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45 anos do mundial do Estudiantes. Em Old Trafford

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O técnico Zubeldía com seus pupilos: Malbernat, Manera, Poletti, um delegado, Spadaro, Conigliaro e Flores; à frente, Bilardo, Madero, Ribaudo e Pachamé

Há quatro décadas e meia, o Estudiantes chegava a seu apogeu futebolístico. Até pouco menos de um ano antes, era um tradicional mas nanico clube de expressão quase que restrita a La Plata e não era campeão da elite argentina desde 1913. Naquele 16 de outubro de 1968, tornava-se campeão do mundo. E sobre o tão celebrado Manchester United, em Old Trafford. Se Juan Sebastián Verón jogou nos dois, o gol do título foi justamente de seu pai, o também craque Juan Ramón Verón.

Em 1967, o Pincharrata começara a fazer história. Desde o início da era profissional, em 1931, só os chamados “cinco grandes” (Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo) haviam sido campeões. O último clube “pequeno” campeão fora justo o rival Gimnasia, em 1929. E o próprio Gimnasia, hoje tão sofrido, quase foi considerado oficialmente clube grande, em 1949, quando a oficialidade do termo terminou. Em 1967, então, os alvirrubros venceram o Metropolitano: veja nosso relato clicando aqui. E ainda foi vice do Nacional. A ascensão seguiu e em 1968, sobre a Academia do Palmeiras, o emergente Pincha abocanhou a Libertadores: contamos aqui.

Paralelamente, o Manchester United de Charlton, Best e Law tornava-se o primeiro inglês a vencer a Liga dos Campeões, dez anos após o acidente aéreo (Charlton foi um dos sobreviventes) que brecara os Red Devils. Os confrontos foram nos dias 25 de setembro, na Argentina, e 16 de outubro, na Inglaterra. Se desde 1982 a rispidez entre argentinos e ingleses deve-se às Malvinas, na ocasião o tempero extra foi a Copa 1966, ainda fresca na memória de ambos os lados. O capitão Rattín teria sido injustamente expulso e revidou desrespeitando uma flâmula britânica pendurada na bandeirinha de escanteio. O técnico da seleção inglesa, Alf Ramsey, estigmatizou os alvicelestes como Animals.

E foi ainda sob esse olhar que o tratamento argentino ao jogo foi visto e repetido negativamente como “bárbaro” pelos ingleses em 1968. A revista El Gráfico chegou a comentar o caso de um enviado do sensacionalista Daily Mail que já demonstrava má impressão de antemão: teria enviado por telex a Londres que “entra Estudiantes e se ouve uma gritaria selvagem que faz pensar em todo o horrível que poderá ocorrer nessa partida”. Foi mesmo um espetáculo pobre, admitiu a El Gráfico, mas pela fraca noite de ambos: segundo dela, “houve patadas. Como em qualquer encontro. Mas fazer da violência o tema central do jogo é ridículo e falso”. Atualíssimo?

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Aquele Estudiantes era para “Muricy Trabalho” algum pôr defeito: Conigliaro, na Bombonera, e Verón, em Old Trafford, “chegaram dando de cabeça” e fizeram os gols do título mundial

O editorial pós-ida dela registrou que “o curioso de tudo isso é que os dirigentes (Matt Busby reconheceu uma vez que viu as fotos de El Gráfico que o impedimento do gol era certo) e jogadores amenizaram suas declarações, reconheceram que o público foi excepcionalmente tranquilo e que no campo, a não ser a guerrilha Bilardo-Stiles, foi um trâmite duro e nada mais… as conversas depois do jogo continham, naturalmente, algumas frases de inconformismo, mas quando se lhes perguntava se eles concordavam com as apreciações dos enviados do jornalismo, negaram com bastante firmeza. O mesmo sucedeu com outros dirigentes (Stanley Rous, por exemplo) e com jornalistas estrangeiros não-ingleses”.

Busby era o técnico do United, o mais expressivo e longevo dele antes de Alex Ferguson. Stiles, um duro jogador do clube e do English Team campeão mundial de 1966. Rous era o presidente da FIFA. O impedimento mencionado ocorreu aos 37 do primeiro tempo: Charlton cobrou falta e Sadler emendou para o gol. Seria um gol legítimo se o colega Foulkes, em posição irregular (o uso e abuso da linha de impedimento foi uma das inovações daquele Estudiantes), não obstruísse a ação e visão do goleiro Poletti. Curiosamente, Ademir da Guia também reclama de um gol anulado do Palmeiras em 1968, mas já demonstramos (aqui) que em compensação os paulistas chegaram a ter um gol irregular validado ali.

A tensão não teve respaldo na direção do Estudiantes: “Apesar das controvérsias surgidas sobre o campo de jogo durante o primeiro encontro, quero dizer que o Club Estudiantes dispensou uma acolhida muito calorosa ao Manchester United. Em nossa estadia em Buenos Aires, fomos tratados como reis e não se poupou esforço algum para facilitar-nos quando precisamos e nos foi providenciado um completíssimo programa de entretenimentos”. Essas palavras foram de Louis Edwards em uma revista oficial do United na época. Edwards era nada menos que o presidente dos Red Devils.

