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Maestro das conquistas dos pequenos, Carlos Griguol vira outra saudade pela Covid

“Diante do reflexo de uma equipe vestida para seduzir e matar que incorporou personalidade, contundência e funcionamento, se levanta a imagem de um homem nobre e austero: Carlos Timoteo Griguol. A goleada também é dele. Porque para além das sutilezas táticas, há um profissional que segue pedindo espaço. E recitando o livro gordo do futebol nobre, como ele mesmo”. Com essas palavras, a revista El Gráfico concluiu a matéria pós-jogo de uma partida lendária que completou 25 anos anteontem: a tarde em que um Gimnasia LP treinado pelo tal Griguol ganhou de 6-0 (!) do Boca (!!) dentro da Bombonera (!!!), estragando a inauguração dos camarotes VIP do estádio boquense naquela mesma ocasião. Outro detalhe é que três dos gols foram feitos por um futuro ídolo auriazul, Guillermo Barros Schelotto – que completara 23 anos na véspera. Nessa semana, ele e o gêmeo Gustavo completaram 48 sem clima para festa: em 1º de maio, perderam para a Covid o pai, o ex-presidente gimnasista Hugo Barros Schelotto. E, ontem, simbolicamente horas depois da recordação dos 25 anos da goleada, eles e o Gimnasia perderam o mestre Griguol, para o mesmo vírus que nessa semana levara (vide obituários do Futebol Portenho) ainda José Rafael Albrecht e Omar Indio Gómez.

Griguol foi um verdadeiro mestre em tirar leite de pedra em quatro times médios ou minúsculos do futebol argentino, estando associado à fase áurea de quatro equipes assim. Se não resolveu a seca que assola o time de La Plata, autografou diversos itens triperos (como na imagem que abre essa matéria) por levar o Lobo a disputar continuamente os títulos que soube levar por Ferro Carril Oeste nos anos 80 (a ponto de o clube negar perdê-lo para a seleção, pois Carlos Bilardo só foi empregado após a recusa verdolaga), pelo Rosario Central nos anos 70 e, ainda como jogador, no Atlanta dos anos 60. Recordemos a trajetória singular de Timo, também um pé-quente com a seleção argentina na Copa América quando ainda jogava.

Na fase áurea do modesto Atlanta

Nascido em 4 de setembro de 1936 na cidade cordobesa de Las Palmas, o filho varão do casal Mafalda e Carlos começou no clube local também chamado Las Palmas, fundado por seu pai. Mas, ainda juvenil, rumou à capital federal para morar na pensão do sumido Atlanta, que não frequente desde 1984 a elite argentina – um contraste com a fase áurea vivida enquanto Timo esteve no time, que o profissionalizou em 1957. “Foi um jogador algo lento, mas muito inteligente para posicionar-se adequadamente no campo de jogo converter-se em um verdadeiro treinador dentro do mesmo. Aguerrido, batalhador, de bom jogo aéreo e perseverante. Surgiu em uma equipe do Atlanta, de fins dos anos 50, que jogava realmente bem” são as palavras que abrem o perfil sobre o volante no livro Quién es Quién en la Selección Argentina, publicado em 2010.

Em 1957, o clube do bairro de Villa Crespo ainda lutou contra o rebaixamento, a duas posições do degolado Ferro Carril Oeste na tabela de promedios. A grande fase do Bohemio começou mesmo em 1958, com um 4º lugar (a dois pontos do vice) na liga argentina, até então a mais alta da equipe, superada somente pelo bronze no Nacional de 1973. Griguol marcou ainda um primeiro gol, em 3-3 com o Boca. Aquele ano, contudo, ficaria ainda mais lembrado pelo grosso do desenrolar da Copa Suécia, torneio oficial que a AFA programou para a pausa da liga a fim de manter-se os times ativos e com renda enquanto a seleção viajava àquele país para o Mundial.

Não houve espaço no calendário para concluir a competição ainda em 1958, mas o ano terminou a tempo de o time terminar co-líder no seu grupo. Foi o suficiente para Griguol receber suas primeiras convocações para a seleção: foi chamado à Copa América sediada na Argentina ao longo de março de 1959, integrando o time campeão sobre um Brasil recém-consagrado na própria Suécia, embora o novato não tenha disputado nenhuma partida. No mês seguinte, ele e colegas de Atlanta levaram a melhor no jogo-desempate contra o Rosario Central para garantir-se na final da competição que o tempo esqueceu – mas que teria importância histórica por semear direta ou indiretamente alguns dos principais ícones argentinos na Taça Libertadores, ainda jogadores daquele Atlanta, conforme detalhamos nesse outro Especial.

