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10 anos sem Federico Vairo: de figura do River e seleção a quase descobridor de Messi

Em 8 de dezembro de 2010, já cinco dias depois das lamentações pela perda de José Ramos Delgado, as manchetes esportivas precisavam direcionar à expectativa do fim do jejum do gigante Independiente no cenário internacional. Foi a data em que o Rojo receberia o Goiás no jogo de volta da Sul-Americana. Uma pena: em um dia normal, as chamadas deveriam dedicar-se a um grande levado na véspera na batalha contra o câncer no estômago. Hoje, faz-se dez anos sem Federico Vairo, que quase entrou para a história do futebol também como descobridor de Messi se La Pulga tivesse permanecido no River, clube com o qual Vairo, titular da Argentina na Copa de 1958, mais se identificou. Se no obituário em 2010 o Futebol Portenho já relembrou boa parte da trajetória do ex-zagueiro, hoje vale detalhar mais sua carreira.

Filho do casal italiano Pietro e Maria, Vairo nasceu em 27 de janeiro de 1930 em Rosario (algumas fontes falam em 23 de fevereiro, que na realidade foi a data do registro em cartório em Santa Fe), crescendo no bairro de La Tablada. Proveniente das categorias de base do Rosario Central, ele estreou no time adulto no esquecível ano de 1950: pela segunda vez na história, os canallas sofreram o rebaixamento, ainda que o zagueiro, com dois gols (1-1 com Huracán e 2-2 com Tigre), já exibisse um chute de longa distância forte e certeiro e se firmasse rapidamente na titularidade, presente em 23 jogos; o Central, inclusive, acabaria contratando seu irmão Juan Vairo no curso daquela temporada, junto ao Tiro Federal. O retorno à elite foi imediato, com Federico estabelecido no flanco esquerdo de um consagrado miolo de zaga com Alfredo Pérez.

O setor defensivo foi mesmo a parte mais notável do Central naquela primeira metade dos anos 50, em que o time permaneceu mais próximo das últimas posições do que das cabeças: os 62 gols sofridos no campeonato de 1952 foram relativamente próximos do 3º colocado, o Independiente, que levou 58. Só que o Rojo também tinha o melhor ataque (72 gols), ao passo que os rosarinos tiveram o quarto pior, marcando 48 vezes, terminando em 13º de 16 times. Vairo, do seu lado, já havia se convertido no cobrador oficial de pênaltis, marcando assim três gols. Que incluíram um 5-3 sobre o campeão River, tarde de festa familiar, pois outro gol centralista foi anotado pelo irmão Juan – meia-atacante que acabaria até contratado pelo Boca para o ano seguinte.

Em 1953, o Central, vazado 51 vezes, já pôde dividir uma segura 7ª colocação com o próprio Boca; o zagueiro marcou inclusive quatro gols, mas o Vairo mais ilustre parecia ser o irmão Juan, que marcou os mesmos quatro gols em uma só partida, justamente em duelo com o Central, surrado por 6-1. E em 1954, a rotina no Arroyito voltou a ser a briga para não cair. Oito pontos separaram o time, 12º colocado, da degola sofrida pelo Banfield. E muito se deveu à zaga: os 52 gols sofridos foram quase a mesma quantidade dos clubes que terminaram em 4º, Platense (50 gols) e Lanús (51). Federico Vairo e a dupla Alfredo Pérez terminaram reconhecidos pelo poderoso River, que adquiriu ambos para 1955 – ano de reconhecimento também por parte da seleção: Vairo fez sua estreia pela Argentina na Copa América daquele ano, realizada ainda em março, antes da temporada argentina.

