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Argentinos nos 120 anos de história do Flamengo

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Valido e Doval, dois imortais da história rubro-negra

O Flamengo comemorou oficialmente anteontem seus 120 anos, mas quem conhece a história rubronegra sabe que a data real da fundação deu-se em 1895 dois dias depois do feriado da república. Portanto, é neste 17 de novembro que o clube alcança suas doze décadas, ricas em bons estrangeiros. E a nacionalidade forasteira que reúne mais campeões (e o maior artilheiro estrangeiro) é justamente a argentina. Hora então de relembrar os vários hermanos da nação!

O primeiro apareceu em 1937: Agustín Cosso, matador importado do Vélez. Artilheiro do campeonato argentino de 1935, chegara à seleção e deixara ótimos 95 gols em 123 partidas por La V Azulada. No Mengão, o desempenho não foi inferior: marcou 20 vezes em 29 jogos. Dava-se bem nos gramados, mas não se ambientou tanto na nova cidade e já em 1938 regressou à Buenos Aires. Ainda em 1937, um combinado de argentinos reservas em seus clubes, batizado de Beccar Varela, veio ao Rio de Janeiro travar alguns amistosos. Três deles acabaram no Mengão: o lateral-esquerdo Arcadio López (que havia ido à Copa de 1934), do Ferro Carril Oeste; o zagueiro Atmio Luis Villa e o atacante Agustín Valido, ambos do Lanús. Só este último ficaria mais de uma temporada.

Valido eternizou-se depois de aposentado: foi no primeiro tricampeonato estadual. Convencido a atuar nas duas últimas partidas em 1944, fez com febre o gol do título, sobre o Vasco. Se radicaria no Rio de Janeiro, onde faleceu em 1998. Dedicamos-lhe um especial: clique aqui. Valido havia se formado no Boca, de onde o Flamengo pinçou os dois hermanos seguintes: os atacantes Francisco Provvidente e Alfredo González. Provvidente era um reserva com mais de um gol por jogo nos auriazuis, motivo pelo qual estes haviam recusado-se a vendê-lo ao primeiro interessado, o Nacional (com a recusa, os uruguaios escolheram aleatoriamente aquele que viria a ser seu maior artilheiro: Atilio García).

Dos dois, porém, foi González quem melhor rendeu. Provvidente não se firmou e saiu no início de 1939, enquanto o novo reforço deixou 31 gols em 49 jogos – o melhor deles, a tarde de 1938 onde anotou três gols (Valido fez outro) em um 5-0 no Botafogo em pleno campo de General Severiano. Foi outro que se enraizou no Rio de Janeiro, defendendo ainda Vasco e o próprio Botafogo, além de treinar o Bangu campeão estadual pela última vez (em 1966, justo contra o Flamengo).

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Volante e os campeões de 1939, cheios de argentinos: ele, Valido, Orsi e Naón são os quatro primeiros em pé da esquerda para a direita. Alfredo González é o nono

O título de 1939 teve uma verdadeira colônia argentina. Além de Valido e de González, haviam, por ordem de chegada, o meia Carlos Volante e os atacantes Arturo Naón e Raimundo Orsi. Todos tinham passagem pela seleção, com Orsi tendo mais cartaz: se consagrara na Juventus quando o time alvinegro firmou-se como gigante (penta italiano de 1931 a 1935) e vencera pela Itália a Copa de 1934, marcando gol na final. Antes, pela Argentina, havia sido medalha de prata nas Olimpíadas de 1928. Naón, por sua vez, ainda é o maior artilheiro da história do Gimnasia LP.

Curiosamente, foi novamente o teoricamente menos badalado quem se deu melhor. Volante jogava no futebol francês e por lá se juntou à seleção brasileira, da qual foi massagista na Copa do Mundo de 1938. O “intercâmbio” rendeu-lhe a vinda à Gávea ainda naquele ano, para se tornar o estrangeiro que mais vezes jogou pelo Flamengo até então. Seu sobrenome originou a expressão “volante” para designar aquele meia recuado, que oferece uma proteção extra à defesa. Era como atuava.

Campeão de outros dois estaduais (1942 e 1943), Volante fez história também no futebol baiano, em especial no Bahia, treinando o tricolor na vitoriosa final da Taça Brasil de 1959: clique aqui. Naqueles anos de Platinismo, onde abundavam jogadores argentinos no Brasil, o Flamengo adquiriu diversos outros até os anos 50: o meia Julio Castillo, ex-River, prometia em 1940 ao somar seis gols em nove jogos, mas faleceu prematuramente.

Já os atacantes Emilio Reuben (ex-Vélez e nascido no Canadá) e Ricardo Alarcón (jogador de seleção por San Lorenzo e Boca – fez o primeiro gol da Bombonera), o defensor Sabino Coletta (ex-Independiente), o atacante Rafael Sanz e o defensor Alfredo de Terán (ambos ex-Banfield) também jogaram pouquíssimo, mas por motivos menos trágicos. Estrelas em seu país, nenhum passou dos dez jogos pelo rubro-negro, embora alguns tenham integrado o tri de 1942-1944. Quem soube render mais tempo foi o goleiro Eusebio Chamorro, ex-Newell’s e integrante já do segundo tri, de 1953-56.

