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Carreira singular de Luis Cubilla teve seus momentos na Argentina

Quebrando pelo River a recordista invencibilidade de 39 jogos do Racing em 1966. Depois seria técnico dos dois clubes

Campeão da primeira Libertadores. Único por Peñarol e Nacional a levantar ela e o Mundial Interclubes. Primeiro campeão uruguaio por três times, quebrando o duopólio com a histórica conquista do Defensor em 1976, também a primeira dos violetas. Raríssimo vencedor como jogador e técnico da Libertadores e do Mundial Interclubes, levantando as primeiras conquistas do Olimpia (e do futebol paraguaio). Autor do gol quase fatal do Uruguai sobre o Brasil na semifinal de 1970. 11º maior jogador sul-americano do século XX e 64º maior do mundo segundo a Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol, a IFFHS. Se ainda vivesse, Luis Alberto Cubilla Almeida faria 80 anos hoje. Predicados, como se vê, não faltavam a quem, além de defender o Barcelona, também colecionou passagens pelo futebol argentino – sobretudo no River. Hora de relembrar a singular trajetória de El Negro, que também teria outro apelido, segundo a revista brasileira Placar

Em seus primórdios, a revista ressaltou mais de uma vez outros predicados do então ponta-direita, em matéria de 1971 cujo título o rotula de “gordinho de idade indefinida” que “fez o diabo no Pacaembu”, após um 3-0 do Nacional em cima da Academia do Palmeiras em meio à campanha que renderia a primeira conquista continental dos tricolores. O argentino Luis Artime marcou duas vezes, mas o protagonista, segundo a revista, foi “um senhor gordinho, cheio de malícia e cacoetes, conhecido em seu próprio país como El Asqueroso, dono de um futebol mais do que inteligente e lúcido, conseguiu desarmar completamente o Palmeiras. Cubilla tem o dom de chamar a atenção de todos os adversários. Parece que ele sozinho consegue fazer com que todos os defensores só se preocupem com ele, Cubilla. E, assim, abre os espaços que Luisito Artime nunca teve em times anteriores, para marcar seus gols. Cubilla parece ser, dentro de campo, um homem folgado, desconcertante, arrogante, até mesmo um pouco safado. Justamente esse senhor, profissional ao extremo, é um mestre em descobrir os pontos fracos do adversário. Em sempre estar nos lugares onde menos é esperado dentro de um jogo”.

Técnica e marra que já havia sido registrada em matéria de março de 1970 que elogiava a Celeste como melhor seleção do mundo àquela altura, o que não inibia El Negro: “sou um jogador indispensável à seleção. Se eu não for à Copa, as coisas poderão se complicar”, com o repórter apontando que “poucas pessoas teriam futebol e coragem para dizer isso. Quase ninguém tem o futebol e a coragem de Luis Cubilla, definido pela torcida o Peñarol e do Nacional com uma expressão simples e objetiva: Asqueroso. Capaz de decidir um jogo fazendo três gols, Luis Cubilla também pode tumultuar e complicar uma partida já ganha. Quando está em campo, não para de xingar a brigar com os adversários. Pode chutar um goleiro caído só para deixa-lo nervoso; pode dar um drible desconcertante e um chute de esquerda que só os melhores goleiros do mundo defendem. Baixo, meio gordo, metido a boa pinta, sorriso de galã no canto da boca, largas costeletas, Cubilla foi-se tornando um dos melhores jogadores do Uruguai ao mesmo tempo em que construía uma personalidade negativa até entre os próprios companheiros. Todos o acham meio malandro. Ele é fogo, engana até o juiz. Na esquerda, na direita e até mesmo como centroavante, Cubilla é um perigo”.

Nascido na fronteira com a Argentina, na cidade de Paysandú (lindo nome), Cubilla parece desde sempre ter sido um fanfarrão que resolvia. É a impressão deixada pelo livro Héroes de Peñarol, que no perfil ao ponta compila a impressão do historiador Atilio Garrido sobre o primeiro treino dele, aos 18 anos, recém-chegado da cidade natal: “tornou-se famoso um episódio. Encontrou uma bola na metade do campo e enfileirou até a área. Quando apareceu William Martínez, o pivete atrevido lhe passou a bola por entre as pernas e se meteu na área gritando o tradicional ‘opa, opa’ dos baldios quando se fazia essa jogada… William era uma verdadeira torre do Peñarol e do futebol uruguaio. Tinha 30 anos, havia jogado no Nacional, Rampla Jrs e com a Celeste no Maracanã e logo campeão sul-americano em 1956. Por outra parte, era o capitão do Peñarol e da Celeste. William não suportou tanta falta de respeito. Deu a volta e começou a correr atrás de Cubilla pela lateral do campo para pegá-lo…. sem dúvida alguma, Cubilla demonstrou nessa incidência  que estava adornado não só de destreza técnica dos grandes jogadores, mas também de personalidade e temperamento necessário para transformar-se em um dos jogadores mais importantes da segunda metade de século XX”.