Duas imagens de 1955: Vairo contra o próprio River, ainda no Rosario Central, descrito na legenda como “transferência sensacional da temporada”. E já no novo clube comemorando o título garantido em plena Bombonera, junto aos bigodudos Walter Gómez e Ángel Labruna

Multicampeã nos anos 40, a incluir o único tri seguido que o torneio já viu (1945-46-47), a Argentina voltava ao torneio pela primeira vez após o tri; vinha de ausências nas edições anteriores, em 1949 e em 1953, temerosa de que o êxodo de seus craques ao futebol colombiano a houvesse enfraquecido. Receio que provou-se exagerado, com a imediata reconquista da coroa sul-americana. Formando dupla firme com Pedro Dellacha (por sinal outra baixa do ano de 2010), Vairo só se ausentou do jogo contra o Peru, precisamente o único jogo sem vitória – um 2-2 que propiciou que a rodada final contra o anfitrião Chile começasse com as duas nações igualdas na liderança, travando uma verdadeira decisão. A Albiceleste prevaleceu por 1-0. Fez-se justiça a quem, na campanha, aplicara até um 6-1 no clássico com o Uruguai.

O River inclusive reforçou-se também com seu velho xerife Néstor Rossi, regressado justamente do Eldorado, conforme o pacto entabulado entre a liga colombiana e o resto da Conmebol. O combo defensivo aliado ao melhor ataque do país permitiu um título para o assombro: em tempos onde vitórias valiam 2 e não 3, o Millo ganhou o torneio com sete pontos de diferença para o vice Racing. Pesaram 16 jogos seguidos de invencibilidade (seguidos de outros dez, no segundo turno) e uma temporada invicta no Monumental. No início segundo turno, era o Boca quem liderava, com quatro pontos à frente, já tendo até imposto um 4-0 no Superclásico – no estádio do Racing, onde o River foi mandante.

Mas o rival só conseguiria somar na sequência metade dos pontos construídos pela Banda Roja. E houve troco: o título se garantiu com um 2-1 de virada sobre o Boca em La Bombonera. Até hoje, foi a segunda e última vez que o River garantiu um título em Superclásico na casa rival, ainda que o líder Ángel Labruna ordenasse aos colegas que evitassem uma provocativa volta olímpica sob os narizes inimigos. Sem a dupla Vairo (presente em dezoito jogos) e Pérez, o Central esteve muito mais perto da queda, separado por dois pontos do lanterna Platense mesmo já tendo a defesa mais vazada do certame. Mas a antiga torcida pôde festejar com seu antigo zagueiro, que deu-se ao gosto de converter um pênalti em uma visita a Rosario para enfrentar o Newell’s (2-2).

A taça rendeu a Vairo sua única capa como protagonista da prestigiada revista El Gráfico, em edição de novembro – é a imagem que abre essa matéria. E o referendou na seleção para nova Copa América, realizada no Uruguai em fevereiro de 1956. O torneio até rendeu o único gol dele pela Argentina, nos 2-1 sobre o Peru. O que não foi possível foi evitar na rodada final que o Uruguai mantivesse a escrita de sempre vencer o torneio quando o sedia; a Celeste prevaleceu pelo placar mínimo e foi campeã, na primeira partida em que Vairo não saboreou uma vitória pela seleção; até ali, haviam sido sete jogos e sete vitórias, um recorde nas estatísticas da Albiceleste por todo o resto do século XX (foi igualado já na virada de 2009 para 2010 por Mario Bolatti). Depois daquele revés, viria uma invencibilidade de vinte jogos (incluindo um 1-0 sobre a Itália) que significou um recorde individual com a seleção até a fase dourada de 1991 a 1993.

O gol de falta sobre os ex-colegas do Rosario Central que abriu o 4-0 que garantiu o título de 1956

O ano de 1956 já viu uma disputa mais parelha pela taça, contra a sensação Lanús e seus Globetrotters. Se o poderio ofensivo era similar (61 gols do River, 59 dos grenás), os cinco gols a menos que a defesa riverplatense levou evidenciaram mais a discrepância. Na 24ª das 29 rodadas que o campeonato teve, houve o duelo direto em La Fortaleza pela reta final. E os visitantes souberam virar para 3-1 e manter a liderança isolada garantida a partir dali. O título pôde se garantir na penúltima rodada, contra o Rosario Central. Vairo, inclusive, aplicou bem a lei do ex, abrindo em potente cobrança de falta logo aos 6 minutos a goleada de 4-0 sobre o ex-clube. Se em 1955 ele atuara dezoito vezes, agora já era o jogador de linha com mais partidas na campanha, 27.

