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Elementos em comum entre Atlético Mineiro e River Plate

Após ter despachado o Boca nas oitavas-de-final da Libertadores, é a vez do Atlético Mineiro encarar o River nas quartas, o que faz remontar especialmente o ano de 1978. Foi quando os alvinegros juntaram-se à dupla pesada argentina no triangular-semifinal da Libertadores. Até 2021, os encontros com o Millo se resumiram àquelas semifinais e a um amistoso em setembro de 1985 encerrado em 1-1 no Mineirão. Curiosamente, não é incomum encontrar quem tenha defendido precisamente esses três clubes.

Em 1978, Galo e Gallinas se cobravam na Libertadores pelos recentes títulos dos grandes rivais: justamente sobre o River é que o Cruzeiro fora campeão pela primeira vez, em 1976. E justamente sobre o Cruzeiro é que o Boca também conseguira seu primeiro título, em 1977. Em agosto de 1978, o Boca então faturou o Mundial Interclubes ainda válido por 1977, enquanto o River ria amarelo com o Torneio Villa de Madrid, sobre o Atlético “de lá”. A Libertadores começou em setembro, juntamente com o campeonato mineiro – o primeiro do hexacampeonato alvinegro, a maior sequência estadual do Galo. Em La Copa, contudo, nem ele e nem o River ririam por último.

O triangular foi aberto na Bombonera pelo duelo argentino, encerrado em 0-0. O Atlético então ziguezagueou: mesmo no Mineirão, perdeu do Boca (2-1), para em seguida cair no Monumental pelo placar mínimo, gol de Juan José López. No mês de outubro, o Boca novamente derrotou os brasileiros, contando até com gol contra de Toninho Cerezo na Bombonera nos 3-1. Mesmo já eliminado, o Galo devolveu o 1-0 millonario, com Paulo Isidoro anotando o triunfo mineiro em Belo Horizonte. Isso forçou o River a derrotar o arquirrival na rodada final para forçar um Superclásico extra. Mas, mesmo no Monumental, o Boca recém-campeão mundial (em agosto) prevaleceu por 2-0 e seguiu firme rumo ao bicampeonato em azul y oro daquela Libertadores.

O maior campeão argentino e o maior campeão mineiro têm diversos anos de títulos em comum nessas duas esferas: 1932, 1936, 1941, 1942, 1947, 1952, 1953, 1955, 1956, 1979 (quando o River ergueu tanto o Torneio Metropolitano como o Torneio Nacional, que dividiam o calendário argentino), 1980 (Torneio Metropolitano), 1981 (Torneio Nacional), 1986 (em que o Millo também levantou sua primeira Libertadores e seu único Mundial), 1991 (Apertura), 1999 (Apertura) e 2000 (Clausura). O Galo também foi campeão mineiro em 2012, quando a Banda Roja venceu a segunda divisão; em 2015, ano de Recopa Sul-Americana para o River; e 2017, ano de Copa Argentina.

Lance do gol do River no Monumental nas semifinais da Libertadores de 1978. Autor do gol, Juan José López é o argentino mais ao centro

Ambos foram campeões continentais em 1997 (em que o River também faturou tanto Clausura como Apertura), e em finais “brasentinas”: o bairro de Núñez festejou a última Supercopa, sobre o São Paulo, enquanto o Atlético isolou-se como maior vencedor da Copa Conmebol em tira-teima com o Lanús. A Supercopa foi por 17 anos a última conquista continental millonaria, até 2014 render a Sul-Americana juntamente com o primeiro título argentino desde o regresso à elite. No mesmo ano, o Galo levou a Copa do Brasil. E há ainda o ano de 1937, em que o River venceu a liga argentina enquanto o Atlético faturou a esquecida Copa dos Campeões, a reunir os vencedores estaduais do Sudeste no ano anterior.

Antes de relembrarmos quem passou pela dupla, vale uma correção que isso não se aplica ao uruguaio Ondino Viera, técnico atleticano nos anos 50 e comumente mencionado como treinador do River entre 1936 e 1937 – quando na verdade o Millo, bicampeão nesses anos, tinha no húngaro Imre “Emérico” Hirschl o seu real técnico, ao passo que Viera trabalhava no Nacional (veja aqui sua lista completa de partidas pelo tricolor uruguaio, abrangendo aquele período). Viera nunca esteve no River, apesar da versão muito divulgada de que teria bancado a listra diagonal do Vasco inspirado por um trabalho prévio no clube argentino.

Por outro lado, quem esteve muito perto de ser o nome mais conhecido a passar pelos dois clubes foi ninguém menos que Toninho Cerezo, que dispensa apresentações pelo que fez no Atlético. No início de 1981, ele não só vestiu a camisa branca com a Banda Roja como o registro fotográfico da ocasião virou capa da revista El Gráfico. O River procurava reagir pesadamente à ida de Maradona ao Boca e já havia garantido Mario Kempes.