Uma pose característica por Peñarol, River, Nacional, Uruguai e Defensor: decisivo em todos

O atrevido logo apareceu no time adulto, estreando em 20 de julho de 1958 em amistoso contra o Defensor. Exatamente a partir daquele ano, o Peñarol iniciou um pentacampeonato seguido, igualando uma marca então exclusiva que o rival Nacional (pelos gols do argentino Atilio García) alcançara na virada dos 30 para os 40. El Negro esteve presente nas quatro primeiras conquistas da série, firmando-se a partir de 1959 ainda como meia-direita. Naquele ano, a disputa uruguaia com o Nacional foi ferrenha; a dupla terminou igualada e, diante da realização da Copa América extra em dezembro e das férias no assassino verão platino, o jogo-extra só ocorreu já em 20 de março de 1960. Cubilla abriu o placar a nove minutos do fim, e uma briga generalizada não tardou a ocorrer, gerando quatro expulsões a cada lado antes que o argentino Carlos Linazza assegurasse o título ao converter um pênalti. Menos de um mês depois, os campeões já estreavam na Libertadores, iniciada em mata-mata contra o Jorge Wilstermann. Cubilla marcou nos dois jogos e adiante voltaria a ser decisivo nos instantes derradeiros. Agora, na decisão, a sete minutos do fim do embate no Defensores del Chaco; até então, o Olimpia devolvia o 1-0 sofrido no Centenário, mas o empate premiou os visitantes em Assunção em 19 de junho.  

Com Cubilla (que em agosto estreava pelo Uruguai) firmado na ponta-direita, o Peñarol na sequência do ano falhou no Mundial Interclubes, mas soube vencer a liga uruguaia em novo jogo-extra final contra o co-líder, dessa vez o Cerro. Em 1961, voltou a ser carrasco do Olimpia na revanche ocorrida na semifinal da edição de 1961 – marcou tanto no 3-1 em Montevidéu como no 2-1 fora de casa. O Peñarol, por sua vez, garantiu a primeira tríplice coroa no continente, com os títulos da liga uruguaia e da Libertadores se somando a seu primeiro Mundial, com direito a um 5-0 no Benfica de Eusébio. Em paralelo, a Celeste, ausente da Copa de 1958, voltou ao Mundial tendo como único adversário nas eliminatórias a Bolívia. Pois El Negro abriu o placar no empate em 1-1 arrancado na altitude de La Paz antes da vitória por 2-0 no Centenário. No Chile, acompanhado do irmão Pedro, igualou o escore aberto pela Colômbia de Adolfo Pedernera antes da virada celeste na estreia, e uma lesão tornou-o desfalque sentido na derrota de 3-1 para a Iugoslávia.

Ele voltou para o tira-teima com o URSS, onde não foi impediu a eliminação decretada no penúltimo minuto, quando os soviéticos assinalaram o 2-1. Apesar da queda na primeira fase, Cubilla cavou uma transferência ao Barcelona, que reuniu uma colônia uruguaia: Julio César Benítez, Alcides Silveira e Ramón Villaverde se juntaram a ele na Catalunha. Não foi o bastante para ele se ambientar. Em tempos de Real Madrid de Di Stéfano hegemônico em La Liga (emendando-se um penta seguido ainda recordista), só pôde ser campeão da Copa do Rei de 1962-63. Ao fim da temporada 1963-64, já enfrentava os outrora colegas em um 5-1 aplicado pelo River pela Copa Ibero-Americana, torneio de pré-temporada realizado em junho no Monumental. Em jejum desde 1957, o clube de Núñez vinha e um bivice seguido, mas foi inconstante em 1964, longe do campeão Boca. O próprio Cubilla também não convenceu de início, só anotando um gol, em 4-3 no Racing. Desabrochou no primeiro turno de 1965, com sete gols nas primeiras quinze rodadas ajudando o Millo e terminar líder da metade inicial. Mas a liderança foi perdida em pleno Superclásico na antepenúltima rodada e adiante o Boca terminou campeão por um ponto a mais.