No resto de 1959, o Atlanta foi sétimo, mas um ponto do bronze. E Timo terminou lembrado para nova Copa América, essa sediada no fim do ano, no Equador. Estreou pela Argentina no 1-1 contra os anfitriões, em 12 de dezembro. Mas então veio a surra de 5-0 no clássico com o Uruguai, quatro dias depois. Aquele livro de 2010 ressalta: “na seleção nacional, participou de dois processos muito desorganizados: os da Copa América Extra de 1959 e 1963. Estreou como zagueiro, mas seu posto estava no meio-campo. Tem o recorde de partidas de um jogador do Atlanta na seleção”.

Duas imagens de 1959: Griguol com Rodolfo Bettinotti como jogadores do Atlanta e da seleção (são o primeiro e o último em pé, também com Bettinotti à esquerda e “Timo” à direita)

Foram onze partidas de Griguol pela seleção, ao todo – calhou de não reeditar nela a parceria com um familiar, o ponta-direita Mario Griguol, outra peça-chave daquele Atlanta; embora sejam um raríssimo caso de primos na seleção, os jogos de Mario se resumiram a partidas contra a dupla Grenal em abril de 1959 (ano em que Carlos só jogou mesmo naquela Copa América de dezembro) e depois em uma excursão de quatro partidas na Europa entre maio e junho de 1961 – ano que também marcou a reestreia de Carlos após igual hiato ao longo de 1960, mas em um amistoso em novembro contra a URSS em Buenos Aires mesmo.

Em 1960, o Atlanta de ambos enfim sagrou-se campeão da Copa Suécia, em final contra o Racing, mas uma posterior ressaca na liga com um 11º lugar postergara a reestreia dos primos na seleção. Mas, em 1961, o time de Villa Crespo voltou a ser quarto colocado (novamente, a um ponto do bronze), propiciando aquele retorno dos dois Griguol. No caso de Timo, porém, os soviéticos venceram por 2-1 dentro do Monumental, e ele acabou de fora da Copa do Mundo de 1962 – ano em que o Atlanta estacionou em sétimo, ainda que perto dos cinco primeiros. Assim, o volante foi relembrado para a virtual seleção B utilizada em março de 1963 na Copa América sediada e ganha pela Bolívia. Despediu-se ali da Albiceleste, apesar de outro bom campeonato clubístico no decorrer de 1963.

O Bohemio foi quinto colocado em 1963 e Griguol, pouco afeito a gols, até marcou três – inclusive em triunfo de 2-0 fora de casa no clássico com o Chacarita. Em 1964, repetiu-se o quinto lugar e Timo marcou sobre a dupla Boca (4-2 em plena Bombonera) e River (1-1). Mas, com o desmanche cada vez mais crescente daquele bom momento, a equipe bambeou para 14º em 1965, onde a luta já foi para não cair. Griguol foi a última peça-chave a deixar Villa Crespo. Em 2014, o Futebol Portenho o escalou para o time dos sonhos do Bohemio.

Fomentando um Rosario Central campeão

A partir de 1966, as listras auriazuis vestidas seriam a do Rosario Central, defendendo os canallas por quatro temporadas. O time de Arroyito ainda não havia vencido o campeonato argentino desde que fora admitido na liga, em 1939. Isso não ocorreu com o Griguol jogador, mas o veterano tomou parte no processo que semeou a glória inédita. E não deixou de colher frutos, já como treinador.

Se em 1966 o Central se limitou ao 12º lugar, padecendo do desfalque do goleirão Edgardo Andrada (cuja lesão o tirara da Copa do Mundo), em 1967 a equipe de Arroyito já esteve a um ponto das semifinais do Metropolitano – e venceu as cinco primeiras rodadas do Nacional, onde terminou em 4º, a posição mais alta que o clube conseguira até então no campeonato argentino. Em 1968, Griguol e colegas repetiram o bom desempenho nos torneios domésticos: ficaram uma posição das semis do Metropolitano e tiveram chances de título até a penúltima rodada do Nacional, onde repetiram a 4ª colocação. O forte era a retaguarda coordenada com Andrada e Griguol: nesses três torneios em questão, os rosarinos contaram com a segunda defesa menos vazada.

