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100 anos de (La) Glória: o centenário do Instituto de Córdoba

Três campeões da Copa do Mundo de 1978 despontaram nacionalmente em um mesmo elenco do Instituto Atlético Central Córdoba, incluindo dois nomes icônicos da conquista: Mario Kempes e Osvaldo Ardiles, acompanhados por Miguel Oviedo. Recentemente, a última joia surgida nos alvirrubros do bairro de Alta Córdoba foi exatamente La Joya Paulo Dybala, em plena segunda divisão argentina. Mas o IACC não se resume aos nomes famosos. Já era apelidado de La Gloria no fim dos anos 20, em menos de dez anos da fundação oficializada naquele 8 de agosto de 1918. Ora de relembrar os principais momentos da centenária história dessa seminal equipe cordobesa.

O clube surgiu na então ferrovia Central Córdoba, que já havia germinado também o Talleres (“Oficinas”, em espanhol). No caso, foi no setor de Tração. Inicialmente, somente empregados da ferrovia podiam ser sócios, e somente os da Tração poderiam ser diretores do Instituto, criado para oferecer desde aulas técnicas de mecânica e matemática a atividades de boxe e esgrima além do apaixonante futebol. Em meio a tantos “Clubes Atléticos” (como o próprio Talleres ou as principais equipes do país, como Boca, River, Independiente, San Lorenzo e Huracán), a opção por “Instituto” foi ideia do senhor Guillermo Dundas. Era o chefe do setor de tração e fora membro de um clube chamado Instituto Junín. Viria a ser um diferencial, com o que deveria ser o nome real (“Central Córdoba”) se popularizando menos que a espécie (“Instituto”) para denominar a equipe em Córdoba e país afora. Mais ou menos como o Grêmio no Brasil.

Também foi de Dundas a ideia das cores vermelha e branca em listras verticais. A inspiração foi no Alumni, a grande potencia do futebol argentino nos anos 1900, época em que inspirara também o Estudiantes. Em poucos anos, o novo clube seria apelidado de “Alumni de Córdoba” exatamente pelas conquistas em série, com vitória recordada inclusive sobre o próprio Estudiantes. Um presságio veio já em 1919, com o imediato título na segunda divisão do campeonato cordobês. Tempos em que “não havia nem camisas. Às vezes era preciso costurar as listras e passa-las com pressa para poder usa-las”, como recordaria Salvador Presta, um certo empregado da ferrovia e sócio vitalício do clube.

Muito antes dos campeões mundiais, o primeiro grande nome do Instituto data daqueles primórdios. Foi Gabino Sosa, El Payador de la Redonda (“O Repentista da Redonda”), que, porém, não ficou muito tempo por ali. Ficou apenas durante o cumprimento do seu serviço militar em Córdoba, prosseguindo nos alvirrubros as atividades que já desempenhava no futebol rosarino, em outro clube oriundo da Central Córdoba. Logo viraria figura carimbada da seleção nos anos 20, quando o futebol se sedimentou como esporte mais popular do país. Sosa foi um dos perfis presentes na edição especial da revista El Gráfico que em 2011 elegeu os cem maiores ídolos da seleção.

Bunzli, Devoto, Ortiz, Castañares e Pacheco, setor defensivo do tetra cordobês. E o goleiro Atilio Ledesma (destacado no Estudiantes) em 1931, com a sigla IACC ainda toda retilínea

Em 1924, o clube deixa de se restringir à ferrovia e colhe os louros quase que de imediato. A liga cordobesa, criada em 1913, vinha desde então sendo vencida ou por Belgrano ou por Talleres. Duopólio derrubado pela primeira vez em 1925. Com cinco vitórias e um empate nos seis compromissos, prevaleceu a camisa alvirrubra vestida pela escalação Tapia; Ortiz e Capitanelli; Saldaño, Devoto e Sosa; Cepeda, Lisondo, Zárate, Monteros e Pedrotti na rodada final contra o Escuela Presidente Roca. Em 1926, veio de forma invicta o bicampeonato.

