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Sul-Americana 2017, também uma homenagem póstuma do Independiente a velhos ídolos copeiros falecidos nesse ano

Poucos times no mundo têm uma mística comparável à do Independiente. O time de Avellaneda foi o primeiro argentino bi da Libertadores, o primeiro bi do Mundial, o primeiro bi da Supercopa. Agora, é o primeiro bi campeão no Maracanã. O Maracanazo Rojo anterior foi em 1995, também contra o Flamengo, e em pleno centenário rubro-negro. Naquela ocasião, o técnico dos argentinos era Miguel Ángel López, ex-jogador do elenco tetra seguido com o clube na Libertadores, nos anos 70. Assim que definiu-se uma nova final com o Mengo, o twitter de Zurdo (“Canhoto”) López tratou de trazer diversas vezes à tona as lembranças de 1995. Ao mesmo tempo em que lamentava por velhos diablos fundamentais para a identidade copeira.

A primeira perda no ano, em 20 de abril, foi a de Roberto Ferreiro, simplesmente o técnico do primeiro Mundial ganho pela equipe, em 1973. Ferreiro também foi o segundo dos oito homens (junto do pioneiro Humberto Maschio e dos “sucessores” Luis Cubilla, Juan Mujica, José Omar Pastoriza, Nery Pumpido, Marcelo Gallardo e Renato Gaúcho) a ganhar a Libertadores como jogador e técnico. E o primeiro a conseguir isso por um mesmo clube. Como um rude marcador pela lateral, esteve no bi de 1964-65 na Libertadores, as primeiras ganhas pelo futebol argentino.

Ferreiro, com seu característico fino bigodinho, foi o capitão dos campeões da Libertadores de 1965. Apesar do sucesso do clube, foi justamente ele o único daqueles campeões aproveitado pela seleção na Copa do Mundo no ano seguinte – a Argentina convocou outros três rojos, mas todos pertencentes a outros clubes em meio ao bi de 1964-65 (o citado Pastoriza estava no Racing, o centroavante Luis Artime era do River e o ponta Aníbal Tarabini, do Temperley – curiosamente, seu falecimento dera-se em um 21 de abril, mas de vinte anos atrás, em 1997).

Como um treinador de palavras simples, El Pipo Ferreiro obteve, além do Mundial de 1973, também a Libertadores de 1974 (“as falhas nos custaram caro, mas eles são frouxos atrás. Ali em Avellaneda vamos lhes pisar”, diagnosticou após a derrota no Morumbi no primeiro jogo final contra o São Paulo). Ainda como assistente técnico, influenciou na contratação de Francisco Sá, beque desacreditado no River, clube que Ferreiro defendera no fim da carreira de jogador e onde conhecera Sá. Bom, Pancho Sá viraria justamente o homem mais vezes campeão de La Copa, seis: esteve em todo o recordista tetra do Independiente entre 1972-75 e também nas duas primeiras ganhas pelo Boca, no bi de 1977-78.

Em 15 de julho, o clube perdeu Néstor Rambert. El Chanana não chegou a vingar como atleta rojo, no início dos anos 60, defendendo inclusive o Racing como reserva do rival campeão continental e mundial em 1967. Rambert, porém, viria a ser um valorizado técnico dos juvenis do Rey de Copas.

Se não teve importância na Libertadores da América pelo clube, teve indiretamente no Libertadores de América, o estádio: foi o primeiro técnico de Sergio Agüero, cuja venda em 2006 permitiu a construção da moderna cancha da instituição. Homenageamos Rambert há alguns meses, em especial dedicado ao seu sobrinho (cujo pai, irmão de Néstor, defendeu a seleção francesa), ídolo do clube nos anos 90 e até hoje a última transferência direta entre Boca e River, nos quais teria menos êxito.

Em novembro, a memória do clube sofreu três vezes em um espaço aproximado de uma semana. Em 15 de novembro, faleceu o nonagenário Camilo Cervino, um dos últimos astros ainda vivos da geração dourada que o futebol argentino teve nos anos 40, ocultada pela falta de Copas do Mundo em função da Segunda Guerra. Esse ponta-direita foi o primeiro homem a marcar oficialmente um gol no lendário Amadeo Carrizo. Ao longo daquela década, o Independiente ia sofrendo um certo jejum, o que não impediu que Cervino participasse da vitoriosa Copa América de 1947. 

No ano seguinte, a seca acabou: em um campeonato que vinha sendo liderado justo pelo Racing (que vivia jejum ainda mais longo, desde 1925), o Independiente terminou campeão. Foi o único título argentino do clube entre 1939 e 1960. Mas Cervino não ficou para a volta olímpica, dada por juvenis: aquele campeonato foi paralisado pela famosa greve que, não atendida, levou muitos grevistas, como Di Stéfano, ao Eldorado Colombiano. Cervino, que recusou uma proposta do “Grande Torino” desfalcado pós-acidente, foi um deles e defendeu com destaque as duas equipes de Cali, Deportivo e América. Chegou a voltar ao Independiente entre 1955-58.

Em 21 de novembro, o Independiente chorou duas vezes. Perdeu a ida das semifinais da Sul-Americana para o Libertad e o ídolo uruguaio Luis Garisto. Ele chegara a Avellaneda em 1969, ficando até 1973 para, além de dois títulos domésticos, ganhar as duas primeiras Libertadores daquele tetra. Era colega de Miguel López naquela defesa copeira, saindo ainda antes do Mundial.

Dois dias depois, foi a vez de López lamentar a perda de Luis Bonini, um dos mais célebres preparadores físicos do futebol argentino, importante na fase dourada poliesportiva do Ferro Carril Oeste nos anos 80. Converteu-se depois em auxiliar de Marcelo Bielsa (incluindo seleções argentina e chilena e no Athletic de Bilbao), que teria viajado desautorizado do Lille para tentar despedir-se do amigo, moribundo por um câncer.

Antes da parceria com Bielsa, Bonini integrou a comissão técnica precisamente daquele Independiente campeão da Supercopa de 1995, contra o Flamengo, em uma campanha acidentada onde a superação foi mais presente do que o jogo bonito. Já detalhamos a trajetória de Bonini neste outro Especial.

Uma primeira homenagem veio no dia 25, com vitória por 1-0 no clássico contra o Racing (que por sinal chorou no dia 18 a perda de seu artilheiro do elenco campeão de 1966, Jaime Martinoli) em pleno Cilindro, com um a menos e direito a uso do Albil, o quase quarentão goleiro reserva. Por outro lado, foi uma pena ser no estádio racinguista, pois careceu de um minuto de silêncio aos rojos que certamente se realizaria no Libertadores de América (Martinoli já havia tido seu minuto ainda no dia 19, no Racing x Boca).

O minuto não faltou no dia 28, quando o clube superou em casa a semifinal contra o Libertad. Mas a melhor homenagem certamente deu-se com a retomada ontem do respeito clubístico tão construído de diferentes formas pelos cinco. 

Minuto de silêncio contra o Libertad, em 28 de novembro

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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