Em 1969, com Andrada vendido ao Vasco e Griguol já com 34 anos, o desempenho já decaiu para um 8º lugar no Metro, insuficiente na época para garantir vaga no Nacional. Foi a temporada final do Timo jogador. Ele seguiu em Rosario para trabalhar nos juvenis centralistas. E, como também consta em seu perfil no livro de 2010: “sem lugar a dúvidas, sua influência não foi tanta como futebolista e sim como técnico, tarefa na que se destacou por sua docência e limpeza de procederes, pelo qual é querido e respeitado no ambiente”.

Como jogador do Rosario Central em 1968 (é o segundo da esquerda para a direita) junto ao goleiro Andrada e como técnico em 1974, junto ao artilheiro Mario Kempes – o sentado mais à direita

Em 2012, quando a revista El Gráfico publicou edição especial a escolher os maiores ídolos do Central, Griguol foi incluído, com palavras similares: “foi um volante metedor, de grande dinâmica, bom quite, cabeceador na área, punha a equipe nas costas e empurrava o rival. Quando surgiu [Ángel] Landucci em seu posto, se retirou: corria 1969 e tinha 33 anos. Como técnico, sempre pregou a boa conduta e o jogo limpo. Seus jogadores destacaram seus conselhos futebolísticos e o valor humano de sua companhia, algo que também ressaltam seus colegas, destacando-se sempre como um profissional modelo, disciplinado, exigente e estudioso”.

Griguol deixou 15 gols, incluindo um no rival Newell’s, em 146 partidas como canalla. Se a taça não veio como jogador, o mestre compensaria em uma nova e realmente brilhante carreira. Não ainda em 1971, quando o Central levou o título argentino pela primeira vez para suas vitrines, para a cidade e para todo o interior do país – o técnico era na ocasião o lendário Ángel Labruna, com Timo figurando no banco apenas de modo interino. O ex-volante foi, sim, o técnico na ocasião do bicampeonato, no Nacional de 1973. Sua maior contribuição foi deslocar o ídolo Aldo Poy para ser o camisa 10; o bigodudo atacante declararia ter sido Griguol o melhor treinador que teve.

Ao recordar aquela campanha, a El Gráfico assinalou que o estilo daquele elenco era “batalhador, de marca e pressão, de força e tenacidade”. Para a apaixonada torcida auriazul, a euforia rendia outras palavras: “já se vê, já se vê, Griguol e seu balé”. Curiosamente, o time foi campeão em um quadrangular final envolvendo River, San Lorenzo… e a melhor campanha da história do Atlanta na elite, justamente – quando o ex-clube ficou em terceiro. Em 1974, o bicampeonato seguido, ainda inédito a qualquer time do interior, esteve no páreo. Foi quando outro quadrangular final decidiu o torneio, no Metropolitano. Calhou de a taça ficar justamente com o rival Newell’s, pela primeira vez e em pleno clássico.

O técnico Griguol, de outro lado, saboreou em meio àquele primeiro semestre uma recordada surra de 3-1 da seleção rosarina sobre a própria Argentina, na tumultuada preparação da Albiceleste para a Copa do Mundo. No segundo, o Central novamente lutou até o fim por um título argentino, sobrando outra vez o vice, agora para o San Lorenzo. Ainda assim, os canallas conseguiram vaga na Libertadores: a AFA deliberara um quadrangular entre os campeões e os vices daquele ano, convertido em triangular após os auriazuis ficarem em segundo nos dois torneios. A presepada se justificou em La Copa – se o Independiente prevaleceu nas semifinais, a metade auriazul de Rosario ao menos sentiu o gosto de prevalecer no Clásico Rosarino (na única vez que a dupla duelou pelo torneio) que garantiu a vaga para aquela fase.

