Primeira Divisão

Carlos Volante, ícone do Lanús que triunfou no Rio Grande do Sul (e no Brasil)

Além do técnico Volante, os agachados Villalba e Fandiño também eram argentinos. Imagem do 1909emcores

Já confessamos que, com o 2-0 do River em La Fortaleza, preparamos estoque para mais uma nota da série “Elementos em comum” que fazemos entre equipes argentinas e brasileiras na Libertadores, dessa vez entre ele e o Grêmio, e até separado esta imagem para fins de humor. Para Lanús x Grêmio, a quantidade é nula: nenhum estrangeiro tricolor foi granate, assim como nenhum brasileiro de lá foi gremista – no Brasil, Zezé Gambassi (grená em 1961) só jogou em pequenos paulistas e Jadson Viera (2007-10), no Vasco. Mas houve um ícone lanusense a passar pelo Rio Grande. E triunfando: Carlos Volante treinou o Rolo Compressor do Internacional. E “fez seu nome”, ou melhor, sobrenome, no Brasil. Literalmente.

O pai dele, o imigrante italiano e ferreiro ferroviário Giuseppe Volante, adquiriu uma das cotas oferecidas pelo proprietário do enorme terreno que daria origem à cidade de Lanús. Carlos foi o quarto de sete filhos de Giuseppe. Viria a se consagrar mais internacionalmente do que na própria terra natal, onde o Volante mais notabilizado foi o sétimo filho do italiano: José Pepe Norberto, o primeiro dos três homens que no profissionalismo argentino foram jogadores, técnicos e presidentes de um mesmo clube (claro, o Lanús), antecedendo Carlos Babington (Huracán) e Daniel Passarella (River).
 
Carlos Volante, por sua vez, foi “apenas” jogador e técnico no Granate e nas duas funções não passou de um ano no time. Ainda assim, construiu renome para ter perfil no livro 97 Íconos de la Historia Granate (de 2012, quando o clube fazia 97 anos), bem como no ABC Granate (de 2013). Nascido em 1905, passou por outros clubes da cidade. Nas categorias de base, começou na quinta divisão juvenil do Argentino de Lanús. Na idade da quarta divisão juvenil, passou ao Lanús Central, sendo campeão e voltando ao Argentino, onde não teve continuidade. Em 1923, ingressou nos grenás para, em 1924, já integrar o quadro de aspirantes. Foi o capitão do elenco vice-campeão nessa categoria e no mesmo ano, estreou no time adulto. Foi em 19 de outubro, na 24ª rodada do campeonato, no 2-2 com o Tigre.
 
Volante jogou até 1926 no clube, quando foi 6º colocado entre 26 equipes, até então a melhor campanha do time. Mas não passou de onze jogos, sem gols, sem maiores registros fotográficos (a imagem abaixo à esquerda é uma montagem, pois a camisa era a marrom do Platense). Em 1927, passou ao Adrogué, que pouco depois foi desafiliado. O jogador foi cumprir serviço militar, onde foi buscado pelos dirigentes do San Martín. Em 1928, ele ingressou no Platense, onde obteve uma sequência maior. Na mesma época, o irmão José Volante, da mesma posição de centromédio, começava no time adulto do Lanús, que viria a enfrentar o Platense em 24 de março. Os irmãos teriam combinado que Carlos não jogaria. A mãe Luísa interferiu e ordenou que o mais velho também jogasse e que ambos lutassem pela vitória. E José foi uma das figuras da vitória lanusense por 5-2.
À esquerda, como capa da revista argentina El Gráfico em 1930. Nas outras imagens, duas notas elogiosas na imprensa gaúcha, sobre seu aniversário e despedida   
Já Carlos foi punido pela diretoria do Platense, que acreditou que ele não havia dado tudo de si. O jogador passou pela insólita situação de ouvir as duas torcidas o chamando de traidor… ele defenderia se dizendo que um pontapé sofrido aos 10 minutos afetou suas condições físicas. A resposta ao novo clube logo seria dada: o Platense não passou de um 25º lugar de 36 times em 1928, mas Volante estreou em novembro pela seleção, em amistoso não-oficial com o Boca (1-1). Em fevereiro (6-1) e março (2-0), mais dois jogos não-oficiais, ambos contra o America-RJ. Em 16 de junho, a estreia oficial, no 1-1 com o Uruguai no Gran Parque Central de Montevidéu.
 