Em 1927, com uma única derrota na campanha, para o Nacional, travou-se uma luta ferrenha com o Talleres, com quem igualou-se ao fim da temporada, forçando uma final encerrada em categóricos 4-1 sobre os alviazuis. Também venceu-se por 4-2 o Newell’s, em amistoso dentro de Rosario. Já àquela altura, o longevo diário cordobês La Voz del Interior (ainda em circulação) estampava, na edição de 15 de novembro, que “por muito tempo o Instituto não terá rivais em Córdoba”. Em 1928, quem sofre de modo parecido é o Belgrano, surrado por 4-0 em campanha que acumulou 29 dos 32 pontos em disputa. O Instituto foi tetracampeão com sete pontos de vantagem e três rodadas de antecedência em um campeonato de nove times, e em tempos em que a vitória valia dois e não três pontos.

Em 1928, também surrou-se por 6-1 dois visitantes da capital federal, o Colegiales e o Ferro Carril Oeste. Em 1929, foi a vez de ser batido por 5-2 o Central Córdoba rosarino, onde estava a revelação institutuense Gabino Sosa. Mas o grande resultado interestadual da época foi mesmo o 2-0 diante da lotação máxima de seis mil pessoas em 17 de março de 1929 sobre o Estudiantes, que visitou Alta Córdoba munido pelo recordado ataque apelidado de Los Profesores, que dias antes golearam por 6-1 o Belgrano. O “Alumni cordobês” virava El Glorioso, apelido depois abreviado para La Gloria. Àquela altura, a escalação já havia mudado substancialmente. No ano de 1929, ela era alinhada com Bunzli, Pedro Ortiz e Félix Pacheco, Pedro Saldaño, Luis Castañares e Bonaiutti, Lizondo Zárete, Julio Benavídez, Bernardo Fernández e Pedrotti.

O pentacampeonato não veio em 1929. Mas qualidade não faltava. Muitos dos alvirrubros terminaram adquiridos pelo nascente campeonato argentino profissional (criado em 1931), que apesar do nome só admitia clubes da Grande Buenos Aires e La Plata. O lateral Castañares (autor de um dos gols sobre o Estudiantes) e o ponta José Galíndez foram ao San Lorenzo, onde Félix Pacheco, titular na conquista de 1933, viraria ídolo histórico e jogador de seleção. Evaristo Barrera, que no próprio ano de 1931 defendeu por seis meses os alvirrubros enquanto fazia serviço militar em Córdoba, viria a ser o maior artilheiro profissional do Racing, além de goleador dos campeonatos argentinos de 1934 e 1936.

Instituto de 1973, com três futuros campeões da Copa de 1978: Perriot, Acevedo, Carballo, Oviedo, Ardiles e Anelli; José Saldaño, Miguel Saldaño, Kempes, Beltrán e Willington

Benavídez partiu primeiramente ao Tigre antes de virar o negro argentino mais expressivo no Boca. Cujo autor dos primeiros gols no profissionalismo também foi contratado perante o Instituto. Eram outros tempos; o sujeito em questão chamava-se Florentino Vargas, um prodígio que já jogava com quinze anos torneios adultos pelo Nacional de Córdoba e que se integrou com dezoito anos à Gloria, em 1930. Em março de 1931, então, aquele time ainda afamado recebeu em seu estádio o Boca. Perdeu, por 3-2, mas Vargas brilhou abrindo e fechando o placar. “não sairemos de Córdoba sem seu centerforward“, afirmou o presidente do Boca ao do Instituto ao fim do jogo. Conseguiu, quando os negócios se fechavam apenas com a palavra. Vargas foi comprado por 5 mil pesos, em tempos em que o River foi apelidado de Millonario por ter usado 10 mil para comprar Carlos Peucelle.

Vargas não só marcaria o primeiro como também o segundo gol do Boca no profissionalismo, curiosamente experimentando nova derrota por 3-2, para o Gimnasia, em junho. O atacante ainda vivia nos anos 90, quando declarou que a ciumeira dos novos colegas, ressabiados com o jogo veloz do reforço, impediu que triunfasse. Em setembro, Vargas defendeu o time pela última vez, deixando excelentes onze gols em só 14 jogos. Seu ex-clube, por sua vez, terminava naquele de completar sua distinta identidade, com a criação de um distintivo único no país, nada parecido com emblemas arredondados ou em formatos similares ao de um coração estilizado. A ideia foi de um jogador esportivamente insignificante no próprio clube, Oscar José Heredia, preocupado em transmitir a intenção de uma trajetória a ser retilínea para La Gloria. Até mesmo as letras C na sigla IACC eram retas, antes de serem arredondadas em versões posteriores.