Em 1966, foram quinze gols na liga argentina, incluindo o segundo de um 2-0 que encerrou uma invencibilidade de 39 jogos do Racing, a mais longa até então no profissionalismo (superada só pelos 40 do Boca de Bianchi em 1999). Só que a série invicta deu gordura suficiente para o time de Avellaneda ser campeão sem sobressaltos, em novo vice para o River – que, por outro lado, pôde sonhar mais concretamente na Libertadores. A edição que admitiu livremente vice-campeões pela primeira vez guardou os primeiros Superclásicos continentais, tanto pela fase de grupos como pelo quadrangular-semifinal. O ano de 1966 marcou inclusive o fim de jejum de onze anos sem que o River vencesse o rival na Bombonera. Silvio Marzolini, que na Copa do Mundo daquele ano foi eleito o melhor lateral do torneio, era o marcador do ponta. Três décadas mais tarde, declararia que “Cubilla era muito vivo, muito habilidoso. Contra eles, mais do que força, tinha que se usar habilidade. Eu vivia em Belgrano, a dez quadras de Cubilla. Sem sermos amigos, havia um respeito mútuo. Era uma relação muito boa, cordial”, embora assumisse  os nervos à flor da pele com o vaivém de provocações naquele clássico. Algo sentido pelo árbitro, que chamou a dupla para uma conversa de advertência na qual Marzolini acatou parar com sua conduta, “mas diga a esse que não se aproxime porque o mato!”.

River antes do 5-1 no Barcelona, ex-clube de Cubilla, em 1964: Enrique Fernández, José Ramos Delgado, Mario Bonczuk, Luis Artime, Vladislao Cap, Ermindo Onega, Roberto Matosas, Hugo Gatti, Cubilla, Alberto Sainz, Oscar Más e o técnico José Manuel Moreno

O uruguaio fez o gol que colocou o River na decisão, em jogo-extra contra o bi seguido Independiente após ambos ficarem igualados ao fim do quadrangular-semifinal. Também foi necessário jogo extra na decisão, após River e Peñarol venceram cada partida em casa. Reencontrando velhos colegas em Santiago, o ponta inicialmente sorriu com o 2-0 aberto pelos argentinos, que não seguraram a boa vantagem e terminaram derrotados por 4-2 na prorrogação – nascendo assim o apelido de gallinas. O uruguaio permaneceu em Núñez por mais dois anos; em 1967, ele e o time foram sem sal nos torneios argentinos (Cubilla só marcou quatro gols), mas ainda chegou às semifinais da Libertadores. Em 1968, o clube foi semifinalista do Metropolitano e teria sido o campeão do Nacional se o lateral adversário Luis Gallo não usasse a mão para impedir gol certo de Jorge Recio aos 37 minutos do segundo tempo no compromisso final com o Vélez, em irregularidade não punida pela arbitragem; o lance surgiu após bola levantada por Cubilla na área, e ele ainda teve tempo de acertar o travessão no finzinho. A partida terminou empatada e adiante o Vélez coroou-se pela primeira vez campeão, ao derrotar o Racing por aquele triangular final.

Embora ex-jogador (brilhante) do Peñarol e assumido torcedor aurinegro, Cubilla acertou com o Nacional em 1969, vendido por 30 milhões de pesos por um River que ficaria órfão por alguns anos na ponta-direita. Tratou de exibir seu profissionalismo já no primeiro clássico como tricolor, onde cavou uma falta em encontro com Juan Joya e disparou rapidamente o tiro livre, empatando o dérbi. Tratou de passar dezesseis clássicos invicto, inclusive. Tetracampeão seguido pelo rival no passado, tratou de ser igualmente tetra seguido pelo novo clube. Tratou, sobretudo, de contribuir ativamente na primeira conquista do Nacional na Libertadores e no Mundial: “quando as coisas estiveram más, me deem a bola”, ordenava sua autoridade, segundo seu perfil no livro Héroes de Nacional. Redator dessa obra e da Héroes de Peñarol, Gerardo Bassorelli incluiu apenas El Negro nos dois livros. Uma conquista inédita na Libertadores apareceu no horizonte já em 1969, quando o Bolso decidiu a competição contra o detentor da taça, o Estudiantes.

