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Argentinos nos 110 anos do Bangu

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O capitão Rafagnello: um zagueiro Belfort Duarte

Há uma semana, o Bangu Atlético Clube completou 110 anos de existência. Outrora bem mais prestigiado, o alvirrubro já colecionou poucas mas boas estórias com o futebol argentino. Como muitos dos primeiros times do país hermano, por sinal, foi um clube fundado por ingleses.

Dois anos após a fundação, o Bangu participou da primeira edição do campeonato carioca. Mas só voltou a participar em 1910, sendo colocado na segunda divisão. Ela foi vencida no ano seguinte. O goleiro era argentino: Luis Raison, cujo momento de glória na campanha foram dois pênaltis defendidos contra o São Cristóvão. Em uma época em que os goleiros usavam a mesma roupa dos colegas, se notabilizou também por usar vestes diferentes. Em 1912, foi jogar no time reserva do Fluminense. O elenco de 1911, aliás, continha quatro negros: pioneiro antes até do Vasco.

O primeiro resultado mais expressivo do clube talvez tenha vindo em 24 de maio de 1919. O Bangu nem chegou perto do título, mas, com gol de Pastor, conseguiu um honroso empate em 1-1 em casa (ainda não em Moça Bonita e sim na Rua Ferrer) nada menos contra a seleção argentina! A Albiceleste viera ao Brasil disputar a Copa América e, após a eliminação, aceitou um amistoso contra o clube. Naquele dia, foi reforçada por dois uruguaios. Este link contém um belo relato da ocasião. Já o clube contou com Luiz Antônio, o mais velho dos irmãos Da Guia e jogador banguense por 19 anos.

O Bangu passou a ser um dos mais bem consistentes do Rio na virada dos anos 20 para os 30, embalado por outros do clã Da Guia, como o atacante Ladislau (maior artilheiro alvirrubro); o mais famoso, o zagueiro Domingos, que brilharia no Boca; e o meia Médio, outro que passou pela seleção. Mesmo já sem Domingos, o time conseguiu seu primeiro título na elite estadual em 1933. Mas logo saiu das cabeças.

O Bangu só voltou a se intrometer entre o quarteto principal já no início dos anos 50: terceiro em 1950, vice em 1951 e quarto em 1952. Um dos protagonistas era o zagueiro Ramón Rafagnello (comumente grafado no Brasil como Rafanelli ou Rafagnelli), ex-integrante do celebrado elenco vascaíno da década anterior apelidado de “Expresso da Vitória”. Ele veio a Moça Bonita em 1949, um ano após integrar o Vasco campeão sul-americano em um torneio embrião da Libertadores: clique aqui. Ficou até 1953. Apesar da imagem de rude que se pregou aos defensores argentinos hoje, Rafagnello era limpo, inclusive recebendo o Prêmio Belfort Duarte – distinção oferecida a quem passava dez anos sem ser expulso.

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Jogadores da Argentina e do Bangu posando juntos antes do amistoso de 1919

Ele foi contratado justamente para substituir o veteraníssimo Domingos da Guia, que se aposentara no clube em que foi criado. Virou até capitão. Mas o principal personagem banguense naquelas boas campanhas dos anos 50 era inegavelmente Zizinho, recém-chegado do Flamengo. O que poucos sabem é que a partida de despedida do “Mestre Ziza” no Bangu foi nada menos que outro amistoso dos alvirrubros contra a Argentina, e em Buenos Aires, no estádio do Huracán.

Em 7 de novembro de 1957, Roberto Zárate e Omar Corbatta abriram 2-0 no primeiro tempo. Mas o Bangu perseverou no segundo e arrancou um empate, com Ubaldo Miranda e o próprio Zizinho, que se despedia também marcando seu último gol pelo clube, “arrematando uma boa avançada, numa bela virada”, segundo o Jornal do Brasil. O pessoal de Moça Bonita pode gabar-se de enfrentar duas vezes a Albiceleste sem perder. O jogo, aliás, opôs os dois maiores artilheiros da Copa América, ambos com 17 gols: o próprio Zizinho e o argentino Norberto Tucho Méndez (clique aqui).

Nos anos 60, o Bangu, mesmo vendendo cedo demais Ademir da Guia ao Palmeiras, foi forte. Em duas Copas seguidas, por exemplo, cedeu titulares à seleção, os defensores Zózimo (1962) e Fidélis (1966). Ainda com Ademir, venceu a duríssima Liga Internacional de Futebol de 1960 em Nova York. Depois foi 3º no estadual de 1963, bivice em 1964-65 e enfim campeão em 1966, seu segundo e último título estadual, até hoje também o último não levantado pelos quatro grandes. Foi o último time que a própria seleção brasileira enfrentou antes de ir ao México para a Copa 1970 (e não perdeu: 1-1, marcando um gol a favor e um contra; Neném da Guia, o último do clã, defendeu o clube nesse jogo).