Volante jogaria novo amistoso não-oficial em agosto de 1929, contra o Ferencváros húngaro (2-0). Ausente das convocações à Copa América daquele ano (realizada em novembro) e da Copa do Mundo de 1930, voltou a ser chamado em agosto de 1930, na primeira partida da seleção após a Copa. Três dias depois da final, jogadores não-convocados foram reunidos para amistoso contra a Iugoslávia, a semifinalista que ainda estava de passagem pelo Rio da Prata. E que foi derrotada por 3-1 por aquele virtual time B. Foi o último jogo de Volante pela Argentina. Ele também não durou muito no Platense; no fim de 1930, integrou uma celebrada excursão do Vélez pelas Américas, onde um elenco tido pela crítica como capaz de envergonhar o país perdeu só uma partida no exterior até meados de 1931.
 
Quando estava na etapa chilena da viagem, Volante recebeu telegrama de José avisando-o do interesse do futebol italiano: o Gimnasia LP também fazia uma excursão, esta à Europa, onde o centromédio José María Minella (nome do estádio de sua Mar del Plata natal na Copa de 1978) brilhou na trajetória do primeiro time argentino a vencer tanto o Real Madrid como o Barcelona (sim! Saiba mais). Também empatou em 2-2 com o Napoli, que se interessou por Minella. Ele negou e então lhe solicitaram quem em Buenos Aires seria parecido com ele, no que respondeu sobre Volante. No ano de 1946, quando Volante voltou ao Lanús para treina-lo, relembrou a ocasião à revista El Gráfico
 
“Se armou a grande discussão na minha casa, que tens que ir, que não vás, que vás sim… eu tinha a esperança de levar algum dia meu pai para ver sua Itália de que sentia falta fazia muitos anos. Minha mãe não queria deixar-me ir. Então lhe propus: ‘veja, mamãe: vou pedir um disparate para que não me contratem. Se me dão 150 mil liras por dois anos e 4 mil por mês, me deixa ir?’. Aceitou. Propus… e me responderam afirmativamente. Me deram tudo mais duas passagens, uma para meu pai e outra para mim. O grande sonho se cumpriu e durante nove anos estive na Itália e na França. Vi grandes equipes como a Juventus, a Internazionale, a Roma, o Torino… e vi jogar os ingleses dentro e fora de sua casa”. 
Volante no Flamengo e os campeões de 1939, cheios de argentinos: ele, Valido, Orsi e Naón são os quatro primeiros em pé da esquerda para a direita. Alfredo González é o nono  
 
Marcelo Calvente, um sobrinho-neto de Volante, detalhou o que veio depois: na Itália, jogou por Napoli, Livorno (onde venceu a Serie B de 1933) e Torino. E conheceu e casou-se com uma certa Maria Luisa, da elite da sociedade de Turim. Mas assustou-se com a determinação de Mussolini em obrigar ítalo-estrangeiros que estivessem no país a defender o exército. Em 1935, quando os fascistas invadiram a Abissínia (atual Etiópia), Volante e esposa escaparam pela Suíça rumo à França, onde ele defendeu Rennes (foi finalista da Copa da França), Lille e o CA Paris – hoje sumida, essa equipe ainda existe e era onde jogava Lucien Laurent, autor do primeiro gol das Copas do Mundo. Segundo Calvente, Volante veio a se assustar na França com o mesmo clima bélico que sentira na Itália.
 