Nos anos 30, o Instituto não apenas foi exportador ao futebol da capital. Na primeira edição profissional da liga cordobesa, em 1933, chegou a contar com um reforço do Manchester United: o goleiro Lance Richardson, que já tinha familiares no interior cordobês e, em toda uma novidade para a época, implantou a concentração pré-jogo por ali, oferecendo a própria estância para prevenir que os colegas farreassem demais antes das partidas. Chegou a passar nove jogos seguidamente sem ser vazado, mas o hype durou pouco: por pressão paterna, abandonou os gramados para se dedicar a seu cargo na ferrovia-mãe do clube. Os anos 30 terminaram de modo estagnado, sem troféus e com o IACC perdendo até a casa própria. Em 1941, sofreu o primeiro rebaixamento na liga cordobesa.

Voltou de imediato, tornando a cair em 1945. Regressou já em 1946 e teve em 1948 o marco de adquirir em definitivo, com subsídio estatal (por influências do deputado federal Hernán Yofré e por um certo Sr. Nápoles, funcionário do Ministério do Trabalho, ambos sócios institutuenses), o seu campo atual – sugestivamente nomeado de “Estadio Juan Domingo Perón”, inaugurado em 1951 para se popularizar sob o nome Monumental de Alta Córdoba embora a inspiração arquitetônica tenha sido o recém-inaugurado campo do Huracán. Mas foram necessários mais dez anos para festejar.

O maior artilheiro na elite e a última grande revelação institutuenses: Dertycia e Dybala

Até que em 1961 o Instituto voltou a ser La Gloria na liga cordobesa, após 33 anos. Foi ao fim de um campeonato de três turnos que revelou, em especial, o goleiro Hugo Trucchia, participante dos primeiros títulos do Independiente e do futebol argentino na Libertadores. O artilheiro Aldo Carassai fez 28 gols em 27 jogos em um time que contava com o maior goleador do clube, Germán Esquivel (95 gols). O título seguinte veio em 1966, em três jogos extras com o Sportivo Belgrano, da cidade de San Francisco. E um novo poderia vir em 1969, no torneio que revelou Hugo Curioni, futuro ídolo do Boca. Mas os alvirrubros, reconhecidos como melhor equipe, perderam para o time pragmático do Talleres. Curioni chegou a ter a casa pintada com alcatrão em protestos.

Mas em 1972 não teve jeito. Um tal Aguilera surgiu nas súmulas como autor a rodo de gols na liga. Tratava-se de Mario Kempes, registrado com outro sobrenome para que o clube desviasse os olhares da concorrência. Como uma andorinha apenas não faz verão, Kempes tinha a companhia de Osvaldo Ardiles e de um certo Alberto Beltrán, considerado ainda melhor do que os dois. A taça veio após um recordado 5-2 sobre o Belgrano (com três gols de El Matador Kempes), a virar quase que uma memória oral no imaginário alvirrubro. Isso porque, nessas ironias do futebol, aquele título histórico não ficou registrado nos jornais, cujos funcionários estavam em greve na semana da decisão.

Foi histórico não apenas pelos nomes envolvidos. Mas porque permitiu que o clube disputasse pela primeira vez o Torneio Nacional, criado em 1967 para oferecer um lugar ao sol aos clubes do interior (o campeonato argentino seguia restrito, aceitando somente times da Grande Buenos Aires, La Plata, Rosario e Santa Fe, sendo então renomeado de Metropolitano). La Gloria tratou então de se reforçar para disputar pela primeira vez o Nacional na edição de 1973: do Racing de Córdoba buscou Miguel Oviedo, outro futuro campeão da Copa de 1978, e do Talleres chegou o elegante Daniel Willington, maestro em 1968 do primeiro título argentino do Vélez, dentre outros nomes. No Nacional, o time começou perdendo as duas primeiras partidas (Newell’s 1-0 e River 3-1), o suficiente para o treinador Enrique García, substituído por Miguel Ponce.

