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Parmalat, falida há 10 anos, fracassou no futebol argentino

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Nem com Caniggia e Maradona a Parmalat fez bem ao Boca

Há exatos dez anos, na véspera do natal de 2003, a Parmalat pedia concordata, amparada por um decreto feito sob emergência menos de um dia antes. Desvios de dinheiro, falsa contabilidade, insolvência de promissórias e outras fraudes contra credores teriam ocasionado um rombo de cerca de 8 bilhões de euros, fazendo com que o presidente do grupo, Calisto Tanzi, fosse preso quatro dias depois em um dos maiores escândalos empresariais da história. No futebol, a marca vinha sendo sinônimo de sucesso mundo afora. Curiosamente, isso não se deu em três tentativas na Argentina.

Para realçar o fracasso com os hermanos, temos de contrapor com o sucesso dela em outros gramados. O ingresso no futebol internacional veio com tudo: no Real Madrid, em 1985. La Quinta del Buitre, elenco de bons pratas-da-casa como Emilio Butragueño, que originou o apelido, não teve pudor em tirar do rival Atlético de Madrid o craque Hugo Sánchez naquele ano. O time não teve o sucesso europeu dos tempos do argentino Di Stéfano, mas, como na época dele, conseguiu outro penta espanhol (segundo e último de La Liga). Jorge Valdano e Oscar Ruggeri foram os destaques argentinos.

Do outro lado do Atlântico, outro time também repetiu um feito de sua melhor época, ainda que igualmente sem sucessos internacionais dela. Também foi um penta caseiro: o Peñarol conseguira seu primeiro Quinquenio de Oro na época de Spencer, Pedro Rocha, Joya, Sasía e Gonçalves, nos anos 60. E logrou outro entre 1993 e 1997, motivo extra de festa por ter “virado o jogo” contra o Nacional, cujo único penta uruguaio foi nos anos 40, no embalo do argentino Atilio García (clique aqui).

A Parmalat não podia deixar de fortalecer o clube de sua cidade: o Parma viveu sua época de ouro nos anos 90. Saiu da segundona italiana em 1990 e três anos depois já vencia a Recopa Europeia. O time auriazul nunca conseguiu vencer a Serie A, mas seguiu entre os mais fortes do país e da Europa na época: um vice italiano, duas Copas da Itália e duas Copas da UEFA foram outros logros, embalados pelos argentinos Roberto Sensini, Hernán Crespo e Juan Sebastián Verón.

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Bengoechea (que foi do Gimnasia La Plata em 1992) e seu sinal de penta na mão; os argentinos Valdano no Real Madrid também penta e Acosta na Universidad Católica que quebrou jejum

Na Rússia, a parceria foi com o decadente Dínamo de Moscou. Após a aposentadoria em 1971 do mito Yashin, o time da KGB só havia conseguido um título soviético, em 1976, e duas Copas da URSS. Com a Parmalat, veio um vice russo em 1994 e seu último troféu, a Copa da Rússia em 1995. Outro time que com a empresa desfez um bom jejum foi a Universidad Católica. O alvo inicial no Chile havia sido sugestivamente o Audax Italiano, que no máximo conseguiu sair da segundona em 1996.

O Audax segue desde então na elite, mas foi descartado. Em 1997, os investimentos passaram à Católica, que naquele mesmo ano venceu o chileno, após dez anos sem títulos nele. Os 3-0 na final contra o Colo-Colo vieram com gols argentinos: do artilheiro do campeonato, David Bisconti, de um grande ídolo do San Lorenzo, Alberto Acosta, e de Ricardo Lunari, ex-Newell’s de Marcelo Bielsa.

No mesmo 1997, o mexicano Toros Neza, regido por Antonio Mohamed (maior ídolo dos últimos 25 anos do Huracán), chegou a um vice, seu melhor resultado até hoje. No Benfica, o jejum veio depois do fim: venceu o campeonato nacional em 1994, mas com o fim da parceria já em 1996, só voltou a vencer a liga portuguesa em 2005. O pernambucano Santa Cruz viveu algo parecido: foram dez anos entre a taça estadual em 1995 para a seguinte, em 2005, ano também de acesso à elite nacional.

Já falando no Brasil, o Palmeiras desfez seca de 17 anos em 1993 para montar esquadrões e vencer três estaduais, dois brasileiros, dois Rio-São Paulo, uma Mercosul, uma Copa do Brasil e, no ápice, a Libertadores 1999. Em 2000, ainda ganhou a Copa das Campeões e só não venceu a Mercosul por uma das maiores reviravoltas do futebol, contra o Vasco. A parceria acabou ali e o time jamais foi o mesmo: dois anos depois, mesmo com o pentacampeão Marcos e o excelente Arce, foi rebaixado pela primeira vez. Desde então, só um Estadual, uma Copa do Brasil e dois famigerados “títulos” na Série B.