Não seria uma contratação tão fora do comum na época a de um brasileiro renomado em direção ao futebol argentino, em tempos de mais paridade técnica, financeira e de prestígio entre as liga e o cotidiano de lá e na Europa. Colega de Cerezo na seleção de 1978, Rodrigues Neto viera brilhar no Ferro Carril Oeste em 1979, mesmo ano de Mário Sérgio no Rosario Central; já naquele 1981, o Talleres teve Júlio César “Uri Geller” enquanto o Independiente interessou-se abertamente pelo então goleiro Emerson Leão.

Curiosos registros de Toninho Cerezo negociando seriamente com o River em 1981 como resposta à ida de Maradona ao Boca. Mas o brasileiro terminou renovando por mais um ano com o Atlético

Além de Kempes, a fúria millonaria renderia negócios também com René Houseman (colega de Kempes na seleção de 1978), o veterano goleirão Agustín Cejas (como reserva de luxo de Fillol, é verdade) e Juan Carlos Heredia, argentino que chegara à seleção espanhola por brilhar no Barcelona, ainda que essa outras novidades não tenham vingado em Núñez. Nem o brasileiro: à El Gráfico, Toninho se dispôs a aceitar alguma proposta que não fosse inferior às que recebera de Napoli, Milan e Internazionale. Esclareceu abertamente que, em condições financeiras iguais, abraçaria o projeto argentino pela maior proximidade geográfica com sua casa na hora de folgas. Vale contextualizar também que o Brasil não convocava quem jogasse na Europa – isso ainda demoraria um ano para mudar, com Falcão voltando após dois anos ausente desde que fora à Roma e com Telê Santana admitindo para a Copa do Mundo também Dirceu, do Atlético de Madrid.

Como se sabe, a carreira no exterior de Cerezo se daria mesmo na Itália, ainda que em nenhum daqueles três clubes inicialmente interessados. É que o Galo achou pouco a proposta de 4 milhões de dólares (nada mal para a época: é metade dos 8 milhões com que Maradona fecharia com o Barcelona dali a um ano, no que foi o negócio mais caro da história do futebol até então) por um titular da seleção brasileira, usando como base proposta superior oferecida pelo Olympique de Marselha ao reserva canarinho Edinho. E , em tempos de forte lei do passe, Cerezo terminou por renovar com os mineiros para então ir à Roma após a Copa do Mundo – transferência que, de outro lado, o tirou por três anos da seleção, em tempos em que ir à Europa ainda mais atrapalhava do que ajudava.

Na via inversa, como ícone millonario que quase chegou ao Atlético, ninguém menos que Marcelo Gallardo foi dado como “98% certo” como a grande contratação do centenário do Galo, no início de 2008. O atual treinador do River estava em baixa em um Paris Saint-Germain então decadente, mas desacordos salariais brecaram a transferência e El Muñeco terminou na emergente MLS, fechando com o DC United. Para o seu lugar, a diretoria alvinegra então foi atrás de outros meias veteranos – primeiramente, Roger Flores, até acertarem com o sérvio Dejan Petković.

Eis, enfim, quem passou pelos dois:

Jenő Medgyessy: no Brasil, ficou mais conhecido como Eugênio Marinetti, imigrando da sua Hungria ao Brasil ainda nos anos 20. Começou no Botafogo a sua trajetória em equipes sul-americanas e já havia passado pelo Fluminense quando apareceu em 1928 no Atlético. Calhou de pegar inicialmente o início da ascensão palestrina, com o futuro Cruzeiro levantando seus três primeiros títulos estaduais exatamente entre aquele ano e 1930. O húngaro só conseguiu o Torneio Início de 1928 e saiu em 1931 ainda antes da campanha campeã dos alvinegros. Ele chegou à Argentina em 1933 para trabalhar no San Lorenzo, comandando o início da campanha campeã dos azulgranas antes de, em atrito com os comandados, assumir o Racing no decorrer do torneio. Ele em seguida apareceu no River em 1934. Sem tirar o endinheirado elenco da irregularidade de um quarto lugar, não permaneceu para a temporada seguinte. A diretoria optou por trazer outro húngaro, justamente o citado Hirschl.

Os paraguaios Cáceres e Fabbro, que também defenderam o Boca

Julio César Cáceres: o paraguaio esteve no segundo semestre de 2005 no Brasil, emprestado pelo Nantes. Foi um oásis no rebaixamento atleticano: enquanto o clube caía, a Placar reconhecia ele como o terceiro melhor zagueiro na eleição da Bola de Prata – perdendo nos critérios de desempate para o conterrâneo Gamarra. No início de 2006, os franceses direcionaram o empréstimo ao River. O Millo desleixou-se do Clausura para manter a escrita de sempre ser finalista da Libertadores em anos terminados em 6. Mas a inquestionável classificação sobre um turbinado Corinthians foi sucedida pelo anticlímax de cair diante do Libertad nas quartas-de-final. Cáceres foi à Copa do Mundo da Alemanha como riverplatense, mas só aceitou permanecer em Núñez sob compra definitiva. Seu único semestre por lá não foi um problema para ele virar a casaca já em 2008, faturando pelo Boca a Recopa e o Apertura. E o bom desempenho individual em Minas seguia fresco em 2010, quando ele foi recontratado pelo Atlético. Faturou o estadual, mas durou somente aquele ano.