Ele só não era sobre-humano contra Garrincha: Vairo (por vezes grafado como Jairo em algumas crônicas brasileiras da partida) foi o marcador a penar contra o Mané em um duelo amistoso contra o Botafogo em fevereiro de 1957 no México, em duelo que ganhou ares de lenda por ter difundido os gritos toureiros de olé a cada drible do ponta sobre o argentino – substituído aos risos de conformação. O que menos se recorda é que, objetivamente, a partida terminou em 1-1. Entre março e abril de 1957, então, Vairo integrou a Argentina novamente campeã da América, no recordado elenco apelidado de Carasucias de Lima, capazes de garantir a taça ainda na penúltima rodada em um 3-0 sobre o Brasil. Até lá, já haviam varrido a Colômbia com um 8-2, o Uruguai com um 4-0 e o Chile com um 6-2.

Na volta do Peru, o enfoque de Vairo e colegas era igualar um recorde exclusivo do Racing: o tricampeonato seguido. A missão pareceria complicada com a venda do foguete Omar Sívori à Juventus logo após a estreia, após o brilho de El Cabezón na Copa América. Mas nem ele fez tanta falta assim, em um começo avassalador a incluir 5-2 no Lanús, 6-2 no Argentinos Jrs e 6-1 no Estudiantes entre as primeiras nove rodadas. Ao fim do primeiro turno, somava-se 10 vitórias e 5 empates em invictos 15 jogos, abrindo três pontos de vantagem para o segundo colocado (San Lorenzo). De aí em diante, a vantagem nunca foi inferior a essa distância. Acabaria por finalizar em oito pontos, com a taça garantida na antepenúltima rodada. O zagueirão (que também sabia jogar de volante e lateral), inclusive, deu-se ao gosto de voltar a compartilhar elenco com o irmão Juan Vairo, por mais que este só atuasse em uma partida e o astro, em 25.

Em paralelo, Federico Vairo também esteve em julho na vitória por 2-1 dentro do Maracanã na ilustre partida em que Pelé estreou pela Canarinho – ainda que não chegasse a tempo de prensar o jovem Rei no lance do gol brasileiro, feito pelo próprio estreante (vide foto abaixo). Mas, após aquele medo exagerado de vexame pelos desfalques ao Eldorado Colombiano ter feito a AFA desistir de jogar as eliminatórias para as Copas de 1950 e 1954, a seleção voltou a se interessar pela Copa do Mundo. E, no retorno às eliminatórias, classificou-se com sobras. Contra a Bolívia, no jogo final da campanha, o 4-0 sobre La Verde contou inclusive com nada menos que nove jogadores do River a serviço da Albiceleste. Apenas o defensor Juan Francisco Lombardo (Boca) e o ponta-direita Omar Corbatta (Racing) conseguiram se intrometer na escalação que tinha Carrizo, Alfredo Pérez e Vairo completando a retaguarda; Rossi, Gilberto Sola, Norberto Menéndez e Eliseo Prado preenchendo todo o meio-campo e Ángel Labruna e Roberto Zárate fechando o ataque.

