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40 anos do título argentino do Boca de Maradona

Originalmente publicado no aniversário de 35 anos, em 2016

Estatisticamente, o título do Metropolitano de 1981 já seria especial. Foi a única taça argentina que o Boca levou entre 1976 e 1992, e uma das duas entre 1976 e 1998. Dado ofuscado pela faceta mais famosa da conquista, a única não-individual que Diego Armando Maradona conseguiu no futebol argentino – a ponto de ofuscar ainda outro acontecimento histórico naquele 15 de agosto de 1981, o primeiro rebaixamento de um gigante no país, o do San Lorenzo. Dieguito chegara em fevereiro e justificou toda a comoção causada. O Boca passou a ser “um time de briga, talento e Maradona”, nas palavras da Placar, na edição seguinte àquele troféu.

Em 1980, encerrava-se um ciclo no Boca: após vinte anos, Alberto Jacinto Armando deixava a presidência – não por acaso, o cartola é o nome oficial da Bombonera. O clube havia estagnado desde que vencera a Libertadores em novembro de 1978, uma campanha que até justificava a eliminação na primeira fase no Torneio Nacional daquele ano. Mas foi eliminado na primeira fase também no Metropolitano de 1979, no Nacional de 1979, ficou em 7º no Metropolitano de 1980 e caiu outra vez na fase de grupos do Nacional de 1980. Para piorar, esses últimos três torneios foram ganhos pelo River.

O Boca já vinha namorando Maradona, rendendo uma curiosidade: ainda em outubro de 1980, em amistoso no interior contra o Acerias Bragado, um dos presentes em campo foi Guillermo Cóppola. Ele era empresário de alguns jogadores do elenco, que o convidaram a entrar. E era também o empresário de Maradona, ainda no Argentinos Jrs, onde o craque somava sua quinta artilharia no campeonato argentino, um recorde profissional – e nem tinha 20 anos. No Metropolitano de 1980, o Argentinos teve seu lugar mais alto no pódio até então, sendo vice. E no Nacional de 1980, sapecou um 4-3 e um 5-2 no Boca, partida esta em que Maradona marcou quatro (saiba mais).

O empréstimo foi assinado em 19 de fevereiro de 1981 e no dia seguinte as duas equipes travaram um amistoso para simbolizar a transferência, com Maradona atuando um tempo por cada um, logo marcando seu primeiro gol como xeneize: detalhamos neste outro Especial. Outros dois dias depois, começou o Metropolitano de 1981. Para responder, o River, que tentou Toninho Cerezo, logo traria, também sob empréstimo, o único que rivalizaria em idolatria: Mario Kempes. Já os reforços do Boca não se resumiam a El Diez. O primeiro reforço na verdade foi o técnico: Silvio Marzolini, maior lateral-esquerdo que o clube teve. O pacote incluía um dos maiores carrascos do Boca, o atacante Carlos Morete, ex-River; o meia Marcelo Trobbiani, antiga promessa do Boca que voltava do Elche, e futuro colega de Diego na Copa de 1986; outro meia, Ariel Krasouski, recém-campeão do Mundialito pelo Uruguai.

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Brindisi e Trobbiani (campeão da Copa de 1986) foram os primeiros reforços badalados do Boca. Depois veio Maradona e o River respondeu com Kempes

Osvaldo Escudero, colega de Maradona no mundial de juniores de 1979, veio do Chacarita; e do Huracán viriam dois futuros ídolos, o xerife Roberto Passucci e o veterano atacante Miguel Ángel Brindisi, outrora o recordista de jogos pela seleção argentina (marcou contra o Brasil na Copa de 1974). Brindisi, a quem dedicamos este outro Especial, seria o outro grande acerto e mesmo na casa dos 30 anos fez só um gol a menos que Maradona. Na estreia oficial, em 22 de fevereiro, Maradona não decepcionou uma Bombonera abarrotada para a primeira rodada do Metropolitano. Mesmo meio lesionado, marcou duas vezes nos 4-1 sobre o Talleres e declarou: “eu juro que a terra tremeu com a recepção que os torcedores me deram”. A foto que abre essa matéria é daquela rodada inaugural.

