveladas em entrevista que o treinador dera à revista El Gráfico de 2014 (na qual esclareceu que agradece igual a quem o parabeniza só em 5 de novembro…), incluindo a sua quase passagem pelo Huracán antes de trabalhar nele como técnico:

“Vinham me buscar a cada momento gente do Central e do Newell’s, mas meu velho os expulsava a chutes. Ele dizia que o futebol era para jogar entre amigos, era muito severo com o estudo. Me revisava tudo. Um dia, no primeiro ano, viu que eu havia tirado 4 em religião. ‘Tem que ser muito imbecil para tirar 4 em religião’, se enojou. (…) Me levaram para teste no Vélez e estive bem; Ángel Perucca [tricampeão pela seleção na Copa América nos anos 40], o técnico, queria que eu ficasse, mas não podia. Também vim ao Huracán, joguei uma partida do caralho, deu tudo certo comigo, e lembro que no chuveiro Coco Rossi [jogador da Copa de 1958] me agarrou e me disse: ‘pibe, nem pense em ficar aqui, que não há grana’. Não tinha alternativa, onde ia ganhar esse dinheiro que ganhava nos torneios de várzea? Tinha que manter minha mãe, minha casa”.

Eis como Menotti chegou ao Central:

“Estávamos uma manhã ressacados no balneário depois de ir dançar, e encontrei um professor da escola. ‘Que fazes, César? Quando virás ao Central?’. Eu lhe respondi que não podia, que na várzea me pagavam e no Central teria eu que pagar para jogar. ‘Hoje a escolinha do clube joga em Totoras, não quer vir?’, me atirou. Não queria, mas meus amigos começam: ‘beleza, vamos a Totoras, que tem uma onda impressionante, não sabes o baile que fazem aí, o que vamos fazer aqui?’. Estava morto, não havia dormido nada. E fomos. Me colocaram na escolinha do Central, meti os dois gols e ganhamos. Me chamaram para que fosse na quarta-feira jogar pelo time B contra o principal, já no estádio. E voltei a meter dois gols, um do caralho: um arremesso lateral, não me esqueço mais, ameacei mata-la, deixei passar e dei de voleio… se armou o bochicho. ‘Central está testando um ataque cordobês de sobrenome Fernández’, escreveu-se no jornal.

“Te escondiam porque nessa época se roubavam os jogadores entre Central e Newell’s se não assinasses… e eu não queria assinar, porque tinha que manter minha mãezinha. Para que te dê uma ideia, depois da morte do meu velho tivemos que alugar nossa casa por dois anos e fomos viver de favor com alguns familiares. Bom, a questão é que passaram uns dias e me chamou o presidente do Central, o velho Flynn. ‘Mas você quer ou não quer jogar no Rosario Central?’, me perguntou. E o matei: ‘como não vou querer jogar se sou torcedor do Central desde pequenino? Mas devo manter minha mãe e ganho 2 mil pesos na várzea’. Aí me olhou: ‘vou lhe dar 40 mil pesos pelo seu passe e 2.500 pesos por mês’. À merda! Não sabia nem o que era o passe. Meu Deus! Voltei para casa, e minha velha começou a chorar: ‘é o Rosario Central!’, me dizia, como se houvesse chegado na lua”.

Os clubes argentinos oficiais do Menotti jogador: Rosario Central, Racing (entre os brasileiros Luís Cláudio e Baptista, ambos ex-Santos) e Boca. Só foi bem nos dois primeiros

Enfim, como foi a estreia, que ele descreve como um dia mais feliz do que a noite em que venceu a Copa do Mundo:

“Terei jogado uns 6 ou 7 jogos pelo time B e logo saltei ao principal. Estreei na elite contra o Boca, ganhamos de 3-1. Jogamos com a camisa do Independiente, porque [o técnico Luppi] dizia que ele tinha o Boca de freguês e como devíamos usar a camisa reserva colocamos a vermelha e ganhamos. Não se pode comparar. Seis meses antes da estreia, era um garoto que jogava nas ligas do interior, um garoto cujo sonho de toda a vida foi que ganhasse o Rosario Central, e de um dia para o outro aparece parado no estádio do Central, que ganha de 3-1 e mete um gol. Impossível de comparar com nada”.