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Goleiros: Chamorro salvando em cima da linha o segundo tri, Domínguez (em festa com Doval) e Fillol

Entre 1965 e 1967, o Flamengo foi treinado por Armando Renganeschi, campeão estadual em 1965. Rogelio Domínguez jogou de 1968 a 1969 como um goleiro já consagrado: estivera no Real Madrid de Di Stéfano pentacampeão europeu e colecionara bons momentos também por Racing, seleção (campeão da Copa América de 1957, presente na Copa do Mundo de 1962) e, mais recentemente, Nacional (vice na Libertadores de 1967). Aposentou-se no Mengão. Foi sem títulos, mas houve quem votasse nele como melhor goleiro do clube em eleição promovida pela Placar em 2006.

Domínguez foi anfitrião de Narciso Doval, que aportou do San Lorenzo em 1969, indicado pelo técnico Tim (treinador dos azulgranas campeões invictos em 1968, algo então inédito no profissionalismo argentino). Teve altos e baixos no início, a ponto de ser emprestado ao Huracán em 1971, mas firmou-se no retorno como o grande ídolo pré-Zico no início dos anos 70. Virou goleador no Brasil e formou grande dupla com o próprio Zico. Venceu duas vezes o Estadual e foi artilheiro em outra, ainda em tempos de prestígio equilibrado com o do Brasileirão.

El Loco ainda é o maior artilheiro estrangeiro do Flamengo, conseguindo ser ídolo também no Fluminense. Mais um argentino que virou carioca, este grande personagem também já teve especial dedicado a si: clique aqui. Bem diferente foi a trajetória obscura do zagueiro Jorge Paolino, ex-Racing e seleção que entre 1976-77 jogou apenas nove vezes, desentendido com técnico e direção. Já Ubaldo Fillol tornou-se o primeiro (e único) que a seleção argentina chamou do Mengão, entre 1984 e 1985.

Consagrado no River e seleção, o campeão da Copa de 1978 fora contratado ainda recém-chegado ao Argentinos Jrs para tentar suprir de uma vez a aposentadoria de Raul e a lacuna de idolatria deixada pela venda de Zico ao Udinese. Deu azar de estar nos anos de entressafra entre a primeira e segunda passagens de Zico pelo Flamengo, não ganhando títulos. Começou muito bem, mas declinou e ao fim a torcida já chegava a pedir nova chances a Cantarelli. Detalhamos neste outro Especial.

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Mancuso com a taça estadual de 1996, talvez o último ídolo. Biancucchi e Bottinelli, marcados por Fla-Flus, foram xodós momentâneos

Outro campeão do mundo que veio nos anos 80 foi o atacante Claudio Borghi, único que talvez supere Diego Maradona como maior ídolo do Argentinos Jrs: presente em todos os títulos do modesto clube (como jogador no bi argentino de 1984-85 e na Libertadores de 1985, como técnico em 2010), foi justamente o primeiro apelidado de “novo Maradona” e venceu com ele a Copa de 1986. Mas entrou em rápido declínio, decepcionando no Milan e no River antes de não render também na Gávea, em 1989. Seu sucessor foi o último com passagem pela seleção a vir ao clube: o volante Alejandro Mancuso.

Mancuso veio do Palmeiras e conquistou a massa pela raça e os títulos em 1996 (estadual, invicto, e a Copa Ouro Sul-Americana, primeiro título continental desde a Libertadores de 1981). Foi o último a ter maior destaque: os seguintes, já no século XXI, foram no máximo razoáveis. O volante Hugo Colace veio em 2007 sob indicação do próprio Mancuso, mas se queimou em expulsão precoce contra o Vasco. O meia-atacante Maxi Biancucchi veio do Paraguai como o obscuro primo de Messi também em 2007, na grande campanha que levou o Flamengo da zona de rebaixamento a um 3º lugar.

Maxi virou xodó especialmente após marcar o gol da vitória sobre o Fluminense e até esteve no plantel campeão brasileiro em 2009, mas também não se firmou e no futebol baiano é que conseguiu luz própria. Em 2008, o meia Rubens Sambueza sequer chegou aos dez jogos. Já Darío Bottinelli, da boa Universidad Católica de 2010-11, foi quem mais conseguiu uma sequência na Gávea, entre 2011 e 2013. Como Maxi, teve seu momento de glória em um Fla-Flu, virando para 3-2 ainda em 2011 com dois gols após os 40 minutos do segundo tempo. Mas não conseguiu uma regularidade de boas partidas.

Os argentinos mais recentes vieram em 2014. O meia Lucas Mugni, promessa do Colón, e o volante Héctor Canteros, ex-Vélez, não convenceram a massa; Mugni está inclusive emprestado ao Newell’s. Ultimamente é o basquete que vem sabendo aproveitar argentinos, sendo no ano passado campeão mundial no embalo de Nicolás Laprovíttola e reforçado pelo veterano Walter Herrmann, medalha de ouro nas Olimpíadas de 2004 – nelas, foi colega de outro recente flamenguista, Federico Kammerichs. Vale lembrar ainda de Ricardo Ibarra, estrela nos anos 70 e 80 no esporte original do clube, as regatas, participando como rubro-negro das Olimpíadas de 1984.

Sobre argentinos nos outros grandes cariocas, clique para conferir os de America, Bangu, Botafogo, Fluminense e Vasco.

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Ibarra, Kammerichs, Laprovíttola e Herrmann: destaques em outros esportes relevantes no Flamengo

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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