Outros dizeres dessa revista, de um jornalista de Manchester: “os argentinos estavam de fato muito aborrecidos pela forma como a imprensa britânica reportou o jogo. Sua Associação de Futebol enviou carta formal de reclamação a Sir Stanley Rous descrevendo as reportagens como vitriólica e ferindo gravemente não só a seu futebol como também à sua cultura e a seu povo. Eu penso que eles foram muito sinceros no seu protesto. (…) Certamente espero que o Estudiantes receba uma boa vinda esportiva porque (…) a hospitalidade argentina foi tremenda”.

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O impedimento de Bill Foulkes, bloqueando o goleiro Poletti no gol corretamente anulado (mas que continuou a gerar reclamações) do Manchester United na Argentina

O Manchester United viera à Argentina vestido todo de azul; assim batera o Benfica de Eusébio na final europeia. Juan Ramón Verón, pai de Juan Sebastián Verón, não jogou bem a primeira final, realizada não em La Plata, mas no caldeirão de La Bombonera. Mas as estrelas inglesas também não. O popstar Best foi bem marcado por Malbernat (descrito como “um fino jogador” pela tal revista oficial do United) e Charlton, por Togneri, embora a própria mídia argentina admita que ele sentiu uma pancada de Pachamé na panturrilha direita. Quanto à Law, “pensamos que nem deve ter se banhado do jogo, porque se limitou a vê-lo sem intervir para nada no que ali ocorria”, também escreveu a El Gráfico.

O gol veio aos 27 minutos e o fato de surgir em bola mandada para escanteio por Charlton para impedir gol de Pachamé sobre um vencido goleiro Stepney é uma mostra de como o United jogou retrancado. Ribaudo cobrou, Stepney não neutralizou nem seus zagueiros e Conigliaro fez de cabeça. Dez minutos depois, veio o impedimento no gol inglês. No segundo tempo, os visitantes resolveram jogar para manter a desvantagem mínima. O jogo terminou com 20 chutes a gol do Estudiantes. E dois do Manchester… Stiles ainda saiu expulso por reclamação após novo impedimento (os ingleses foram surpreendidos pela tática e ficarem 13 vezes irregulares contra 2 dos argentinos), ao fim.

Há 45 anos, um clima mais real de guerra ocorreu no solo britânico, fomentado via deturpação dos tabloides do que ocorrera na Argentina. A característica chuva de Manchester só deixou o gramado mais pesado. No primeiro tempo, os argentinos preocuparam-se em não perder a vantagem e assim manter a calma. Com algum sucesso, apesar de cruzamentos afoitos e chutando para longe qualquer bola que escapava dos Red Devils, conseguiram. Ainda mais porque marcaram cedo; já aos 7 minutos, numa típica jogada inglesa: Verón, de costas para Stepney, desviou dele um chuveirinho de Conigliaro.

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A comemoração pós-apito final em Manchester só pôde ser completada em La Plata (à direita, o Verón “de hoje” com camisa nova deste 2013 relembrando a conquista de 45 anos atrás)…

Cada falta argentina ecoava o coro de Animals! da plateia. Lenda da El Gráfico, Osvaldo Ardizzone relatou que “é mentira o fair play. Sim, posso assegurar que é mentira. Este senhor bem vestido que estava a meu lado não aplaudia os vencedores. É igual que em minha Mataderos, que minha Avellaneda. Não, aqui tampouco admitem que lhes ganhem”. Ao fim, Best e Madero foram expulsos por agressões mútuas. Houve tempo para empate, mas tardio: aos 45 do segundo tempo, a linha de impedimento praticada pelo Estudiantes falhou a tempo de Morgan e Kidd (e não Charlton ou Law…) ficarem validamente sozinhos contra Poletti. Morgan deslocou o goleiro argentino e marcou.

O empate não bastou e o Estudiantes terminou campeão. Se não foi o primeiro campeão mundial argentino (o Racing conseguira ser isso um ano antes), foi o primeiro a não precisar de jogo-extra para isso, saindo campeão na casa adversária. O Pincha venceu outras três vezes a Libertadores (as duas seguintes, seguidas até 1970), mas só naquela vez conseguiu dar uma volta olímpica mundial. Ou quase.

Antes do jogo, correspondente do Manchester Evening News destacou que a “hospitalidade argentina” fora tremenda aos ingleses. Não foi correspondida: uma vidraça da pousada em que os argentinos se hospedaram já havia sido apedrejada – clique aqui e aqui para ver imagens a respeito. E as arquibancadas derrotadas trataram de reprimir as comemorações, aos cuspes e garrafadas. “Para ser GENTLEMEN como eles, preferimos ser ANIMALS dentro da nossa fácil, aberta, humana e franca maneira argentina…”, concluiu a El Gráfico pós-título.

FICHA DA PARTIDA – Manchester United: Alex Stepney, Tony Dunne, Bill Foulkes, David Sadler e Shay Brennan; Paddy Crerand, Bobby Charlton; Willie Morgan, Brian Kidd, Denis Law (Carlo Sartori 43/1º) e George Best. T: Matt Busby. Estudiantes de La Plata: Alberto Poletti, Oscar Malbernat, Ramón Aguirre Suárez, Raúl Madero e José Medina; Carlos Bilardo, Carlos Pachamé e Néstor Togneri; Felipe Ribaudo (Juan Echecopar 21/º), Marcos Conigliaro e Juan Ramón Verón. T: Osvaldo Zubeldía. Árbitro: Konstantin Zečević (IUG). Gols: Verón (7/1º) e Morgan (45/2º)

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…porque a torcida inglesa não admitiu voltas olímpicas adversárias em Old Trafford

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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