Para reforçar a Diegomania e compensar a transferência milionária em dólares, o clube promoveu entre as rodadas do Metropolitano alguns amistosos pelo interior, fazendo daqueles meses uma maratona para Maradona, com o perdão do trocadilho. Em 24 de fevereiro, o time estava em Mendoza e ganhou por 2-1 do Independiente Rivadavia, com outro gol de Diego. Novamente pelo Metropolitano, o Boca decepcionou na segunda rodada, ficando só no 2-2 com o Instituto na Bombonera em 1º de março. Mas Maradona, que nesses dias pudera acompanhar o Queen em shows no estádio do Vélez (apresentando-os no palco e emprestado bandeira do Boca para Freddie Mercury exibir), não transpareceu ressaca: foram dele os dois gols, um deles passando por dois marcadores e disparando por entre as pernas do goleiro antes da chegada de outro.

Nessa partida com o Instituto, quem deu-se mal foi o goleirão Hugo Gatti, lesionado. Só voltaria na reta final, com as metas xeneizes sendo defendidas na maior parte do torneio por Carlos Rodríguez. A partida seguinte do Boca foi outro amistoso, em Mar del Plata contra o San Lorenzo local: 4-2 com mais um gol do astro. 48 horas depois, em 8 de março, jogo de campeonato: o Boca venceu fora de casa o Huracán por 2-0. Dessa vez, Maradona não marcou. A maratona enfim cobrou seu preço: teve uma lesão muscular que o afastou por três semanas. Na ausência dele, quem brilhou foi Brindisi. Ele já havia marcado um dos gols sobre seu ex-Huracán e liderou as vitórias nas quatro partidas sem Dieguito, marcando em todas: 3-2 no Platense, 2-1 no Sarmiento de Junín, 2-0 no Unión e 2-1 no velho rival San Lorenzo.

Brindisi marcou pela sexta partida seguida no 2-2 com o Newell’s, partida em que Maradona voltou e também marcou. Apesar da lesão, Maradona não se livrou dos amistosos: três dias depois, o Boca visitava o Belgrano em Córdoba para ganhar por 2-1. Outros quatro dias depois, já pelo campeonato, era a vez de visitar o Independiente: 2-0, gols de Maradona e Oscar Ruggeri. Cinco dias depois, veio a partida mais memorável: 3-0 no Superclásico na Bombonera, com a dupla Brindisi-Maradona a mil. Miguelito abriu os 2-0 enquanto a joia da noite foi de Dieguito, driblando Ubaldo Fillol e tocando para o gol vazio diante da inútil estirada do defensor vira-casaca Alberto Tarantini (ex-Boca). Detalhamos neste outro Especial.

Os gols maradonianos no River no Metropolitano 1981
Os gols maradonianos no River no Metropolitano 1981

E dá-lhe amistosos. Dois dias depois, visita a Jujuy contra o Gimnasia y Esgrima local, 1-1 com gol de Diego. Três dias mais tarde, no Metropolitano, a primeira derrota: 1-0 para o Vélez. 48 horas depois, mais amistosos, primeiro um 3-1 contra o Alianza Paranaense (dois de Maradona) e, cinco dias mais tarde, um 1-1 com um combinado de Tucumán; entre um e outro, o Boca enfrentou o Argentinos Jrs pelo Metro e venceu por 2-0, com Maradona se ausentando por força de cláusula do contrato de empréstimo (na sua ausência, novamente Brindisi deixou o seu). Quatro dias depois do jogo em Tucumán, outro pelo campeonato: um 2-1 no Estudiantes em La Plata com El Diez marcando.

