Especiais

Queda do Independiente: grandes só caíram com técnico-símbolo

rojoqueda01

Ainda na série sobre a queda do Independiente (veja os anteriores aqui e aqui): a Argentina considera cinco clubes como “grandes”: ele, o rival Racing, San Lorenzo, River e Boca. Este, após o rebaixamento rojo no último sábado, passa a ser o único que jamais caiu para a segundona. Algo a se notar é que a queda dos demais ocorreu sempre sob o comando técnico de alguns emblemas.

Em 1972, o San Lorenzo tornou-se o primeiro clube do país a vencer em um mesmo ano os dois principais campeonatos argentinos: o Metropolitano e o Nacional – veja aqui. Dentre os integrantes, o meia Victorio Cocco e o técnico Juan Carlos Lorenzo. Cocco esteve em todos os quatro títulos obtidos no vitorioso ciclo 1968-74 dos azulgranas, sendo o jogador mais vezes campeão pelo CASLA (ao lado do goleiro Agustín Irusta, do lateral Sergio Villar e do meia Roberto Telch, colegas seus no período).

A equipe do bairro de Boedo não soube administrar sua fase mais dourada até então e, ao fim da década, teve até de deixar o dito bairro (a questão dos bairros tem muita importância no futebol da capital federal: veja aqui), seu reduto desde a fundação: em 1979, as dívidas o obrigaram a vender o estádio Gasómetro, o maior do país. A crise culminaria com o rebaixamento dois anos depois.

Cocco foi inicialmente o treinador cuervo daquele Metropolitano de 1981, não se furtando até de barrar o antigo colega Villar, único que seguia em campo pelo CASLA desde 1968. Demitido no meio da péssima campanha, quem segurou o rojão foi o mesmo Juan Carlos Lorenzo, de sucesso também no Boca (sob ele, os auriazuis venceram pelas duas primeiras vezes a Libertadores, no bi de 1977-78).

Lorenzo conseguiu sobrevida: invicto nas últimas quatro rodadas, escaparia se vencesse o também ameaçado Argentinos Jrs, ainda recuperando-se da recente saída de Maradona para o Boca. Em jogo de dois pênaltis, o Ciclón perdeu o seu e o Bicho (que pode cair nesta temporada) converteu, salvando-se e rebaixando um grande. A comoção foi tamanha que a AFA decidiu reinstaurar uma medida usada nos anos 60: os famigerados promedios, ainda em uso. O rebaixamento passou a ser definido pela média de pontos da temporada corrente com a anterior – atualmente, com as duas anteriores.

rojoqueda02
San Lorenzo contra o Argentinos Jrs, no lance da perda do pênalti. Trocou de camisa no intervalo

Os promedios ficaram marcados para retornarem em 1983, para a temporada em que o San Lorenzo presumivelmente voltaria à elite (e voltou). No primeiro ano, o efeito foi dúbio: o River Plate, sem eles, teria caído. Só que a medida acabou por condenar o Racing em seu lugar. La Academia vinha sendo comandada pelo ex-goleiro Rogelio Domínguez, ídolo racinguista nos anos 50. Sob ele terminara o campeonato de 1982 e começou o de 1983. Em um campeonato com 19 times, o Blanquiceleste ficou em 16º em 1982 e em 17º no seguinte, encerrado com o clube já sendo treinado por Juan José Pizzuti.

Pizzuti nada mais era que um símbolo ainda maior que Domínguez para o Racing. Como atacante, brilhou nos anos 50, sendo campeão em 1958 e 1960 e  quarto maior artilheiro da história da instituição, época em que ela era a maior campeã da Argentina. Já como técnico, ficou ainda mais celebrado: com ele, o Racing venceu pela única vez a Libertadores, em 1967, ano em que tornou-se o primeiro clube argentino campeão da Intercontinental. Por conta do treinador, aquele elenco virou El Equipo de José.

Dezesseis anos depois, o Racing era uma lembrança pálida do auge. Desde aquele 1967 dourado, não ganhara nenhum título. Até hoje, só venceu a Supercopa 1988 e o Apertura 2001. A queda veio sob contornos terríveis: foi sacramentada com uma rodada de antecipação para uma “imitação”, o Racing de Córdoba – treinado por Alfio Basile, um dos pilares da Equipo de José.

O pior veio na última rodada. O clube teria que visitar o arquirrival Independiente, que seria simplesmente campeão caso vencesse o clássico de Avellaneda. Conseguiu, por fáceis 2-0. E, no ano seguinte, seria campeão da Libertadores e da Intercontinental enquanto a Academia padecia na segunda divisão, sem conseguir voltar – o acesso só viria em 1985. Por sinal, com Basile como treinador.

rojoqueda03
Rizzi, que participara da queda do San Lorenzo, chora a do Racing, marcada por confrontos na torcida. Na rodada seguinte, o rival Independiente foi campeão vencendo o clássico com gol de um torcedor racinguista, Trossero

Após ser campeão da elite pela última vez, no Clausura 2008, o River foi simplesmente o último colocado no Apertura do mesmo ano, com só duas vitórias no início (2008-09) da sequência de três temporadas cujos promedios o condenariam ao fim da de 2010-11. No período, passaram pelo comando dos millonarios antigos ídolos: Néstor Gorosito, então um meio-campista iniciante em 1986 (quando o River foi campeão argentino e, pela primeira vez, da Libertadores e da Intercontinental), foi o técnico em 2009.