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Parma campeão da Copa da UEFA 1999, com Sensini (primeiro em pé), Verón (antepenúltimo) e Crespo (penúltimo agachado). E Buffon, Cannavaro, Thuram… outro hermanos foram Balbo e Ortega

Outro alviverde chegou a seu maior momento no mesmo 1999: o Juventude, campeão da Copa do Brasil diante de cem mil apoiadores do Botafogo no Maracanã. O último beneficiado no Brasil foi o Paulista, campeão da terceirona de 2001 como Etti Jundiaí. Já na Argentina, os resultados foram decepcionantes, assim como na Nicarágua (cujo Parmalat FC foi criado em 2000 e dissolvido em 2004) e no húngaro Videoton, que entre 1994-96 também chamou-se Parmalat FC. Só que na Argentina as apostas caíram em três clubes, todos tradicionais, diferentemente de na Hungria, onde Ferencváros, MTK, Újpest e Honvéd são os maiorais. O primeiro alvo argentino foi logo o Boca.

A primeira impressão não poderia ser melhor: não era campeão argentino desde o título maradoniano de 1981 e, com a chegada da empresa de laticínios, desfez em 1992 o maior jejum nacional auriazul (clique aqui). Mas ficou só naquilo. O time só voltaria a vencer já sob Carlos Bianchi, em 1998 (clique aqui), com a parceria desfeita em 1996. A maior decepção veio em 1995: o Boca, que no primeiro semestre perdeu a Supercopa para o Independiente, no segundo recebeu as estrelas Caniggia, “recolocado” do Benfica e de frisson também por ter começado a carreira no River, e, sobretudo, Maradona.

O Boca era líder invicto até a antepenúltima rodada, quando sofreu um incrível 6-4 do vice Racing na Bombonera e se abalou. A ponto de ter ficado a seis pontos do campeão, o Vélez de… Carlos Bianchi. Bianchi chegou ao Boca em 1998 e realizou sua estreia com ele no campeonato argentino diante do Ferro Carril Oeste, que ali passava a estampar a Parmalat no peito. Dez anos antes, o Ferro viveu seu ápice, logrando prestígio mundial que não coube a nenhum outro clube argentino, sendo premiado pela UNESCO (clique aqui). Arquirrivais do Vélez, os verdolagas tinham supremacia sobre ele em 1988.

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Ferro Carril Oeste em 2000, em seu último clássico contra o Vélez – o verde argentino da Parmalat caiu naquele ano; e o Estudiantes em 2001, quando quase caiu também…

Uma década depois, porém, a balança despencara a favor do outro lado. Com o novo patrocinador, o FCO, que vinha de campanhas medianas, passou a não superar nem mesmo o 17º lugar e caiu em 2000. O adicional cruel foi sofrer um 6-1 para o Vélez em 1999, com direito a três gols de Chilavert, talvez a única ocasião em que um goleiro conseguiu um hat trick. A laderia seguiu abaixo: ao fim da temporada 2000-01, o tradicional clube do bairro de Caballito caiu para a terceirona. Até hoje, não voltou à elite.

Por fim, em 2000 a Parmalat deixou o Ferro e passou a patrocinar o Estudiantes. O problema é que o Pincha amargava jejum nacional desde 1983 e nem lembrava o temível tri seguido da Libertadores no fim dos anos 60. Até rebaixado foi, em 1994, com os jovens Verón e Palermo. Nesse período, o melhor time de La Plata era o rival Gimnasia. Primeiro, passando cinco anos sem perder o clássico, entre 1986 e 1991. Depois, com os gêmeos Barros Schelotto, vencendo a Copa Centenário em 1994. Em seguida, chegando a cinco vices entre 1995 e 2005 (muito para o Lobo, que só foi campeão em 1929).

O Estudiantes só se reergueu em 2006, com o retorno de Verón resultando em imediato título argentino. Só que a Parmalat se retirou em 2002. A primeira temporada, aliás, por bem pouco não foi desastrosa: em 2000-01, os alvirrubros ficaram duas posições acima dos times que precisariam jogar a hoje extinta repescagem contra o rebaixamento (a Promoción, encerrada em 2012). Na segunda, não foram além de um sétimo lugar, enquanto o Gimnasia chegou a outro vice…

Que a seleção tenha sorte bem diferente em 2014. A nossos seguidores, desejamos um feliz natal!

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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