Mais sobre o Menotti jogador

Menotti estreou pela 12ª rodada do campeonato de 1960, em 31 de julho. Seu gol foi o último do 3-1 sobre o Boca, marcado já aos 44 do segundo tempo. Outro a marcar pelo Central naquela ocasião era brasileiro: Antônio Rodrigues, irmão do ídolo palmeirense Francisco Rodrigues “Tatu” (que fora à Copa do Mundo de 1954), que também fazia parte do elenco canalla. Menotti era aquele clássico camisa 10 argentino habilidoso nos passes mas aparentemente lento (sem falsa modéstia, na entrevista de 2014 ele disse que lembrava Riquelme). Marcou outros quatro gols naquele campeonato, em que o Central terminou em 8º.

Em 1961, já foram 14 gols por um time que ficou só em 13º, a só dois pontos do rebaixamento. Em 1962, 15 gols pelo 6º colocado. Em 1963, foram 13 gols, incluindo sua única tripleta registrada, no 3-2 sobre o Gimnasia LP, além de dois em 3-0 sobre o Boca. Também marcou o único do 1-0 sobre o campeão Independiente dentro de Avellaneda, o único de outro 1-0, sobre o vice River. O Central só terminou em 10º, mas El Flaco chamou a atenção da seleção: antes de servi-la como treinador, a defendera como jogador em sete ocasiões entre 15 de agosto de 1962, já após a Copa do Mundo, e 29 de outubro de 1963, justamente quando marcou seu único gol pela Albiceleste, em derrota de 3-2 para o Paraguai em Buenos Aires. Nesse intervalo, disputou a Copa América de 1963.

Não era uma época boa para a seleção: “era uma vergonha: cada vez que me convocavam era um técnico diferente. Me calhou a pior época do futebol argentino, quando virou moda equipes que lutavam, um futebol de merda, era bravo se sobrepor”. Mas Menotti também despertou a atenção de River e Racing, que na época era o clube argentino mais vezes campeão. No River, atuou em amistoso beneficente em novembro de 1963, contra a Juventus (a de Turim mesmo). Já no Racing, curiosamente, compartilhou elenco com muitos jogadores que, como ele, também foram/seriam santistas: o goleiro Agustín Cejas (que iria à Vila em 1970), o ponta Dorval e os obscuros Benedito Baptista e Luís Cláudio, que vieram no mesmo pacote que incluira o renomado Dorval.

Foi de Menotti, inclusive, o gol racinguista na derrota amistosa de 2-1 entre as duas equipes, em jogo também previsto na negociação. No campeonato de 1964, El Flaco manteve a média e anotou 12 gols, incluindo um em Clásico de Avellaneda e um no “rival pessoal” Newell’s, em vitória de 1-0: era uma conta pessoalmente pendente, pois durante o período de 1960-63 os rubronegros estavam na segunda divisão, impedindo que o meia desfrutasse do Clásico Rosarino. A Academia ficou em 6º, uma posição enganosa, pois esteve a um gol de possuir o melhor ataque da competição. Assim, Menotti foi contratado pelo campeão, o Boca.

Como jogador, Menotti já havia defendido a seleção – o jogador em pé mais à direita é outro futuro santista, o zagueiro Ramos Delgado. No River, só jogou amistosos

Nos xeneizes, porém, não se firmou, ainda que tenha vencido o primeiro título da vida, o campeonato de 1965 – onde só participou de seis jogos, com um único gol – justo contra o Rosario Central, em um 2-2 pela 20ª rodada. Em 1966, novamente subaproveitado, marcou cinco gols no campeonato argentino (o Boca ficou em 3º, mas longe do líder Racing), um deles em 1-1 em visita ao “rival pessoal” Newell’s, mas não foi aproveitado na Libertadores. Voltou ao Central para 1967. O clube ficou a 1 ponto da classificação aos mata-matas do Metropolitano e em 4º no Nacional, mas sem gols do velho maestro.

Decadente, Menotti foi jogar no escondido futebol dos EUA. Ali, marcou gol de verdadeira zebra do seu New York Cardinals, que venceu por 5-3 o celebrado Santos. Foi o trampolim para a obscura passagem do argentino pela Baixada – pois só entrou em campo uma vez, em amistoso no interior paranaense contra o Cianorte, partida por vezes minimizada como mero jogo-treino. A estadia serviu ao menos para testemunhar aquele que considera o maior jogador da história (“sem dúvidas. Quando se fala de futebol, desconsidero Pelé, porque é um extraterrestre, de outro planeta. Fui seu colega no Santos, o enfrentei várias vezes também, e era uma coisa de loucos. Saltava para cabecear e Rattín, que é muito alto, subia até os bagos dele. Impossível”).