Após a queda continental, Griguol foi trabalhar em Guadalajara, no Tecos, por dois anos. O Central o repatriou em 1978, mas Timo já não teve o mesmo toque de Midas: 10º no Metropolitano, antepenúltimo no Grupo C do Nacional. O mérito maior da segunda passagem foi profissionalizar um dos maiores ídolos de Arroyito: o zagueiro-artilheiro Edgardo Bauza, que em 2011 declararia à El Gráfico que o ex-volante foi o técnico “que mais influenciou em minha carreira. Embora seja um afortunado por ter tido os melhores, desde Menotti a Bilardo, Timoteo me marcou a fogo”. Mas, em 1979, o mestre deixou Rosario mesmo pelos fundos: o time seguinte foi o Kimberley, mais conhecido pelo futebol como a equipe que emprestou sua camisa alviverde para a França em plena Copa do Mundo de 1978.

Em 1979, o Kimberley não foi sequer campeão da liga municipal de sua Mar del Plata (e sim o San Lorenzo local) e só chamou positivamente a atenção no Torneio Nacional por ter em Norberto Eresuma o vice-artilheiro, pois os marplatenses foram vice-lanternas do Grupo B. Era em um treinador que parecia sob declínio que o Ferro Carril Oeste apostaria em 1980. Pesou o networking com León Najnudel, técnico do timaço de basquete do Ferro e que conhecia Griguol desde os tempos de Atlanta: Najnudel treinava a seção de basquete desse clube. Griguol a frequentava não só por ser fã de cestas, mas para cortejar uma certa Betty, jogadora do time feminino do Atlanta na bola laranja e sua esposa por toda a vida. Em Arroyito, por sua vez, o mestre pode ser considerado o segundo maior técnico da história canalla, abaixo apenas da lenda Ángel Tulio Zof. Não é pouco.

O maior técnico do Ferro Carril Oeste

As duas estrelas douradas do modesto futebol do Ferro Carril Oeste surgiram sob a batuta do mestre

O começo foi com dúvidas, com o ano de 1980 ainda servindo basicamente de laboratório: “eu cheguei ao Ferro com meu livrinho: stopper, líbero, um camisa 10 criador, dois volantes de contenção. Me custou seis meses conhecer o plantel. Tive a sorte de cair em um clube que deixou o técnico trabalhar e isso me permitiu reordenar ideias”, relembrou Griguol em 2007 à El Gráfico. O time do bairro de Caballito foi só 13º no Metropolitano, mas no Nacional já lutou ativamente pela vaga nos mata-matas (terceiro no Grupo C).

Mas foi em 1981 que aquele clube de futebol historicamente modesto e ioiô com a segundona começou, mesmo desfazendo-se do aplaudido brasileiro Rodrigues Neto, a enlouquecer os grandes do país, sobretudo na inovadora e sufocante marcação na área adversária no estilo conhecido hoje como pressing – uma ideia desenvolvida em parceria com o preparador físico do elogiado time de basquete, Luis Bonini, depois parceiro das comissões técnicas de Marcelo Bielsa, notório adepto do pressing.

Em 2016, Bonini cravou que o mestre “sempre se manteve a favor da inovação. Nos anos 80, o Ferro resultou a primeira equipe do país que começou a fazer as medições antropométricas e fisiológicas de seus jogadores. O grande do Ferro se manteve durante seis anos. Desde o científico, era inédito. Isto, como assim também o desenvolvimento da força no futebol, Timoteo avalizava. O melhor Griguol resultou o dos 80. Foi fenomenal como o Velho evoluía e fazia evoluir a equipe. O Ferro daquela época era maravilhoso: te pressionava em todo o campo. Às vezes, desprezamos o que temos em casa devido a, justamente, ser de casa”.

Resultado: o goleiro Carlos Barisio acumulou um recorde ainda vigente de minutos sem tomar gols na liga argentina (mais de mil). Jogadores de longa estrada na casa como o símbolo Gerónimo Saccardi, o inteligente Héctor Cúper ou o esforçado Oscar Garré, acostumados a jogarem a segunda divisão, cresceram de produção como peças de um reloginho irritante para as grandes torcidas – ainda que o habilidoso Alberto Márcico contribuísse com um toque artista a um time criticado por ganhar com um futebol supostamente chato de se assistir. Se no exterior se recorda que o Metropolitano de 1981 foi o campeonato que consagrou Maradona no Boca, menos destacado é que o grande concorrente foi o Ferro de Griguol. Um concorrente duríssimo, vice-campeão por um mísero ponto.