Ainda naquele ano, Gorosito terminou substituído pelo ex-volante Leonardo Astrada, o jogador mais vezes campeão pelo River: dez campeonatos argentinos (jogador profissional que mais venceu o torneio), a segunda Libertadores (1996) e a Supercopa 1997, ainda hoje a última taça internacional do Millo. El Jefe já havia se saído bem no cargo: iniciante na nova função, coordenou os elencos que chegaram às semifinais das Libertadores de 2004 (quando foi ainda campeão argentino) e 2005, as últimas em que a banda roja chegou tão longe.

Com Astrada, contudo, o 8ª lugar do Clausura 2009 (sob Gorosito) desceu para um 14º e um 13º lugares na temporada 2009-10. A temporada 2010-11 começou sob Ángel Cappa, então um novato em Núñez, mas credenciado pela quase conquista de um belo Huracán em 2009, polemicamente perdida para o Vélez. Cappa não resistiu e ainda em 2010 assumiu interinamente Juan José López, ex-meia e ídolo riverplatense nos anos 70 e heptacampeão nacional pelo clube como jogador. O River encerrou em 4º no Apertura 2010 e López foi efetivado. No Clausura 2011, o Millo ensaiou até brigar pelo título, mas desandou e ficou em 9º. O último lugar no já distante Apertura 2009 cobraria o preço.

Pelos promedios, o River não caiu diretamente, punição para os dois últimos. Mas, uma posição acima do antepenúltimo, precisou jogar uma repescagem (a promoción) contra o 4º da segundona, o Belgrano, o suficiente para abalar a todos em Núñez. Em dois jogos apáticos, os comandados de Jota Jota perderam em Córdoba (0-2) e, no aniversário dos 15 anos da segunda Libertadores vencida, empataram no Monumental (1-1, perdendo pênalti). Outro marcado pelo descenso foi o presidente, ninguém menos que Daniel Passarella, incapaz de reverter “o pior governo da história multiplicado por dois”, como rotulara a gestão do antecessor José María Aguilar (2001-09).

rojoqueda04
O dia em que o River caiu: o rebaixamento que mais repercutiu no mundo

Já a primeira das três temporadas que resultaram na queda do Independiente, em 2010, tinha em Daniel Garnero como técnico rojo. Era o camisa 10 da última grande fase do clube, entre 1994-95, com um título argentino, um bi seguido na Supercopa e também uma Recopa. Ainda no fim de 2010, assumiu Antonio Mohamed, ex-jogador do clube, ainda que sem tanta marca nele. El Turco priorizou a Sul-Americana (vencida para quebrar jejum de quinze anos sem taças internacionais para o outrora Rey de Copas) enquanto, no Apertura, a equipe ficava em último.

O título da Sul-Americana deixou Mohamed por mais um tempo no Rojo, mas no segundo semestre de 2011, ele (o mesmo técnico do Tijuana que quase eliminou o Atlético Mineiro na Libertadores) não resistiu. Vieram Cristian Díaz e depois Ramón Díaz, ambos com aproveitamento inferior ao de Mohamed (clique na imagem abaixo para vê-la ampliada). Para a temporada 2012-13, a diretoria tentou com Américo Gallego, último técnico campeão nacional com os diablos, dez anos antes (veja aqui) e que havia passado por lá entre 2009-10.

Mas nem sob El Tolo, adorado pela metade vermelha de Avellaneda, o rendimento melhorou. Os 41% de Mohamed ficaram em 33% com Gallego, que durou até meados deste Torneo Final. O substituto de emergência foi Miguel Brindisi, o mesmo técnico daquele vitorioso período 1994-95, retratado aqui. Brindisi teve apenas oito jogos pela frente, em perspectiva nada animadora, mas conseguiu dar um pouco de sobrevida: foi quem teve o melhor aproveitamento entre os não-interinos do Rojo nestas três temporadas, 44%. Mas a situação já havia fugido do controle.

Pagando pela presidência de Julio Comparada (2005-11, marcada por torrar as vendas de Sergio Agüero, Oscar Ustari e Germán Denis na reconstrução do estádio, finalizada aquém do porte esperado), que se sustentava no cargo por alinhar-se com os barrabravas (há quem diga que, em retaliação ao sucessor Javier Cantero, que os combatia, tais “torcedores” teriam influenciado na grande queda de rendimento a partir de 2012), o clube já precisava torcer por resultados alheios: tropeços de Quilmes, Argentinos Jrs e San Martín, que não foram vindo, especialmente nas duas rodadas passadas – nelas, os concorrentes não perderam e o Independiente, sim, caindo uma partida antes do fim.

Por hora, o Boca está em antepenúltimo neste Torneo Final e seu técnico é Carlos Bianchi. Ainda que estejam em um 4º lugar na tabela atual dos promedios, é bom os xeneizes se cuidarem para as próximas temporadas…

rojoqueda05
Clique para ampliar

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

11 + dezoito =

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.