Por outro lado, não vingar no Santos propiciou de algum modo que a Argentina tivesse seu técnico de 1978. Afinal, encostado no Peixe, Menotti foi repassado ao Juventus da Mooca. Foram oito partidas pelo Moleque Travesso no Paulistão, três entre 16 de abril e 1º de maio e outras cinco após um período lesionado, jogando entre 15 de junho e 12 de julho. Marcou seus dois únicos gols no 4-1 sobre o São Bento, na Rua Javari, um de falta e outro de bicicleta, segundo um relato detalhado no Portal da Mooca

O relato do Portal acrescenta ainda que ele se isolava com seus cigarros e tangos nas viagens de ônibus e que ainda deu uma genial assistência na estreia, empatando provisoriamente um vexaminoso 6-1 sofrido para o Palmeiras, e outra no jogo seguinte, um 2-1 no “clássico” com a Portuguesa. Na terceira, contra o São Paulo, sofreu a lesão ao ser chutado maldosamente por Terto.

Como o Juventus criou o Menotti treinador

O mesmo relato do Portal da Mooca frisa que Menotti, alegando razões familiares, retornou a seu país antes do fim do contrato e o clube recusou-se a conceder-lhe o passe, o que só faria exatamente após a Copa de 1978, em tributo ao ex-jogador. De fato, Menotti contou história exatamente nesse sentido; em resumo, ele chegou à seleção pelo grande passo no Huracán, levando-lhe a um título vistoso após 45 anos de jejum. Chegou ao Huracán credenciado pelo trabalho no Newell’s. Chegou ao Newell’s após ser obrigado a parar de jogar pelo Juventus.

Menotti ainda jovial no Huracán de 1973, clube em que deixou os cabelos crescerem, e na Argentina de 1978 (junto com o auxiliar Saporiti), envelhecido aceleradamente pelo cigarro em cinco anos

Eis a seguir esses detalhes, na versão dada em outra revista El Gráfico, que celebrou o centenário huracanense de 2008; o relato só tem uma discrepância em relação ao do portal; segundo o argentino, ele jamais teve o passe devolvido de novo pelos grenás…

“É insólito como eu cheguei ao Huracán. Porque eu decidi deixar o futebol para não voltar ao Brasil, não queria mais. Eu, nessa época, jogava no Juventus de São Paulo, que ainda têm o passe. Sempre brincam igual, me lembro que mandaram me lembrar disso quando fui campeão do mundo… não me deram nunca mais o passe… bem, eu queria seguir jogando um ano aqui, na Argentina, mas tive que parar de jogar. Então, tinha uma agência de carros em Rosario e os jogadores sempre passavam por aí, para falar de futebol, para cumprimentar… justo nesse tempo, o Newell’s estava fazendo uma reestruturação. E como tinha gente amiga no clube, vieram me ver para que fosse treinador. Eu lhes disse que não, era muito jovem e amigo de todos os jogadores, parecia muito apressado; eu tinha meus 31, 32 anos. E ocupo o cargo de secretário técnico do Newell’s. Fui o primeiro secretário técnico da história do futebol argentino! Ainda não sei bem o que quer dizer isso”.

Sim, Menotti, apesar do fanatismo pelo Central, trabalhou no rival. Na entrevista de 2014, relativizou a “traição” (“eu sou muito rosarino. Para mim, Rosario é uma cidade diferente. E se jogam Central x Newell’s, óbvio que quero que o Central ganhe, mas se jogam Newell’s x Boca, já fico meio rosarino. Além disso, nessa época estava chateado com o Central, e o Gitano tinha que trabalhar”) e deu mais detalhes; recusando o cargo de técnico, pediu para ser assistente enquanto indicou alguém que entendia mais capacitado para ser o treinador, Miguel El Gitano Juárez, homem que marcara o gol da vitória da Argentina no 2-1 sobre o Brasil no Maracanã na estreia de Pelé (em 1957) e com quem jogara no Central:

“Eu tinha um amigo arquiteto, Valenti, que havia vencido as eleições no Newell’s e veio falar comigo para que fosse o treinador. Não queria ser treinador, mas Valenti insistiu: ‘por que, então, não me ajudas a armar a equipe?’. Gostei disso. ‘E o treinador, quem será?’. Não duvidei: ‘El Gitano‘. Treinava o Platense e aceitou em seguida. Armamos um time que foi uma loucura, foi a base da equipe que uns anos depois sairia campeã [em 1974, no primeiro título argentino da Lepra, justamente sobre o Central]”. Menotti não só foi auxiliar, como por vezes constou em súmulas como técnico do Ñuls, em trabalho interino na 5ª à 9ª e depois da 13ª à 16ª rodadas do Nacional 1970. O que incluiu até um Clásico Rosarino (nada auspicioso: Central 4-1).

E o trabalho no Newell’s com Juárez iniciou a relação com a dirigência do Huracán: “começo a armar a equipe com ele,  quando estávamos nisso, surgiu um problema de dinheiro. O assunto era com jogadores emprestados do Huracán. E com quem tenho que me reunir? Com Luis Seijo, que era o presidente do Huracán. Assim, nos encontramos em Rosario. Me lembro que veio com a secretária. E cada vez que falávamos, ele dizia à secretária: ‘vês? Este é o técnico que deveríamos ter trazido ao Huracán…’. Nesse momento, estava Osvaldo Zubeldía. O papo é que fizemos um negócio, nos dão uns 2 milhões e armamos um timaço. Nesse ínterim, El Gitano teve um princípio de infarto. Assim, assumo interinamente a equipe. Dirijo quatro ou cinco jogos e, justo nesse momento, Zubeldía sai”.

Com Pelé, ex-colega de Santos. Menotti está entre os argentinos que preferem ele a Maradona e Messi

Zubeldía era o técnico do Estudiantes tri seguido da Libertadores entre 1968-70, equipe até então de porte médio enquanto o Huracán possuía pressões altas próprias a um clube outrora visto como “sexto grande” mas que há quase meio século não era campeão. Assim, não durou. “Então, Seijo veio me buscar e começamos a falar… ele era muito sedutor, mas queria fazer um time sério. El Gitano me disse: ‘tens que ir, Zubeldía é outro estilo, tens que ir, porque com esses jogadores que têm – estavam El Bambino Veira, Doval, Rendo – te cairá bem’. Assim que vou em 1971 e armo as estruturas. Vários vão embora: Veira, Rendo, Doval… o certo é que cheguei ao Huracán de um modo insólito”.

Humilde, Menotti, na mesma revista de 2008, também diria que a chegada à seleção foi puramente casual, a despeito de naturalmente credenciada pelo título com belo futebol daquele Huracán de 1973: “foi porque David Bracuto, que era o presidente do Huracán, passou à presidência da AFA em 1963. Se não, sei lá… havia problemas com os técnicos mais renomados [nota: foram nove técnicos diferentes, entre 1967 e 1974, incluindo Renato Cesarini, Humberto Maschio, Adolfo Pedernera, Juan José Pizzuti e Omar Sívori] e então chamaram a mim. A causalidade se dá pelos resultados. Se o Huracán não tivesse sido campeão, não acontecia nada”.

E se o Juventus não tivesse dado o passe, talvez nada acontecesse também. Jorge Olguín, o jogador do San Lorenzo mais vezes utilizado pela seleção argentina, era resistido por público e crítica mas teve suas chances na seleção graças a Menotti, que o transformou de zagueiro em lateral; Olguín, que batizaria de César o filho nascido em 1978 em homenagem ao técnico, explicaria: “era um adiantado em tudo. Hoje em dizia fazem coisas que ele começou conosco, como os [treinos em espaços] reduzidos, marcar em cima, fazer a roda de bobinho… Menotti provocou uma inflexão na história da seleção, no que representa no mundo. Assim que assumiu, o cachê era de 15 mil dólares, depois do Mundial passou a 500 mil. Íamos afora e nos respeitavam de outra maneira”.