O segundo lugar já era a melhor campanha verdolaga da história até então e foi repetido já no torneio seguinte: após ser vice para o Boca de Maradona, o Ferro foi vice para o River de Kempes no Torneio Nacional (embora ironicamente o houvesse vencido duas vezes na fase de grupos), tendo nas semifinais eliminado o clássico rival Vélez. Em 1982, enfim, não teve para ninguém: em junho de 1982, o bivice deu lugar em alto estilo ao primeiro título alviverde na elite. Não apenas isso: um título invicto, apenas o terceiro que o profissionalismo argentino já vira, antes mesmo da dupla Boca e River conseguirem os seus.

Assim, em julho de 1982 a Placar noticiou que Griguol era visto como o natural sucessor de César Menotti na seleção ao fim do ciclo finalizado com a Copa do Mundo da Espanha. A matéria teve aspas do próprio Menotti: “o único, hoje, que pode me substituir é Griguol, apesar de termos concepções diametralmente opostas sobre o futebol”, afirmação corroborada pela descrição de Timo como “um ardente admirador do futebol da Alemanha e da Inglaterra, a ponto de apresentar aos jogadores do Ferro filmes de partidas das duas seleções. Daí ele extrai o que chama de mecânica ideal para um time de futebol. Quem o conhece de perto garante que se trata de um homem obstinado, perseverante, ‘um cartesiano dos gramados’ que detesta concentrações”.

Com os pupilos do Ferro na sede social. Griguol está atrás da mesa de botão, entre o assistente Carlos Aimar e o bigodudo preparador físico Luis Bonini, que tanto o exaltaram

Faltou, contudo, a AFA combinar com o presidente verdolaga Santiago Leyden, que sequer se dispôs a negociar seu Midas. Foi só diante dessa negativa que Julio Grondona optou então por Carlos Bilardo, homem visto com concepções resultadistas similares às do candidato original. Mas as semelhanças entre os dois parariam por aí: o maestro Márcico garantiria já em 2011 que “nada a ver. Nem Griguol nem Menotti gostam de fazer cera: com Timoteo, faltavam cinco minutos, ganhavas de 1-0 e si não arremessavas rápido o lateral, se enojava. Os dois também gostam de bola no chão”.

Os campeões invictos do primeiro semestre de 1982 decaíram no segundo para um nono lugar, mas voltaram ao páreo no início de 1983: o Ferro caiu nas oitavas-de-final do Nacional para o futuro campeão Estudiantes (algoz também na Libertadores, onde na duríssima fase de grupos só o líder avançava na época) e tiveram chances de título no Metropolitano até a rodada final, fechando o pódio a dois pontos do campeão Independiente. Em 1984, então, o bairro de Caballito celebrou seu segundo título argentino, pulverizando as críticas de futebol chato ao abrir 3-0 dentro do Monumental sobre o River de Francescoli nos primeiros 35 minutos da final. “Dizem que somos um time tedioso/que especulamos, que jogamos para trás/me chupa um testículo, todo o jornalismo/a Caballito cada vez eu quero mais” era o cântico revanchista da euforia alviverde.

Por nove anos, o Ferro teve mais títulos argentinos que o clássico rival Vélez, além de ter nos anos 80 sua única década favorável no Clásico del Oeste. O terceiro título veio quase na sequência: um ponto separou Griguol da conquista do Metropolitano de 1984, vencido pelo Argentinos Jrs. Os colorados seriam asa-negras também na Libertadores de 1985, prevalecendo no jogo-desempate a apontar o único classificado da duríssima fase de grupos que tinha ainda a dupla Vasco e Fluminense. Na sequência, os pupilos de Timo emendaram dois sextos lugares, nas temporadas 1985-86 e 1986-87. Era o bastante para um merecido salto a um gigante.

O fracasso no River e regendo o canto do cisne do Ferro

O River, que jamais havia vencido a Libertadores, se desvirginara dela em 1986 e levantara também seu único Mundial. Não foi o bastante para o presidente riverplatense renovar com o jovem técnico Héctor Veira. Griguol chegou a Núñez com uma base já sólida deixada pelo carismático antecessor e os contrastes de estilos com o sisudo jeito do Timo foram demais. O novo técnico só conseguiu erguer a desvalorizada Copa Interamericana, o tira-teima entre os campeões da Libertadores e da Concachampions de 1986, travada na virada de julho para agosto de 1987. Na temporada 1987-88, o Millo começou mal e, embora até desse espasmos (como uma espetacular virada de 3-2 no Superclásico após o Boca abrir 2-0), saiu cedo do páreo pelo título e terminou em quarto, a nove pontos do campeão Newell’s.