O jogador então aproximou-se da seleção brasileira na Copa de 1938, onde improvisou-se como massagista, para rumar infiltrado de volta à América. Ele assim se tornou até hoje o único argentino a compor uma delegação brasileira em Copas do Mundo. Voltou junto com os tupiniquins e conseguiu no Rio de Janeiro se alojar no Flamengo, onde brilhou. Em 1939, o rubro-negro encerrou seu maior jejum estadual (doze anos) em uma equipe repleta de argentinos: ele, Agustín ValidoAlfredo González, Raimundo Orsi (outro que fugia da Itália, pelo qual marcou o gol do título da Copa de 1934) e Arturo Naón. Volante chegou a ser até os anos 50 o estrangeiro que mais vezes defendeu o Flamengo, onde foi campeão também em 1942 e 1943, pendurando as chuteiras e voltando à Argentina.
 
Seu estilo ímpar como centromédio fez com que o sobrenome viesse a nomear o próprio posto, com diferentes técnicos solicitando aos colegas de posição “que joguem como Volante”, um meia recuado que se movia e criava jogo ao invés de alguém de postura rígida e fixa, como era comum. A frase foi virando “que joguem de volante” e seu significado se espalhou pela América, inclusive na Argentina, para onde o jogador, uma vez aposentado, voltou. Em 1945, virou técnico do Lanús, afirmando “como dizem na França: sempre se volta ao primeiro amo. Sou técnico do clube em que me iniciei neste esporte que me deu tanto e ao qual devo as maiores e mais inesquecíveis emoções experimentadas em minha vida”. O desempenho em 1946, quando ficou por mais tempo, foi de um mero 12º lugar. Curiosamente, em janeiro daquele ano ele voltou a compor a delegação brasileira, participando como sparring convidado no time de reservas nos rachões internos em meio à Copa América.
 
Como técnico granate, foram ao todo 30 jogos, com 8 vitórias, 7 empates e 15 derrotas. Números nada auspiciosos, mas o que fez ele deixar o clube foi uma proposta do Internacional e a não-adaptação da esposa na Argentina. O Inter vinha atravessando uma década vitoriosa, com seis títulos estaduais seguidos, mas a série se interrompera exatamente em 1946, ano de título gremista. O “Rolo Compressor” voltou, com a imprensa também o rotulando continuamente como “os pupilos de Volante”. O time ganhou os títulos de 1947 e 1948, tendo mais três argentinos: José Villalba, o segundo maior artilheiro dos Grenais, Francisco Fandiño e Moisés Beresi, ex-gremista campeão em 1946. 
Além de Volante, Beresi (com S) e Villalba eram argentinos. Imagem do 1909emcores
Na campanha de 1947, ano em que Volante foi campeão também como técnico do time de aspirantes, o Jornal do Dia até ventilou que o treinador também poderia entrar em campo no primeiro Grenal do campeonato municipal (então classificatório ao Estadual), se escalando como elemento surpresa. O futebol do Inter foi descrito como “de ação harmoniosa”, “convincente”, “aplastante” e “eficientíssima”, após um 6-0 no Cruzeiro-RS naquela campanha; “vistoso, bem coordenado, que serviu para demonstrar o esplêndido estado de treinamento em que se encontra a equipe”, após um 3-0 no Grêmio em 1948 – ano em que, contra um time de reservas, o Inter também conseguiu sua maior goleada nos Grenais, um 7-0 com quatro gols do argentino Villalba.
 
O mais surpreendente em leituras da época é notar homenagens gremistas ao rival antes da partida, incluindo flores e um cartão de prata – clique aqui e veja você mesmo. O argentino jamais foi derrotado nos doze clássicos que disputou. E sete gols foram até dados como rotineiros: “o Internacional, ainda domingo, deu mostra de seu poderio, abatendo de maneira espetacular e convincente o onze do Riograndense, um dos mais categorizados esquadrões de quantos concorreram ou estão concorrendo ao Campeonato Estadual de 1948. O escore que então construiu: 7 x 2, chega a não constituir novidade para os torcedores do ‘Rolo Compressor’, já que fazer 7 tentos em seus adversários, qualquer que seja sua categoria, se tornou ‘tabela’ no onze preparado por Volante” foram as palavras do Jornal do Dia antes da semifinal com o Floriano. Na final, 5-0 no Grêmio Santanense.
 