Como declararia o assistente de Menotti em 1978, Roberto Saporiti, outro com passagem obscura pelo Brasil (jogou uma partida pelo Atlético Mineiro, nos anos 60): “Menotti não inventou o futebol, mas inventou a seleção argentina. Foi o primeiro que teve um contrato de quatro anos e se juntou com gente capaz, profissional, talentosa. Não por acaso teve o preparador Ricardo Pizzarotti ou Rogelio Poncini como ajudante de campo; ou Rodolfo Kralj, que dominava seis idiomas; ou o Dr. Rubén Darío Oliva, que era um extraordinário profissional. Menotti deu um método de trabalho à seleção que não descuidou nenhum detalhe”.

Um dos antecessores de Menotti, Humberto Maschio concorda: “na minha época, ninguém queria ir à seleção. Sofri como técnico da seleção, me custava levar os jogadores, me diziam que não podiam. Não havia seridade nem continuidade. Menotti deu o prestígio”.

Ah, a entrevista de 2014 também explica detalhes do visual de Menotti em 1978: os cabelos compridos vistos na seleção começaram no Huracán, por uma brincadeira de que só iria corta-los após a equipe engatar um período de invencibilidade – conseguiu e preferiu descumprir a promessa, gostando da nova aparência. Por outro lado, apenas meia década se passou entre o Huracán de 1973 e a seleção de 1978, mas o jovial técnico huracanense parecia já outra pessoa no título mundial. Culpa do cigarro: “aí eram 2 ou 3 maços por dia. No Huracán tinha cara de moleque, até jogava com eles nos treinos. Depois, na seleção, vieram todos os anos em cima”.

Após 1978

Menotti, que diz que a estreia como jogador do Central o fez mais feliz que o título mundial, também disse na entrevista de 2014 que o título mundial juvenil de 1979 também lhe contentou mais do que a Copa: “eles seguem sendo meus garotos. Nunca desfrutei tanto de uma equipe. Com Ramón (Díaz) e com Diego (Maradona), trabalhei muito desde pequeninos. Lhes dizia que eram Pelé e Coutinho. Essa equipe era especial, deleitava até nos treinos”.

Como técnico, Menotti foi e voltou ao Boca após treinar o River: coisa raríssima. Os três jogadores do Boca (Jorge Rinaldi, Carlos Tapia e Fernando Gamboa) também são vira-casacas, assim como o primeiro em pé e o primeiro agachado do River (Gerardo Reinoso e Jorge Higuaín, pai de Gonzalo)

Desde então, porém, Menotti só ganhou a Copa do Rei e a Supercopa de 1983 no Barcelona – o que não era pouco na época, pois entre 1960 e 1990 os catalães só ganharam duas vezes o campeonato espanhol. “sempre que tive tempo, armei boas equipes, não sirvo para ciclos curtos, mas tampouco posso ficar em lugares nos quais me dou conta de que me equivoquei. Além dos títulos, por onde passei, sempre deixei muitíssimos jogadores de futebol. No Central, venderam quase os 11 e estavam últimos antes que chegasse, no Independiente o mesmo. A única coisa que dou importância no futebol é poder tirar um defeito ou agregar algo no jogador. Esse é o prazer maior para mim. De repente ver que o cara que jogava mal, joga bem. Para mim, isso não tem preço”.

Além do Barcelona, Menotti, no exterior, também trabalhou no Atlético de Madrid, no Peñarol, seleção mexicana, Sampdoria, Puebla e Estudiantes de Guadalajara. Não conseguiu sequência em parte por não exercer nos atletas nativos a mesma aura respeitosa angariada entre os argentinos, que assumem que a grande virtude dele é ser um técnico enormemente motivador e de fala fácil – o “Frank Sinatra dos técnicos”, segundo o jogador com mais partidas no futebol argentino, o goleiro Hugo Gatti, comandado pelo Flaco no Boca.

Sergio Batista, por sua vez comandado por Menotti no River, teorizou: “Menotti em 5 minutos de transmite o que outros podem demorar 5 dias. Talvez sua falha seja que quando convenceu o dirigente, o torcedor e o jogador, perca a motivação por não poder motivar mais. Por isso, suas equipes duram sete ou oito rodadas”. Sim, Menotti está em um grupo seletíssimo: daqueles que serviram River (ainda que por um amistoso), Boca e seleção tanto como jogadores como quanto treinadores. Só ele e José Manuel Moreno, considerado o maior nome do futebol argentino na primeira metade do século XX, conseguiram.