No Ferro, isso bastaria e muito, mas Santilli preferiu buscar Menotti, justamente, para a temporada 1988-89. E já em 1988 o xerife Oscar Ruggeri frisou que o sarrafo era mesmo mais alto: “o grupo lhe respondeu sempre. Eu quero dizer que o corpo técnico que saiu é gente boa, que as conversas nos deixaram muitos ensinamentos. Os resultados do trabalho de Griguol se iam ver na segunda temporada, mas o River é assim, só serve o título. No Ferro havia tempo para tudo, no River os resultados têm que ser imediatos”. A joia Claudio Caniggia, do seu lado, escancarou desaprovação pela interferência do treinador junto ao pai do atacante para ajuda-lo a controlar as saídas noturnas da promessa (“eu já tenho 21 anos, coisas de futebol ou não, poderia as ter falado comigo”).

Quem realmente não gostou do treinador foi Sergio Goycochea, ao menos numa entrevista de 2002: “disse que todos começávamos do zero. Pumpido se lesionou antes de começar o torneio e eu joguei bem umas 17 rodadas. Quando Nery melhorou, colocou ele. Não gostei. Arrancando todos do zero, eu havia aproveitado a oportunidade. E ele não respeitou sua própria palavra”. Colega de todos eles na Copa de 1990, o meia Pedro Troglio viraria fiel pupilo de Griguol no Gimnasia dos anos 90, mas admitiu que o santo não havia batido com aquele elenco do River. Ainda assim, frisou em 2005 no jantar de despedida que “nesse dia, pedimos desculpas ao velho. Não começou bem com o tema do cabelo comprido, mas em seis meses o plantel se deu conta de que ele, o profe Bonini, [o assistente técnico Carlos] Aimar eram de bom caráter”.

Se no River ele não se deu bem (só ficou na temporada 1987-88), no Ferro, para onde voltou imediatamente, ele virou estátua em 2016

O tal Carlos Aimar, aliás, havia sido pinçado por Griguol ainda como jogador nos tempos de Rosario Central. E em 2009 declamou que o mestre era “um revolucionário. Na organização, na educação do jogador, em suas ideias táticas… No Ferro, não concentrávamos. Dávamos total liberdade ao jogador, a mensagem era de que se saía, estava se ferrando sozinho. Os convocávamos ao meio-dia, almoçávamos no clube e nos íamos ao campo caminhando, como mandantes. A nível social, vivíamos o clube como ninguém: íamos à sede, conversávamos com os sócios, fazíamos os jogadores participarem das olimpíadas do clube. Se formavam equipes de 50 pessoas e se competia no squash, ping pong, truco, basquete, vôlei, durante todo o ano. Era uma maneira de integrar toda a gente que dava vida ao clube. Foi extraordinário”.

Griguol voltou a Caballito de braços abertos em um ano áureo: se não no futebol (antepenúltimo no torneio de 1988-89), em outubro de 1988 o clube recebeu premiação da UNESCO pelo seu papel social poliesportivo. Os pupilos de Timo ainda chegaram ao sexto lugar na temporada 1989-90 e no Apertura da temporada 1990-91, vitais para escaparem da degola dos promedios. Após três semestres pobres, o Ferro fez seu último grande campeonato no Apertura 1992. O elenco que revelou o goleiro Germán Burgos e o zagueirão Roberto Ayala terminou em quarto, a um ponto do vice-campeonato.

Ayala seria eleito em 2014 para a defesa do time verdolaga dos sonhos pelo Futebol Portenho. E Griguol, claro, como o técnico. Mas nem ele, a virar estátua em Caballito em 2016, pôde sobreviver a uma sucessão de resultados ruins em 1993 (abaixo do 10º lugar no Clausura e no Apertura)… enquanto o vizinho Vélez, a partir daquele mesmo ano, entrava justamente em sua era dourada. Ainda assim, Griguol foi seriamente cogitado para assumir em 1994 a seleção sub-20 da Argentina. Mas preferiu-se alguém com menos renome na época: José Pekerman. O destino do mestre não foi Ezeiza e sim La Plata, onde chegou já no fim de outubro daquele ano.