Começou-se uma sequência de bons resultados no qual o mais destacado foi um 2-2 no Gasómetro contra o San Lorenzo (campeão tanto do Metropolitano como do Nacional no ano anterior) após estar duas vezes em desvantagem. Kempes fez 11 gols em 15 partidas, estreando pela seleção, mesmo em um elenco rachado: os pratas-da-casa se ressentiam com o que julgavam haver excesso de reforços. Um dos mais longevos jogadores era o zagueiro José Moyano, que chegou a declarar que “o verdadeiro Instituto” apareceu quando, sem os reforços, bateu por 1-0 o Belgrano em um jogo paralelo ao Nacional de 1973, qualificatório já para o Nacional seguinte. Era rachado e mal equipado, com o time chegando a se surpreender ao ver o River munido naqueles 3-1 com travas de chuteira preparadas especialmente para campos chuvosos.

O último acesso à elite, em 2004

Kempes rumou ao Rosario Central (que viria a vencer aquele Nacional), Ardiles ao Huracán e Beltrán, ao San Lorenzo campeão de 1974. A sangria se fez sentir e somente em 1979 La Gloria reapareceu no Torneio Nacional. E conseguiu o que não pudera com gente mais renomada, avançando aos mata-matas tanto ali (como líder no grupo do Boca, San Lorenzo, Estudiantes e Rosario Central) como em 1980 (líder da chave com River e San Lorenzo). O treinador era uma revelação na função, o ex-beque Alfio Basile. Em 1981, então, o clube foi admitido no próprio Torneio Metropolitano, beneficiado por lei que oferecia tal reconhecimento aos interioranos que fossem a dois mata-matas seguidos no Nacional, E fez o artilheiro do Metro: Raúl de la Cruz Chaparro, que encerrou a Era Maradona nas artilharias do torneio. Dois dos gols vieram em um 5-2 no River dentro do Monumental de Núñez.

No Nacional, La Gloria voltou a avançar aos mata-matas. Chaparro virou o terceiro institutuense aproveitado pela seleção (depois de Kempes e Ardiles), testado em amistosos pré-Copa para 1982. O quarto e último foi o também atacante Oscar Dertycia (maior artilheiro do clube no campeonato argentino, com 93 gols), entre 1984 e 1985, já em tempos mais modestos para o futebol cordobês como um todo. A melhor posição nos anos 80 foi um oitavo lugar e o time caiu em 1990. Passou a década como animador da segundona, triscando o acesso em finais perdidas para o Talleres em 1994 e o Unión em 1996, sem que a explosão de Diego Klimowicz ou o retorno de Dertycia bastassem por si só. O retorno à elite veio em 1999, com Ernesto Corti terminando o trabalho feito pelo antecessor Juan José López como treinador alvirrubro.

Apesar dos gols de Daniel Jiménez (maior artilheiro do IACC nos últimos vinte anos, com 89 gols, dois deles na final da segundona de 1999 sobre o Chacarita), a estabilidade não veio. O time caiu em 2001, voltou em 2004 e caiu novamente em 2006, não regressando mais à elite a despeito do futebol visto exibido na temporada 2011-12, elogiado como o melhor do país na época – mesmo diante da concorrência do “novato” River e do Rosario Central e das camisas também tradicionais de Quilmes, Huracán e Gimnasia. Era o Instituto da revelação Paulo Dybala, líder na maior parte da segundona e cujo insucesso deveu-se em boa parte à pressão desmedida da violenta barrabrava, sempre mal acostumada quando se trata da gloriosa história desde hoje centenária. Parte dela pode ser contada também nos Especiais abaixo:

(Agradecimentos especiais ao historiador Esteban Bekerman. Y dale dale dale dale Glooo…)

440 anos de Córdoba: seus 4 Grandes

Relembre Mario Kempes, que hoje faz 60 anos

65 anos de Osvaldo Ardiles, campeão da Copa 1978 e quem abriu o futebol inglês aos argentinos

Instituto de Córdoba teve três campeões da Copa 1978. E Alberto Beltrán, melhor que os três

B Nacional: futebol-arte do Instituto de Córdoba pede passagem na mídia argentina

https://twitter.com/InstitutoACC/status/1026864894673645568

https://twitter.com/InstitutoACC/status/1027218610735996930

https://twitter.com/InstitutoACC/status/1026618079537754112

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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