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25 anos do último título da seleção: a Copa América de 1993, com o luxo de dispensar Maradona

Desde 4 de julho de 1993, craques de calibre mundial já surgiram na seleção argentina principal. Nomes diversos que, na teoria, não fariam jus a uma longa estiagem de títulos para a Albiceleste, em que pesassem as seleções concorrentes. Mas um jejum, a completar um quarto de século hoje, abarcou toda a carreira de alguns e ainda marca as dos mais recentes. Muitos troféus vieram, na verdade, mas só às seleções juvenis, o que inclui os dois ouros olímpicos. Para a principal, nada. E pensar que aquela Copa América havia sido o quarto troféu internacional seguido em três anos…

Introduzindo assim, fica até incrível lembrar que aquela taça coroou um recorde de invencibilidade naquele tempo no futebol de seleções, 32 jogos. Ainda mais ao ressaltar que Maradona só esteve em duas dessas partidas. Ele fora suspenso em 1991 por um ano e meio por uso de cocaína, ausentando-se da vitoriosa Copa América daquele ano, a encerrar jejum continental de 32 anos do país. Em fevereiro de 1993, Diego  estava de volta à Albiceleste, disputando com o Brasil o amistoso pelos cem anos oficiais da AFA (aquele em que o gol argentino teve a surpreendente autoria de Mancuso) e vencendo o último troféu da carreira: a Copa Artemio Franchi, tira-teima do campeão sul-americano com a campeã europeia, a Dinamarca.

Mesmo ao fim da punição a Maradona, o técnico Alfio Basile se dera ao luxo de, sem El Diez, coordenar a Argentina que voltou a vencer a Copa América há 25 anos. Estes títulos recolocaram a seleção como maior vencedora do torneio (o Uruguai reigualou em 1995 e reultrapassou em 2011). A taça de 25 anos atrás também não teve Caniggia, que acabara de ser suspenso pelo mesmo motivo. A Copa América de 1993, de fato, marcou fins de ciclos e inícios de outros: foi uma das últimas ocasiões em que clubes locais ainda predominavam em relação aos europeus nas convocações.

Só cinco vinham do Velho Continente: Darío Franco (Real Zaragoza), Simeone (Sevilla), Leo Rodríguez (Atalanta), Redondo (Tenerife) e Batistuta (Fiorentina). Estes últimos, após temporadas bem lembradas: pelo segundo ano seguido, o Tenerife acabara de vencer o líder Real Madrid na última rodada do Espanhol e ajudar o título a ficar com o Barcelona. Redondo iria ao próprio Real, onde também seria ídolo. Já Batigol não conseguira impedir o rebaixamento da Viola, mas seguiria na seleção como caso mais célebre dos que a defenderam vindo de uma 2ª divisão (ele seguiria no clube de Florença, ajudando-o a voltar imediatamente à elite já na temporada seguinte).

Leo Rodríguez e Goycochea eram raros “estrangeiros” de uma seleção ainda caseira. Rodríguez marcou gol no Brasil e o goleiro voltou a ser o “Tapa Penales”

Os outros “estrangeiros” vinham da América Latina, algo retomado pelo atual técnico Sabella: Goycochea estava no Olimpia, o lateral Sergio Vázquez era da Universidad Católica (vice da Libertadores daquele ano, para o São Paulo) e o capitão Ruggeri, do América do México, país vencido na final. Aquele foi justamente o primeiro torneio da Conmebol a convidar representantes da América do Norte. Ali, os EUA também estiveram pela primeira vez na competição, a reunir a dupla norte-americana com as dez seleções sul-americanas. Três grupos de quatro cada se formaram, com líderes, vices e os dois melhores terceiros avançando às quartas-de-final.

A chave argentina era a mais equilibrada. Tinha os próprios mexicanos e também as melhores gerações de Colômbia e Bolívia, ambas classificadas à Copa de 1994 – os andinos seriam os primeiros a vencer o Brasil em uma eliminatória de Copa do Mundo. E logo os bolivianos foram os lanternas da chave… No dia 17 de junho, a Argentina estreou contra Etcheverry & cia, vencendo-os por 1-0: um condizente cabezazo de Ruggeri (conhecido como El Cabezón), afastando tiro de meta do goleiro adversário, funcionou praticamente como um lançamento para Batistuta, que, a galope, se lançou à grande área e marcou aos 8 do 2º tempo o gol do jogo.