O maior técnico do Gimnasia

“Timoteo pagou o preço pela luta que havia no jornalismo entre os que estavam a favor de Menotti ou de Bilardo. Griguol era pouco valorizado, e me deu muita bronca quando começaram a considera-lo só aos 65 anos, enquanto dirigia o Gimnasia” foi outra observação certeira do mencionado preparador físico Luis Bonini em 2016. Bonini o colocou ainda no patamar de Bielsa (com quem passaria a trabalhar nos anos 90) como “artesãos em armar equipes de alto rendimento, e esse processo começa às vezes com muito pouco. Essa criatividade que tiveram para maximizar o escasso e chegar tão longe não se vê em muito. Senão em escolhidos”.

O trabalho noventista de Timo teve suas semelhanças com aquele Ferro: um time que não revelou nenhum fora de série soube disputar assiduamente as cabeças.  O Gimnasia tinha sim uma base formada, recém-campeã, em janeiro de 1994, da Copa Centenário. Mas a boa fase não se mantinha: o Lobo foi 18º no Clausura 1994 e apenas 10º no Apertura, onde o mestre chegou já na reta final. Mas sua filosofia teve efeitos imediatos no primeiro semestre de 1995. Pela primeira vez desde 1970, o Gimnasia realmente brigou pela taça, a ponto de na terceira rodada do Clausura a El Gráfico já cravar que “tem razão o Velho Timoteo: seus garotos ainda não ganharam tudo. Mas de sua mão estão no melhor caminho de deixar de serem perdedores”. Era uma alusão à incrível aura de azar historicamente impregnada aos alviazuis, e também a uma recriminação do técnico à empolgação do meia Gustavo Barros Schelotto, cujas declarações após um 1-1 com o River no Monumental foram assim transcritas:

“O Lobo vem para valer, cuidado conosco! O que passa é que os jogadores do River acreditavam que nós íamos vir resignados em perder de 5-0 e que nos bailassem. Eles não estão acostumados que um time pequeno venha jogar contra eles com garotos que dão canetas e vão para frente, sem nenhum tipo de complexos. Por isso, se enojaram tanto comigo e até chegaram a rasgar-me a camisa. Francescoli entrou muito forte em mim e eu o recriminei. Aí se aproximou Almeyda a pedir-me que o respeitasse, e lhe respondi que o respeitava como homem mas não como jogador, porque em campo somos todos iguais. Eu estou tranquilo. Desde que Carlos Timoteo Griguol é o técnico, o Gimnasia sai para ganhar em todas as partes”. Contexto: na rodada anterior, os platenses haviam feito um 4-0 no Belgrano.

De fato, Griguol sabia do perigo de empolgações precoces desde que desdenhara do Huracán em 1981, quando seu Ferro deixou uma vitória de 3-0 virar um 3-3 na penúltima rodada e perder assim a chance de igualar-se na liderança ao Boca de Maradona. Seus pupilos alcançaram a liderança na penúltima rodada justamente ao vencerem por 1-0 o Ferro em Caballito, mas o mestre não estava sereno. Criticou fortemente o pupilo Favio Fernández após este receber uma tola expulsão a sete minutos do fim, com uma frase que virou meme (assim como seus folclóricos tapões no peito dos jogadores na entrada a campo) antes do termo e da própria era da internet existirem: “não sei que merda querias fazer. Queres ser campeão da vagina da tua irmã!”. De fato: na rodada final, bastava ao líder empatar em casa contra um time misto do Independiente, mas viveu um dos maiores traumas de sua sofrida história ao ser derrotado enquanto o concorrente San Lorenzo arrancava uma vitória fora de casa no finzinho para encerrar jejum de 21 anos.