Testemunhando o primeiro gol de um estreante Pelé pelo Brasil: privilégio de quem ainda saiu vencedor por 2-1, no Maracanã. E que ainda “descobriria” Messi…

Nos amistosos preparatórios, Vairo ainda venceu em abril de 1958 o Paraguai e o Uruguai (ambos 2-0) e depois encontros não-oficiais contra Internazionale (também 2-0) e Bologna (1-0) em maio. O problema é que na Suécia o favoritismo argentino não se cumpriu. Se a derrota na estreia para a então campeã Alemanha Ocidental era tolerável, passando-se o susto com a imediata vitória sobre a Irlanda do Norte, a derrota subsequente para a Tchecoslováquia decretou uma eliminação precoce. E ainda mais vexatória, diante do placar de um 6-1 que, até hoje, é a derrota mais elástica da história da Albiceleste. Foi o triste fim da linha na seleção para a maioria dos goleados, incluindo Vairo. E o desastre reverberou no River, natural base dos convocados. Detalhe não menor: naquela época, Vairo era o riverplatense com mais jogos pela seleção. E desde então só Daniel Passarella e Ariel Ortega o superaram.

Mas o campeonato argentino de 1958 rendeu, não por acaso, a primeira derrota millonaria no Monumental após três anos e meio (San Lorenzo 4-2). Vaias a cada visita no campeonato de 1958 foram um costume e os tricampeões terminaram apenas em quinto. Para 1959, foi ainda pior: a equipe outrora dominante chegou a fechar o primeiro turno só em 12º. E, mesmo que arrancasse ao fim para um ainda assim medíocre 7º lugar, levou de 5-1 e de 3-2 do Boca nos Superclásicos. Era o fim da linha para muitas figuras da década: o próprio ídolo-mor Ángel Labruna saiu pelos fundos a um nanico do futebol chileno, o Rangers de Talca. Destino similar ao de Vairo, que rumou a Rancágua para reforçar o modesto O’Higgins.

O astro passou seis anos nos celestes, sendo recordado pela torcida como um dos grandes zagueiros da história do clube, mesmo que a metade inferior da tabela fosse a rotina – a incluir um rebaixamento em 1963. O retorno foi imediato com o título da segunda divisão chilena de 1954, mas o O’Hi nunca mostrou-se capaz de lutar por uma taça que lhe permaneceria inédita até 2014. Mas Vairo pôde pendurar as chuteiras como campeão de primeira divisão: foi em sua única temporada no Deportivo Cali, em 1967. Vairo voltou ao River como técnico dos juvenis, ocasionalmente assumindo a equipe adulta como interino. E nela teve seu peso histórico: foi o comandante millonario na súmula do jogo que encerrou em 1975 o terrível jejum que perdurava desde aquele tricampeonato em 1957, quando ainda jogava; Labruna era o técnico da campanha, mas um motim do sindicato de jogadores privou que o elenco profissional fosse usado justamente na rodada que garantiu a taça.

Já no segundo semestre de 1984, em dupla com Martín Pando, Vairo foi o técnico do time principal entre a saída de Luis Cubilla e a contratação do histórico Héctor Veira – eram inclusive eles os comandantes do River no amistoso que serviu de estreia de Maradona no Napoli, em agosto. E foi do ex-zagueiro a ideia de inverter Enzo Francescoli com Héctor Enrique, transformando-os respectivamente em centroavante e meia-direita, posições onde terminaram por consagrar-se no futebol. A partir de 1999, passou a ser olheiro millonario na província de Santa Fe, função em que foi o responsável por captar um tal de Lionel Messi para testes na base riverplatense, a ponto de ele próprio dirigir o carro na viagem rodoviária para levar a joia ao Monumental. O problema foi esbarrar na hesitação do Millo em bancar o tratamento hormonal necessário àquele desconhecido. Mas se os cartolas vacilaram, as duas torcidas que Vairo alegrou foram mais sensíveis: em 2009, a torcida organizada do River em Concepción, no interior tucumano, fez questão de homenagear-lhe ainda em vida usando seu nome da denominação do grupo. Àquela altura, ele já nomeava também a torcida organizada de hinchas do Rosario Central radicados em Buenos Aires.

Uma das últimas aparições públicas de Vairo, em meio ao grupo dos torcedores do Rosario Central radicados em Buenos Aires: essa torcida organizada na capital federal leva seu nome

 

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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