A final de 1966 foi marcada pelo descontrole do flamenguista Almir Pernambuquinho, ex-Boca. Os banguenses deram um passeio de 3-0 e o polêmico atacante resolveu praticar pugilato nos adversários. Os técnicos oponentes eram hermanos: Armando Renganeschi no Flamengo e Alfredo González no Bangu. González chegou a treinar Grêmio e Internacional e, ainda como jogador, defendera Flamengo, Vasco e Botafogo – falamos aqui. No Bangu, teve outras passagens como técnico em 1969 e em 1977. O Bangu foi ainda vice estadual em 1967. Naquele contexto forte, atraiu em 1968 um dos mais celebrados jogadores argentinos: José Sanfilippo, maior artilheiro da história do San Lorenzo, com 207 gols.

Sanfilippo também foi quatro vezes (seguidas) artilheiro do campeonato vizinho, só sendo superado entre os profissionais por Maradona. Já pelo Boca, foi quem mais deu trabalho ao Santos de Pelé nas finais da Libertadores 1963, marcando três vezes. Seu desempenho no Bangu, porém, foi decepcionante, a começar pela estreia, em que o protagonista foi Antunes (irmão de Zico), autor dos três gols do Olaria na vitória por 3-1 enquanto o argentino terminou substituído. O time como um todo foi ruim no Estadual, o que na época foi um contraste, como explícito na nota “Botafogo ainda invicto enfrenta Bangu descolocado”, do Jornal do Brasil de 22 de abril.

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González, que treinou também o Palmeiras vice da Libertadores 1968; Sanfilippo: justo o maior artilheiro do San Lorenzo (e quinto maior do campeonato argentino) foi o único fiasco

“Posso apontar três fatos como responsáveis pelos insucessos do Bangu no campeonato: a venda de Paulo Borges, a contratação de Sanfilippo e alguns problemas físicos de jogadores considerados titulares absolutos. (…) Sanfilippo chegou para o Bangu como uma espécie de salvador da pátria, mas infelizmente não foi feliz em suas apresentações e criou-se, então, uma série de problemas. Alguns companheiros, cujo nome não revelarei, ficaram contra o jogador e disso resultou um clima de mal-estar, mas parece que está tudo serenado”, disse o goleiro Ubirajara na época.

Paulo Borges era a estrela máxima e fora ao Corinthians, onde ficou conhecido como autor de um dos gols do fim do jejum corintiano de onze anos contra o Santos pelo Paulistão. Sanfilippo (que de fato ainda é reconhecido na Argentina pelo temperamento e falta de modéstia) não o substituiu à altura: jogou 14 vezes e marcou só três gols, todos em uma única partida, contra o fraco América de Teófilo Otoni. Ou seja, passou em branco nas demais 13. Naquele mesmo ano, foi negociado com o Bahia, onde conseguiu ser ídolo. El Nene ainda voltaria veteraníssimo em alto estilo ao San Lorenzo em 1972, integrando o primeiro time a vencer no mesmo ano os dois torneios argentinos: clique aqui.

O Bangu teve sua última década de prestígio nos anos 80, sendo vice no Brasileirão 1985 mesmo somando mais pontos que o campeão Coritiba e estando seis vezes entre os quatro primeiros do estadual entre 1980-87 – a decadência começou já em 1988, ao ser rebaixado no Brasileirão, em uma década já sem um sotaque rio-pratense presente. Abaixo, as escalações dos dois jogos contra a Argentina:

Argentina: Cayetano Saporiti (Montevideo Wanderers), José Benincasa (Peñarol) e Roberto Castagnola (Racing), Francisco Olázar (Racing), Eduardo Uslenghi (Porteño) e Pedro Martínez (Huracán), Pedro Calomino (Boca), José Laiolo (River), Edwin Clarke (Porteño), Carlos Izaguirre (Porteño) e Juan Perinetti (Racing). Bangu: Mattos, Luiz Antônio e Leitão, Claudionor, Joppert e Aderbal, Valdemiro, Pastor, Patrick, Feliciano e Antenor.

Argentina: Julio Musimessi (Boca), Pedro Dellacha (Racing) e Juan Carlos Murúa (Racing), Francisco Lombardo (Boca), Néstor Rossi (River) e Ángel Schadlein (Gimnasia LP), Omar Corbatta (Racing), Norberto Méndez (Huracán), Juan José Ferraro (Vélez), Diego Bayo (Gimnasia LP) e Roberto Zárate (River). T: Guillermo Stábile. Bangu: Ernâni, Darci Santos, Darci Faria, Alcides e Zózimo, Nilton dos Santos, Calazans e Zizinho, Ubaldo Miranda, Décio Esteves e Luís Carlos. T: Gentil Cardoso.

*O Especial não seria possível sem o Bangu.net, exemplo de fonte de dados a outros clubes brasileiros

Sobre argentinos nos outros grandes cariocas, clique para conferir os de America, Botafogo,  Fluminense e Vasco.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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