A ressaca tripera foi tanta que no segundo semestre o time terminou em 15º no Apertura e eliminado no primeiro duelo da Copa Conmebol pelo inexpressivo Sud América uruguaio. O fôlego foi recobrado para o Clausura 1996. Além daqueles 6-0 no Boca, o Lobo surrou pelo mesmo placar o Racing, além de aplicar um 4-0 no Rosario Central (recém-campeão da Copa Conmebol) e um 2-1 dentro do Monumental no River que em paralelo vencia a Libertadores. Só não houve como concorrer contra o super Vélez de Carlos Bianchi: o concorrente da vez empatou a sete minutos do fim em La Plata e mais à frente conseguiu ser campeão com um pontinho a mais, graças a um pênalti que José Luis Chilavert pegou do Independiente. Outra vez, a ressaca: o mesmo Racing que havia sido goleado venceu o tira-teima de vice-campeões (o Vélez havia vencido já o Apertura da temporada 1995-96) pela outra vaga na Libertadores de 1997.

A recuperação, dessa vez, tardou mais tempo. O Gimnasia emendou três torneios sem ficar entre os cinco primeiros, o que não impediu que o Boca levasse os gêmeos Barros Schelotto em meados de 1997 – após Francescoli baixar o polegar a ambos na sondagem séria feita pelo River em 1996, ainda desgostoso com aquela audácia de Gustavo. O clube do Bosque, por outro lado, soube ter paciência com o mestre. E em 1998, novamente, o time, agora regido em campo pelo veterano Pedro Troglio, se intrometeu no pódio: foi terceiro no Clausura e vice no Apertura. No primeiro semestre de 1999, as coisas não foram tão bem: oitavo lugar no Clausura e, novamente, derrota no tira-teima de vices pela vaga na Libertadores 2000 (deu River) após o Boca ter faturado os dois turnos da temporada 1998-99. Mas o técnico conseguiu cavar uma carreira europeia.

Sua jornada no Real Betis, contudo, não deixou marcas. A equipe de Sevilha não deixou de lamentar e contextualizar na nota fúnebre: “sempre se lhe recordará por seu caráter afável, por sua facilidade de acesso e pelas enormes dificuldades com as que teve de trabalhar em um clube que naquele tempo vivia importantes convulsões”. O argentino durou apenas até janeiro de 2000 e de fato nem o sucessor Guus Hiddink soube dar jeito na metade final de uma temporada que resultou em rebaixamento. As portas do Gimnasia estavam mais do que abertas para o retorno de Griguol, que voltou a La Plata a tempo de trabalhar no Clausura 2000 – foi nono, mas no Apertura o efeito Timo fez-se sentir: o time fechou o pódio com a dupla Boca e River.

O ano de 2001 foi menos doce. O 18º no Clausura e o 7º no Apertura fizeram a diretoria gimnasista optar por não renovar contrato com o ídolo: foi sem ele que o Gimnasia brigou pelo título do Clausura 2002, torneio em que Griguol, treinando o Unión, não soube durar até o fim – a equipe de Santa Fe ficou em 15º, precisando disputar a repescagem contra o rebaixamento. Após todo um ano sabático, ele teve sua temporada final como treinador. O Lobo o readmitiu no decorrer do Apertura 2003. Mas o velho Midas não solucionou a entressafra: o time foi 17º tanto naquele torneio como no Clausura 2004 e o treinador comunicou antecipadamente que não se estenderia no cargo ao fim da temporada.

Griguol não foi mais técnico depois disso. Permaneceu sendo um exemplo. Os gêmeos Schelotto viraram uma dupla técnica que se declara inspirada na mistura do que aprenderam com ele e com Carlos Bianchi. Em 2016, nos cem anos da estreia tripera na primeira divisão argentina, o Futebol Portenho montou o time dos sonhos do Gimnasia. A escolha para técnico não era tão óbvia como no Ferro, mas Timo foi outra vez o eleito. Não é qualquer trabalho que recebe reconhecimento do arquirrival: o Estudiantes, tão freguês no Clásico Platense na Era Griguol, não só manifestou pesar (“lembro quando Palermo pelo Boca nos fez o gol no finzinho e o festejou na cara do velho e quando se deu conta pediu perdão, isso é respeito para além da camisa”, destacou um comentário à nota) como o presidente Juan Sebastián Verón vinha sendo publicamente uma das personalidades a estimar melhoras na longa luta de Timoteo contra o coronavírus.

Bom descanso, maestro.

Orientando o Gimnasia que mais perto esteve do título argentino desde a solitária conquista de 1929: o de 1995

https://twitter.com/atlantaoficial/status/1390263438816026626

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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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