Técnico da Argentina campeã de 1986, a raposa Carlos Bilardo ainda jogava no time de La Plata e declarou à revista El Gráfico que a preleção que mais se recorda como jogador deve-se ao uruguaio, pela final daquela Libertadores: “no Uruguai, nos últimos 15 minutos nos mataram. Malbernat marcava Cubilla, mas Cubilla foi ao meio e nos deu um baile bárbaro. Para a revanche, tivemos 25 minutos de conversa para ver como anularíamos Cubilla se viesse ao meio. O detalhe é que esse temor existia mesmo com os argentinos tendo conseguido vencer por 1-0 dentro do Centenário no jogo de ida. Na volta, ganharam de 2-0 e foram bicampeões em 21 de maio. El Negro, em paralelo, voltou à seleção em junho: por mais que jogasse bem na vizinha Argentina, não se convocava quem atuasse no exterior. Em agosto, após ter como adversários Equador e Chile, a Celeste já se encontrava classificada à Copa do Mundo. O Nacional terminou o ano como campeão uruguaio com folga, só perdendo sua invencibilidade na rodada final, já campeão e desfalcado. Mas a ressaca na Libertadores seguia forte e o veterano então recomendou aos cartolas tricolores a aquisição do matador Luis Artime, a quem conhecia dos tempos de River. Espécie de Gerd Müller argentino, Artime declararia Cubilla como seu melhor companheiro de área.

Sem a companhia de Artime na seleção, cabia a Cubilla se isolar no ataque pela Celeste, em esquema 4-5-1 onde era o único com liberdade para não marcar adversários dada pelo técnico argentino Juan Hohberg. Na Copa de 1970, destacou-se pelo cruzamento no limite da linha de fundo para o gol de Víctor Espárrago já aos 12 minutos de prorrogação contra a URSS nas quartas-de-final, em troco simbólico por 1962. E outra revanche permearia as semifinais, mas agora desfavorável. Em clássico visto como vingança pelo Maracanazo, El Negro assustou esses planos quando um chute fraco de canela desferido na marra antes da chegada da marcação de Piazza foi aceito por Félix aos 18 minutos. O Brasil virou para 2-1 e Félix pôde se redimir, salvando uma cabeçada à queima-roupa de Cubilla, no lance mais perigoso da Celeste antes da eliminação ser assegurada pelo 3-1 anotado por Rivellino no penúltimo minuto. Ainda assim, foi a melhor campanha uruguaia em copas por quarenta anos, igualada pelo quarto lugar em 2010. O Nacional era a base daquele elenco e, seriamente desfalcado, caiu cedo na Libertadores de 1970, mas terminou o ano bicampeão uruguaio seguido com sete pontos de vantagem, quando as vitórias ainda valiam só dois pontos.

Bem como técnico do Newell’s em 1980, Cubilla teve no Olimpia as grandes alegrias como treinador – na imagem, em 1990, ano em que foi eleito o técnico do ano na América do Sul ao vencer a Libertadores e Supercopa

A redenção continental enfim veio em 1971, mesmo sob turbulência econômica que fazia o time desgastar-se em conciliar os compromissos domésticos com excursões no exterior para arrecadar fundos – e jogar ainda a Libertadores, eliminando o Peñarol na primeira fase onde só o líder avançava, o Palmeiras na semifinal e saboreando um troco na decisão contra o Estudiantes, que almejava o tetra seguido até Cubilla centrar para a cabeça de Artime anotar o 2-0 na finalíssima na neutra Lima. No decorrer do ano, o tricampeonato uruguaio veio com apenas duas derrotas em 27 jogos, e em dezembro a tríplice coroa foi comemorada diante do Panathinaikos do técnico Ferenc Puskás. O sucesso esportivo não significava bonança financeira, sujeitando os tricolores a extenuantes excursões por Europa, onde um surto de varíola pela Iugoslávia assustou a delegação, e Ásia. O time não teve fôlego ao voltar para defender seu título na Libertadores, caindo no triangular-semifinal em pleno clássico com o Peñarol onde era preciso vencer por cinco gols. Artime marcou três contra zero do rival, mas Cubilla perdeu um pênalti e os rivais caíram abraçados; a vaga na decisão ficou com o Universitario. O tetra uruguaio veio, mas seguido de um desmanche e jejum finalizado só em 1977.