Jonathan Fabbro: chegou ao Boca em 2002 e nunca se firmou. Estava relegado ao time B em meio às campanhas do dourado 2003, ou na equipe reserva que se desleixou no Clausura enquanto os titulares se focavam na Libertadores. Ironicamente, integrou o Once Caldas campeão sobre o próprio Boca na Libertadores seguinte. Ele chegou ao Atlético para a segunda divisão em 2006, mas sequer chegou a cinco partidas. Anos mais tarde, se naturalizou paraguaio, estreando pela Albirroja na esteira das semifinais da Libertadores 2011 com o Cerro Porteño – tendo até breve passagem pelo River na temporada 2013-14, emprestado pelo Cerro. Não vingou e perdeu lugar até na seleção. E sua carreira ultimamente se ligou mais a notícias policiais do que a esportivas, após ter prisão decretada no México por abuso sexual da afilhada.

Juan Cazares: o equatoriano reforçou o River ainda como juvenil em 2010, sem tomar parte da temporada do rebaixamento – só estreou no time adulto em dezembro de 2011, um semestre após a queda. Mas ficou mais relegado ao sub-20, onde foi campeão e destaque da Libertadores da categoria em 2012. Não bastou para ganhar lugar na equipe principal: em março de 2013, acertou um retorno ao Barcelona de Guayaquil, onde se formara. Foi o primeiro de sucessivos empréstimos negociados pelo River, que enfim o vendeu em 2016 ao Atlético Mineiro sem nunca realmente aproveitar o meia-atacante. Cazares passou quatro temporadas de altos e baixos no Galo; ergueu o estadual em 2017 e 2020, mas conviveu também com lesões e perda de posto na boa fase atleticana sob Jorge Sampaoli. Ainda em 2020, rumou ao Corinthians.

Em Minas, o equatoriano Cazares chegou a ser colega de Andrade

Lucas Pratto: artilheiro maturado no último Vélez campeão argentino, veio ao Atlético em 2015 e virou sucesso instantâneo ao manter aquela boa fase, faturando o estadual e a Bola de Prata no Brasileirão na campanha vice-campeã nacional. Em 2016, tornou-se o primeiro jogador a servir a seleção argentina como atleticano, em meio à campanha finalista da Copa do Brasil. Calculou mal uma transferência ao São Paulo em 2017, perdendo terreno na Albiceleste e passando longe de ir à Copa de 2018. Numa última tentativa de voltar à seleção, El Oso embarcou para o River no início daquele ano, como a mais cara contratação da história do clube. Demorou a engrenar, mas se imortalizou em dezembro ao marcar nas duas finais da Libertadores e forçou ainda o gol contra que empatou a partida de ida contra o grande rival – onde havia se formado e nunca aproveitado. Desligou-se do River na última semana, após uma temporada emprestado ao Feyenoord, despedido sob emocionada gratidão eterna da torcida millonaria a despeito dos números friamente pouco artilheiros pela Banda Roja.

Tomás Andrade: armador promovido da base aos 20 anos em 2016, teve bons lampejos de quem era comparado a um “novo D’Alessandro”, sem que se firmasse totalmente. Assim, foi emprestado em 2018 ao Atlético Mineiro. Ele gradualmente perdeu lugar ao fim do primeiro semestre e em 2019 teve o empréstimo redirecionado ao Athletico Paranaense e, em 2020, ao Argentinos Jrs, até ser vendido em 2021 aos uruguaios do Sud América.

Ignacio Fernández: revelado pelo último Gimnasia LP que lutou pelo título argentino (justamente contra o River, no Torneio Final de 2014), Nacho chegou a Núñez no início de 2016 para reforçar os então campeões da América. Embora não se firmasse na seleção, resumido a um amistoso em 2017, tornou-se um dos principais nomes da Era Gallardo, no meio-campo com Leo Ponzio e Pity Martínez. Embora mais notado pelas assistências, como a para o gol do empate de Pratto na final de Madrid (a comemoração conjunta de ambos consta na imagem que abre essa matéria), marcou poucos mas bons gols pelo Millo: deixou o dele em duas finais de Copa Argentina (2017 e 2019) e na Recopa Sul-Americana de 2019. Nacho Fernández chegou tarimbado ao Atlético em 2021 como uma das maiores contratações do Galo. Por hora, reforçou a idolatria no ex-clube ao converter sua cobrança na decisão por pênaltis contra o Boca na fase anterior dessa Libertadores.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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