O lado ruim ficou para Darío Franco, que se fraturou aos 32 minutos em choque com Marco Sandy. José Basualdo foi convocado de emergência para a sua vaga. Franco se recuperaria no início de 1994, mas a lesão pesou para que ele, presente na maior parte daquele ciclo (havia feito dois gols sobre o Brasil na Copa América anterior), terminasse de fora do mundial dos EUA. Contra os outros dois adversários, só empates; no dia 20, era a vez do México, cuja maior estrela era o veterano Hugo Sánchez e tinha ainda figurinhas carimbadas da virada do século: o psicodélico goleiro Jorge Campos, o meia García Aspe e o recordista de jogos pela Tricolor, o zagueiro Claudio Suárez.

La Tri abriu o placar: Zaguinho (filho do ex-corintiano Zague) passara a Sánchez, que sofrera falta, cobrada rapidamente antes que os argentinos armassem a barreira e se dessem conta que a bola já estava com Patiño. Ele ficou na cara de Goycochea para marcar, aos 14 minutos. Depois de outros 14, o empate: Claudio García puxou pela ponta-direita e passou a Batistuta, que por ali tentou chutar a gol. A tentativa funcionou como cruzamento rasteiro para Ruggeri igualar. 1-1 seria o empate também contra a Colômbia, no dia 23, jogo nervoso que teve Redondo e Rincón expulsos no início do 2º tempo. No 1º, Simeone, caracterizado pela raça, fez gol do tipo já aos 2 minutos: recebeu de Batistuta e, pela ponta-esquerda, foi derrubado na grande área por Óscar Córdoba (futuro ídolo do Boca).

Batistuta já havia sido artilheiro da Copa América anterior e foi novamente decisivo no bi. Seguido por Simeone e Gorosito após um dos gols no México; e por Cafu

Em vez de plantar um pênalti, El Cholo se levantou, foi atrás da bola e, sem ângulo, acertou as redes. Mal deu tempo de comemorar: aos 5, os colombianos se infiltraram na grande área argentina e Rincón, em jogada inversa ao que faz Arjen Robben, foi pela esquerda, engando o marcador (Ruggeri) ao girar para chutar com o pé direito e soltar um balaço nas redes. As quartas-de-final colocaram prematuramente um Brasil-Argentina. A seleção de Parreira tinha vários que ficariam de fora da Copa 1994: Antônio Carlos, Válber, Roberto Carlos, Marco Antônio Boiadeiro, Luisinho, Palhinha, Marquinhos, Edmundo e Almir jogaram naquele 27 de junho e pressionaram muito no 1º tempo, em especial com perigosos cruzamentos de Cafu (que chegou a acertar a trave) ou Edmundo pela direita.

Aos 37, Müller, também como Rincón, veio pela esquerda e cortou para a direita, driblando Borelli antes de marcar. No 2º tempo, a Argentina equilibrou. O jogo seria o terceiro 1-1 seguido da Albiceleste. O empate veio em escanteio cobrado por Gorosito na medida para um cabeceio de sucesso de Leo Rodríguez. A Argentina poderia até ter virado: em contra-ataque, Acosta se mandou à grande área, onde foi derrubado por Roberto Carlos, mas o pênalti não foi assinalado pelo peruano Alberto Tejada. E nos penais a classificação foi decidida. Melhor para os hermanos, que tinham o Tapa Penales. Goycochea, de fato, acabaria eleito o melhor jogador do torneio.