Um 3-0 no Colón, com Maradona (de fora da área e no ângulo após passar por três oponentes) e Brindisi marcando em 30 de abril encerrava um mês cansativo. Por causa dos amistosos, foram dez jogos, ou seja, média de um a cada três dias. Até o fim do campeonato, o Boca só faria mais dois amistosos, ambos já no fim de maio, um mês cambaleante. Começou com um duro 0-0 com o Ferro Carril Oeste fora de casa. Outrora um time risível, o Ferro seria a grande surpresa do torneio, abrindo uma década onde terminaria premiado até pela Unesco. Seria o vice, a um ponto daquele celebrado boca. O clube do bairro de Caballito, que tinha o brasileiro Rodrigues Neto (depois transferido ao próprio Boca), seria vice também do Torneio Nacional de 1981 e enfim campeão em 1982 e 1984. Uma era sob a batuta do mestre Carlos Griguol.

Depois do 0-0, outro jogo complicado, um 3-2 sobre o Rosario Central, detentor do título argentino mais recente. Maradona fez o terceiro sobre o time de Edgardo Bauza, que marcou outro gol. A primeira metade do campeonato encerrou-se com um 1-1 contra o Racing, que mandou a partida no estádio do River – Brindisi marcou. O returno veio com uma segunda derrota, de 1-0 para o Talleres. Três dias depois, um amistoso em 0-0 com o Espanyol de Barcelona. Vieram então os últimos abusos da diretoria: quatro dias mais tarde, o Boca segurou o 0-0 em Córdoba com o Instituto para no dia seguinte estar de novo em campo, em amistoso contra o Deportivo Guaymallén, em Mendoza. Venceu por 2-0 no último amistoso que Maradona jogaria até setembro.

O foco no campeonato logo fez bem, com três vitórias seguidas: 3-2 no Huracán, 4-0 fora de casa no Platense (Maradona marcou dois) e 2-1 no Sarmiento. Veio uma derrota de 2-0 no Unión, respondida com um 4-0 no San Lorenzo com direito a belo gol de falta de Dieguito – os azulgranas, de grande rivalidade com os auriazuis, terminariam o torneio rebaixados, tema que merece um especial à parte. Depois, venceu-se fora de casa o Newell’s por 2-0. Mas, mesmo sem amistosos, o Boca teve uma crise de quatro jogos sem vencer. Só não foi pior por causa de Maradona: primeiro, um 1-1 com o Independiente na Bombonera (com golaço de Diego tirando a bola do goleiro fora da área e tocando forte antes que o defensor Enzo Trossero salvasse em cima da linha).

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Maradona e Brindisi, uma das melhores duplas do Boca. O concorrente foi a surpresa Ferro: ao centro, o lateral Mouzo, recordista de jogos pelo Boca. E o gol de Perotti no confronto direto

Depois, 1-1 com o River no Monumental, outro golaço de Maradona (e Kempes para o River), onde pegou rebote de Fillol na pequena área e marcou sem ângulo antes de outra chegada desesperada de Tarantini. Mais um 1-1 contra o Vélez, outro gol de Maradona, com o tento velezano sendo de Carlos Bianchi. O quarto empate veio sem o astro, impedido por contrato de atuar contra o Argentinos Jrs: 2-2, com Brindisi salvando. Esses quatro empates permitiram a aproximação perigosa do Ferro Carril Oeste, que colou um ponto atrás. O Boca então venceu por 1-0 o Estudiantes, na partida em que Gatti voltou a ser o goleiro titular, já pela trigésima rodada. Depois, ganhou fora de casa do Colón, um 2-0 catimbado encerrado aos 33 minutos do segundo tempo pela retirada de campo do adversário, que também acabaria rebaixado. O Ferro seguia um ponto atrás e contra ele foi a partida seguinte, na Bombonera.