Artime rumou ao Fluminense e o papel de novo supergoleador do futebol charrua passou a ser de Fernando Morena, incorporado pelo Peñarol em 1973, levando o rival a conquistas seguidas na liga. Cubilla seguiu no Nacional e na seleção até 1974, despedindo-se da Celeste na precoce queda na Copa do Mundo. Após um hiato no Chile pelo Santiago Morning, pendurou as chuteiras em altíssimo estilo, no Defensor campeão uruguaio de 1976 – taça que rompeu 45 anos seguidos de duopólio na liga, em campanha encampada pelos descontentes com a ditadura militar instaurada três anos antes no país. El Negro seguiu fazendo história no destino seguinte, o Olimpia, seu primeiro clube como técnico; assumiu em 1978 e no ano seguinte conseguiu nada menos que a única tríplice coroa do futebol paraguaio: campeão da liga, levantou ainda a primeira Libertadores e único Mundial do clube (e do país), as primeiras comemoradas fora do trio de ferro Argentina-Brasil-Uruguai. Na Libertadores, os alvinegros sobrepujaram o Guarani de Careca nas semifinais e não se intimidaram com o Boca, então bi seguido, na decisão.

Em Assunção, os paraguaios venceram por 2-0 e conseguiram segurar o placar zerado na Bombonera, na noite mais triste da carreira do ponta boquense Carlos Salinas, que assim descreveu o adversário: “estava Cubilla de técnico, que era um bicho bárbaro. O mais lento aí subia um pau de sebo, imagina o mais rápido”. Após tornar-se o primeiro a vencer o Mundial Interclubes como jogador e treinador, voltou ao futebol argentino, contratado pelo Newell’s. E fez uma grande campanha no Torneio Nacional de 1980: líder de seu grupo, a Lepra protagonizou uma reviravolta nos mata-matas, perdendo por 3-2 para o River no Monumental e levando de 2-0 em casa antes de uma épica virada para 6-2. O feito, porém, terminou ofuscado nas semifinais, quando o time caiu justamente por 3-1 agregado para o rival Rosario Central, adiante campeão. El Negro então voltou a seu Uruguai e ao Peñarol, que vivia de um dos seus anos mais turbulentos, com seis treinadores tendo trabalhado em 1980 por Las Acacias (incluindo o brasileiro Dino Sani e Alcides Ghiggia). Repatriando não só Cubilla mas também Morena após a venda do artilheiro em 1979, o Peñarol terminou 1981 como campeão uruguaio.

O time-base campeão reconquistaria em 1982 a Libertadores após dezesseis anos. El Negro, porém, não ficou para a glória continental, não tendo seu contrato renovado – seu título em 1982 foi a liga uruguaia em um retorno ao Olimpia e em 1983 foi requisitado pelo Atlético Nacional. Não conseguiu fazer o time de Medellín ser campeão, mas o bom nível do narcofútbol impressionou-o a ponto de quase cometer uma heresia: contratado no início de 1984 pelo River, inicialmente não se impressionou com as exibições ainda erráticas do jovem Enzo Francescoli e pensou em usa-lo como parte do pagamento por Roque Alfaro e Julio César Falcioni, ambos argentinos do dominante América de Cali. Ao fim, só Alfaro veio. Na época, Francescoli não questionou o comandante: “sabe motivar de novo o plantel. Fala de campeonatos, de título, da grana que podemos ganhar se aproveitamos todas as oportunidades. Nos faz sentir verdadeiramente jogadores do River. Falei com Cubilla e lhe perguntei se lhe ia ser útil. Me disse que queria ver-me bem fisicamente e que ficasse tranquilo: ele confiava muito em minha capacidade. Isso foi tudo…”.