Menotti conseguiu ainda outra raridade: ir e voltar ao Boca após passar pelo River (por exemplo, entre os jogadores só houve um caso no profissionalismo, o de Carlos Randazzo). Sua primeira passagem como técnico do Boca durou o primeiro semestre de 1987. O time estava em 14º e conseguiu sete vitórias seguidas, chegando inclusive a liderar na 34ª rodada, mas perdeu fôlego na reta final. O treinador só saiu por vontade própria, ao alegar problemas pessoais.

Um ano depois, aparecia no River para a temporada 1988-89, em um pacote de reforços renomados. Eram dezesseis jogadores, incluindo Sergio Batista e Claudio Borghi, ambos campeões da Copa de 1986, assim como o veterano ídolo Daniel Passarella, que suspendera temporariamente a aposentadoria. Também vinham Carlos Enrique (lateral do Independiente campeão pela última vez da Libertadores e Mundial, em 1984, e irmão de outro vencedor da Copa de 1986, Héctor Enrique), Jorge Higuaín (diretamente do rival Boca, zagueiro pai de Gonzalo), Jorge Rinaldi (outro ex-Boca), além de Julio Zamora, Fabián Basualdo e Abel Balbo, três recém-campeões de 1988 com o Newell’s.

Ali, Menotti não foi bem. Estreou com duas derrotas, incluindo um 2-0 em pleno Monumental para o Boca. Houve algum acerto depois, mas o mais próximo que o elenco esteve das cabeças foi um terceiro lugar na 31ª rodada, a sete pontos do futuro campeão Independiente. Mas Batista afastou responsabilidade do comandante: “a culpa tivemos os jogadores. Nos víamos todos como caciques e se não tens índios que trabalhem, não dá”. El Flaco voltou ao Boca no fim de novembro de 1993, na 12ª rodada do Apertura. O clube vinha até então com só seis gols marcados. Veio então uma sequência de bons resultados, com um 6-0 no Racing (então líder do torneio) sendo o mais notável.

O Boca, embora nesse mesmo período tenha perdido de 6-1 para o Palmeiras e ficado na lanterna de seu grupo na Libertadores de 1994, saltou naquele Apertura 1993 (finalizado só em março de 1994) para uma colocação a dois pontos do campeão River. Menotti, murchou depois no Clausura e no Apertura válidos por 1994, ainda que tenha levado o clube à decisão da Supercopa, mas não sobreviveu a um 3-0 sofrido em casa para o River na Bombonera pelo Apertura.

El Flaco, que não se inibiu em trabalhar por Rosario Central e Newell’s e por Boca e River, também não viu problemas em assumir por três vezes o Independiente (1996-97, 1998-99 e 2004, a única em que não foi bem) após ter jogado pelo Racing. Ele é o único vira-casaca nas três rivalidades mais expressivas do país. Em um clube tão vitorioso como o Rojo, Menotti é provavelmente o técnico não-campeão mais querido na história do clube. Teve dois vices argentinos, em 1996 e 1999, e um enganoso 4º lugar no Clausura 1997, no qual liderava a quatro rodadas do fim, após ultrapassar o então líder Colón vencendo-lhe por 6-0.

A goleada sobre o Colón, em junho, foi o último jogo do torneio antes da pausa para a Copa América. Menotti já tinha contrato com a Sampdoria e rumou ao time italiano, com o Clausura só sendo retomado em meados de julho. El Flaco ainda teve uma passagem pelo Rosario Central de março a novembro de 2002. O clube vinha de um 16º lugar no Apertura 2001 e repetiu a posição no Clausura 2002, perigando nos promedios, com o técnico chegando como bombeiro no decorrer desse torneio. Não conseguiu ir muito além no Apertura 2002. O time ficou em 13º, mas encerrou um jejum de 22 anos sem vencer na casa do Newell’s o Clásico Rosarino. Com a mesma base deixada por ele, porém, o Central ficaria em 4º no Clausura 2003, se classificando à Libertadores 2004.

Atualmente, ele é gerente da seleção argentina. Como deveria ser sempre.

O clube ao qual mais se associonou como técnico foi o Independiente: entre José Luis Calderón e Jorge Burruchaga com um troféu amistoso do “melhor futebol”; após golear por 6-0 o Colón com “o futebol que o povo gosta”; e com outro ex-santista, o colombiano Alveiro Usuriaga

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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