Miguel Juárez assustou no início do segundo tempo ao ficar cara a cara com Gatti, que conseguiu salvar o lance mais perigoso do Ferro. O jogo ficava no 0-0 até os últimos dez minutos. Foi quando Maradona arrancou desde o meio-campo para providenciar um lançamento preciso para Hugo Perotti marcar o recordado gol da sofrida vitória. Com duas rodadas restantes, a vantagem era de três pontos em tempos nos quais a vitória valia dois. O campeonato parecia decidido. Mas na penúltima rodada o Boca perdeu por 1-0 para o Rosario Central, com Maradona desperdiçando pênalti aos 32 minutos do segundo tempo. Só não foi pior porque o Ferro, que vencia em casa por 3-0 o Huracán, conseguiu levar o empate. Ainda assim, os verdolagas, dois pontos atrás, mantinham chances para a rodada final, embora um empate em casa bastasse ao Boca. Se os xeneizes perdessem e o concorrente vencesse, forçava-se um jogo extra entre ambos.

O Ferro, enfim, fez sua parte: mesmo fora de Caballito, aplicou um 3-0 no Platense. Já o jogo do campeão, justo aquele, foi dos mais pobres, apesar de o Racing vir do seu torneio mais satisfatório entre o vice de 1972 e o bronze de 1987; treinados pelo ícone arquirrival José Omar Pastoriza, os alvicelestes ficariam em 5º, sucesso que levou a um desmanche generalizado a um clube economicamente desesperado, que não hesitou em vender dali a alguns dias o atacante Gabriel Calderón (colega de Maradona naquele Mundial sub-20 de 1979) ao próprio rival Independiente, o volante Julio Olarticoechea ao River e o meia Juan Barbas ao Real Zaragoza – o trio iria à Copa de 1982. La Academia decairia tanto que já em 1983 seguiria o San Lorenzo, sendo também rebaixada.

Já naquela rodada final, os dois gigantes já jogavam cada um com nove em campo desde os 16 minutos de jogo. Foram expulsos Héctor Córdoba e Perotti para os da casa e Juan Ramón Carrasco e Olarticoechea para os de Avellaneda. No fim do primeiro tempo, Maradona se redimiu do pênalti perdido na rodada anterior: cara a cara com o goleiro Alberto Vivalda, foi derrubado por ele na grande área e dessa vez converteu a penalidade. Tudo parecia tranquilo, mas ainda houve suspense: aos 41 minutos do segundo tempo, Passucci foi expulso e deixou o Boca com oito em campo. Dois minutos depois, Omar Roldán empatou. E quase virou depois. Mas ficou-se só no susto. Com Maradona, la fiesta estava completa. O Boca era campeão argentino após meia década. Sem Diego, o Argentinos Jrs passou de vice a concorrente contra o rebaixamento, escapando naquele mesmo 15 de agosto de 1981 em confronto direto com o gigante San Lorenzo, rebaixamento que reforçou o delírio na Bombonera.

A merecida festa de arromba teria uma ressaca também pesada, com os desmandos da ditadura provocando disparada acima de 200% do dólar – com a diretoria auriazul tratando desde cedo de capitalizar novos amistosos, com a segunda quinzena de agosto reservando amistosos contra o Milan no San Siro e o Flamengo no Maracanã. Mas aquela primeira passagem de Maradona pelo Boca teria sua última partida já em janeiro de 1982 (em outra série de amistosos arrecadatórios, na Ásia), antes do astro dedicar-se exclusivamente à longa concentração da seleção argentina para a Copa. As Malvinas logo piorariam a dolarização e dois anos depois o clube quase fechou as portas (saiba mais). Enfrentaria seu mais longo jejum nacional, onze anos até 1992. O sonho maradoniano foi caro. E foi lindo. Faceta essa que prevalece atualmente: a Adidas, parceira da época e que recentemente voltou ao clube, tratou de resgatar as doces memórias de 1981, anunciando anteontem uniforme inspirado no de 40 anos atrás.

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Maradona contra o racinguista Juan Manuel Leroyer no tumultuado último jogo e carregado. Foi dele o gol do título

https://twitter.com/BocaJrsOficial/status/1426166654443028482

https://twitter.com/BocaJrsOficial/status/1426741686512734208

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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