José Luis Rodríguez, José Albornoz, Marcelo Saralegui, Estanislao Struway, Cubilla, Pablo Michelini, Alejandro Lanari, Néstor Clausen e Carlos Soca. Imagem do medíocre Racing de 1994 vale mais pela curiosidade de três que jogaram no Independiente (Albornoz, Saralegui e Clausen)

Vale dizer que o River vinha de vacas muito magras após uma farra em dólares para trazer Kempes e outros medalhões em 1981 em resposta à ida de Maradona ao Boca. Os desmandos da ditadura fizeram a moeda ianque se valorizar em 240% e o time se desmanchou, perdendo o próprio Kempes, Passarella e Ramón Díaz pouco após a derrota nas Malvinas. Em 1983, mesmo já com Francescoli, o Millo terminou em penúltimo no Torneio Metropolitano, salvo da queda apenas porque exatamente naquele torneio foram implantados os famigerados promedios. Ainda com toque de Midas, Cubilla levou o time à final do Torneio Nacional já no primeiro semestre de 1984. Mas chegar à final não era o bastante ao gigantismo do clube, amassado em casa pelo Ferro Carril Oeste na decisão. Cubilla terminou por renunciar em setembro. Seu destino em 1985 foi o Nacional, tornando-se um raríssimo vira-casaca como jogador e técnico na dupla uruguaia, mas não teve à frente dos tricolores o mesmo êxito passado como treinador aurinegro.

Ele recuperou-se em um terceiro passo pelo Olimpia, iniciado em 1988 já com título local antes de levar o Decano a três finais seguidas de Libertadores, entre 1989 (ano de novo título paraguaio) e 1991. A temporada dourada foi a de 1990, com a conquista não apenas de La Copa, sobre o Barcelona de Guayaquil dos argentinos Miguel Brindisi e Marcelo Trobbiani, mas também da Supercopa, erguida já em janeiro de 1991 após uma campanha cinematográfica: devolveu em casa um 3-0 do River e eliminou-o nos pênaltis e adiante bateu Racing e a dupla Peñarol e Nacional – aplicando um 6-0 nos aurinegros e, em pleno Centenário, um 3-0 nos tricolores. Sem surpresas, Cubilla foi eleito o técnico sul-americano de 1990 e foi repatriado pelo Uruguai, agora para substituir Oscar Tabárez na seleção. O que prometia ser o auge da nova carreira foi o início do declínio, porém; El Negro renegou quem atuasse na Europa e não conseguiu resultados nas Copas América de 1991 e 1993, saindo ainda em agosto de 1993 após uma série de resultados ruins no início das eliminatórias: empates em casa contra Equador, Brasil e derrota para a Bolívia que pesaram para a posterior eliminação celeste.

Um dos mais afetados pelo “boicote europeu” de Cubilla, Francescoli, já consagrado, não titubeou em critica-lo: “vinha sofrendo dois anos de luta com Cubilla e meio Uruguai. ‘Tirem o passaporte desse traidor da pátria’, me diziam. Por isso desabei em um canto do Maracanã a chorar”. O Racing, ainda assim, apostou no Negro para 1994, mas já não havia toque de Midas: após ser vice do Apertura 1993, a Academia em 1994 ficou na metade inferior da tabela tanto no Clausura como no Apertura e o ponta Claudio García relembraria o uruguaio como pior técnico que teve, dando como exemplo em como a promessa Claudio López era desacreditada a ponto de regredir nervosamente e ter sua venda recomendada anos antes de deixar 20 milhões nos cofres racinguistas como ídolo enfim negociado. Nisso, o Olimpia voltou a ser o porto seguro do treinador, que passou a metade final dos anos 90 por lá, erguendo quatro ligas locais entre as cinco disputadas de 1995 a 1999.

Em 2000, Cubilla passou pelos rivais Cerro Porteño e Libertad, sem êxito assim como em um regresso à Argentina pelo Talleres, em 2003 – passagem que ficou mais recordada pelo registro fílmico cômico de um triunfo de virada por 4-2 fora de casa onde oferece uns caramelos a um torcedor do Huracán que vociferava no alambrado antes de ele regressar ao Olimpia já sendo campeão: em julho, seu 2-0 no San Lorenzo em jogo único em Los Angeles valeu a Recopa Sul-Americana, que terminou sendo o último troféu de uma carreira vitoriosa, mas sob crescente declínio. Até 2012, El Negro ainda trilhou por Comunicaciones (Guatemala), outra vez Olimpia, Barcelona de Guayaquil, Colegio Nacional de Iquitos (Peru), uma última vez no Olimpia e por fim no Tacuary, já sob um câncer gástrico que o levou em Assunção a poucas semanas do 73º aniversário, em 3 de março de 2013.

Com o jovem Roque Santa Cruz em um treino do Olimpia no fim dos anos 90, canto do cisne do uruguaio
https://twitter.com/CONMEBOL/status/1243889810311458816
https://twitter.com/escobasybidones/status/1243897130361724928

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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