Ele se consagrara na Copa de 1990 pelas defesas em duas decisões por penais seguidas, contra Iugoslávia e a anfitriã Itália. Contudo, sua carreira clubística não deslanchara. Mas, embora estivesse no futebol paraguaio, seguia na seleção e reafirmou-se naqueles dias – após a competição, deixaria o Paraguai para voltar ao River após cinco anos. As cinco primeiras cobranças de cada time foram convertidas, mas Goyco esteve perto de defender três, de Cafu, Müller e Luisinho, só não acertando o canto nas de Zinho e Roberto Carlos. Na primeira das séries alternadas, pegou na esquerda a de Boiadeiro e viu Borelli acertar a sua para colocar a Argentina nas semifinais.

Nas semis, um reencontro com a Colômbia em 0-0, cujos maiores destaques foram cobranças de falta para cada lado: Córdoba espalmou para fora uma rasante de Batistuta, enquanto os cafeteros acertaram a trave. Os pênaltis tiveram roteiro parecido com o do Brasil: inicialmente, todos acertaram os seus, com Goycochea adivinhando três vezes a escolha colombiana, de Asprilla, Wilson Pérez e Valderrama – de quem quase pegou (tocou na bola, que escapuliu e ainda bateu na trave antes de entrar). Na primeira alternada, pegou na esquerda o de Aristizábal e Borelli outra vez definiu o resto.

Na ausência de Maradona, o capitão foi Ruggeri: com Hugo Sánchez antes da final e dividindo a taça com o técnico Basile

Na final, outro reencontro, agora com o México. Como todos os jogos anteriores, a Argentina jogaria em Guayaquil, roteiro idêntico a de outra Copa América histórica, a de 1947, marcada pelas únicas exibições de Di Stéfano pela seleção e por ter concluído um recordista tricampeonato seguido (ver aqui). Os gols vieram todos em espaço de onze minutos no 2º tempo: aos 18, a defesa argentina lançou Batistuta, que trombou com Ramírez Perales e, mesmo com Jorge Campos obstruindo-lhe o ângulo direito, chutou ali, rente ao poste.

Aos 22, Galindo venceu Goycochea num pênalti quase que cavado por ele, que havia passado bela bola a Zaguinho, derrubado na grande área. E, aos 29, Batistuta marcou novamente: Simeone ganhou um lateral próximo a área mexicana e rapidamente o cobrou para Bati, que passou por Gutiérrez e fuzilou Jorge Campos. Os astecas pressionaram, mas sem maiores sufocos, com Márcio Rezende de Freitas pedindo a bola antes mesmo do acréscimo de 2 minutos que pedira se concretizar.

Apesar do título e do bi, Basile, como Parreira, realizaria muitas alterações no seu time-base. As eliminatórias jogaram um balde de água fria naquela seleção, com o 5-0 sofrido em Buenos Aires por aquela Colômbia jogando os hermanos na repescagem e fazendo a escalação ser repensada – foi quando Maradona voltou “de vez”, bem como os sumidos Abel Balbo e Néstor Sensini. Marcado pelo 5-0, Goycochea perderia a titularidade para Islas; Chamot, Hugo Pérez e Ortega estreariam e Caniggia, em cima da hora, saiu da suspensão. Goycochea, Fabián Basualdo, Ruggeri, Borelli e AltamiranoZapata, Simeone, Redondo e Gorosito (ou Leo Rodríguez), Batistuta e Acosta foi o time titular há 25 anos, e metade, em negrito, não iria à Copa.

Franco, Craviotto, García e Zamora, outros campeões, também não iriam. E mesmo quem foi, dali a praticamente um ano só tinha lembranças distantes de quando a Argentina se colocava como principal seleção do mundo (naquele período de invencibilidade recordista e troféus em série, vencera também a primeira Copa das Confederações, em 1992): precisamente em 3 de julho de 1994, a equipe caiu na Copa dos EUA. Precisamente nas oitavas-de-final, tal como na Rússia.

Goycochea, Zamora, Mancuso, Ruggeri, Vázquez, Islas, Cáceres, Borelli, Simeone, Redondo, F. Basualdo, Zapata, Craviotto e Altamirano; Gorosito, Acosta, Rodríguez, Batistuta, García, J. Basualdo e Medina Bello. Faltou Scoponi e o cortado Franco

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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