Volante, figura que “que desfruta de largo prestígio e de grande simpatia no seio da grande família colorada, em face de suas excepcionais qualidades de caráter (palavras de Jornal do Dia de 13 de novembro de 1947)”, rescindiu sem conflitos o seu contrato em 1948, pouco após o bicampeonato, para voltar ao Rio de Janeiro. Faria talvez ainda mais história na Bahia: assumiu o Vitória em 1953, quando o Leão enfim profissionalizou o seu futebol, sendo imediatamente campeão baiano após 44 anos, iniciando assim a rivalidade com o Bahia. Campeão com os rubro-negros também em 1955, Volante foi ainda mais longe no rival, treinando-o na finalíssima da vitoriosa Taça Brasil de 1959 sobre o Santos. Primeiro técnico campeão nacional no Brasil, Volante também foi o primeiro técnico de um time brasileiro na Libertadores, na edição de 1960.
 
Seu sobrinho-neto Calvente contou que só o viu uma vez, na Argentina, nos anos 70, pois Volante decidiu naquela década voltar com a esposa à Itália, falecendo e sendo enterrado em Milão em 9 outubro de 1987. Fica nossa homenagem tardia pelos 30 anos sem ele. E válidas observações naquela nota da El Gráfico de 1946, em tempos menos globalizados, menos lucrativos (para os jogadores) e de menos importância do futebol, onde também fala do peso psicológico favorável ou contra de uma mudança de país:
 
“Na Inglaterra, a organização é magnífica, exemplar. Os managers britânicos constituem a autoridade absoluta. E os jogadores vivem para sua profissão; treinam todos os dias, se cuidam zelosamente. Nos matches amistosos ou nas excursões, a conduta deles é distinta da que mostram no campeonato, pois se limitam a cumprir. Ao contrário, jogando pelo certame oficial, se empenham ao máximo. E há que vê-los ali para aprecia-los, para compreender e aceitar que são os melhores. Não sei que efeitos terá a guerra produzido no futebol britânico. Só posso declarar que, quando o vi, era realmente maravilhoso em todos os seus aspectos. Eu vi jogadores vivazes em muitas partes do mundo. Vivazes, digo, e não desleais. Mas de tudo o que vi na Europa, o maior espetáculo esportivo, o de maior transcendência, é a Volta de França. Nada repercute tanto como essa corrida ciclística. Não se fala de outra coisa”.
 
“Há dos nossos os que se engrandecem fora e se diminuem na própria casa e outros, o contrário. Por exemplo: vi [Carlos] Santamaría [ex-Fluminense e Botafogo] e Alfredo González [Flamengo, Vasco e Botafogo] darem verdadeiros espetáculos no Brasil. Não se trata de jogar bem: eu disse espetáculos. Santamaría voltou ao River e González ao Boca para ter que voltar ambos ao Rio. Me lembro que o half me dizia: ‘piso numa cancha argentina e já perco a confiança em mim mesmo’. Atilio Demaría [campeão com a Itália na Copa de 1934] foi um magnífico insider na Itália, mas aqui não correspondeu quando quis retornar. Enrique Guaita [também de 1934] impressionava. Nunca pude entender o que lhe aconteceu no Racing. Já na Europa, um jogador rende e, em especial, os ingleses. No nosso ambiente se produzem uns alto-e-baixos impressionantes. Certo é que há intemperança de parte dos torcedores, mas mais que nada existe um fator psicológico, algo que induz a duvidar das próprias condições e aí se explica os desníveis tão marcados”.
 
Com agradecimentos especiais ao historiador Esteban Bekerman por compartilhar excelentes registros históricos argentinos, de época, sobre Carlos Volante. Bekerman é dono da Entre Tiempos, a única livraria de Buenos Aires voltada exclusivamente ao futebol.
Volante
Os campeões nacionais pelo Bahia em 1959 vinte anos depois, em 1979, em reportagem da Placar. Venceram os veteranos do Vitória por 3-0!

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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