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20 anos da última taça do Gimnasia LP, “campeão centenário”

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Morant, Lavallén, Bianco, Dopazo, Saguinetti (encoberto pelo Lobo), Ortiz e Gustavo Barros Schelotto; Guerra, Fernández, Talarico e Guillermo Barros Schelotto, naquele 30 de janeiro de 1994

Marcado por inúmeros insucessos, há exatos 20 anos o sofrido Gimnasia LP teve seu maior momento profissional: o time dos jovens gêmeos Barros Schelotto venceu um futuro rival, o River, e sagrou-se campeão. Do quê? Da Copa Centenario, torneio oficial que a AFA organizou para, como indica o nome, celebrar o centenário do órgão que dirige o futebol argentino.

A AFA considera-se herdeira da segunda Argentine Association Football League, criada em 1893, e não da primeira, que em 1891 organizou naquele o primeiro campeonato nacional (ao menos no nome) de futebol no mundo fora do Reino Unido. A primeira AAFL falhou em repetir o certame em 1892 e foi extinta. Por isso, o campeão de 1891, o St. Andrew’s, time que indiretamente inspirou o uniforme original do Independiente (clique aqui), não tem o título oficialmente reconhecido.

A nova AAFL reintroduziu um campeonato e desde 1893 novas edições ocorrem sem interrupções ano a ano, razão pela qual a Copa Centenario começou em 1993, no fim de junho. A fórmula foi ao mesmo tempo simples e complicada: reuniu todos os da elite da temporada 1992-93, menos os rebaixados Talleres e San Martín de Tucumán, para um mata-mata, começando normalmente pelos clássicos quando possível. Boca pegou River; Racing pegou Independiente; San Lorenzo, o Huracán; Newell’s, o Rosario Central; Vélez, o Ferro Carril Oeste; e o Gimnasia, seu odiado Estudiantes.

Os outros jogos foram Platense-Lanús, Belgrano-Deportivo Mandiyú e Argentinos Jrs-Deportivo Español. Os dois Deportivos eram cascudos times da época (o Mandiyú inclusive atrairia Maradona para ser seu técnico em 1994). Fariam todos jogos de ida e volta. A complicação veio no fato de que os mata-matas não foram exatamente mata-matas: os derrotados seguiam no torneio, mas em duelos à parte entre si.

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Jogadores de Estudiantes e Gimnasia acudindo o apredrejado árbitro Biscay; lance da “final dos vencedores” contra o Belgrano em Córdoba

O “grupo dos vencedores” ia diminuindo mas, em vez de apontar o campeão, apontou um finalista. Já os perdedores dos clássicos fizeram mata-matas entre si. Os perdedores dos perdedores deixavam o torneio. Já os perdedores dos vencedores se juntavam ao grupo dos perdedores. E assim foi sucessivamente. O torneio só não ficou mais longo porque, a partir da fase pós-clássicos, os jogos se deram em turno único. Mesmo assim, em dado momento o torneio foi a posto em xeque, e aí agiu o presidente gimnasista Héctor Delmar para garantir a continuidade da competição.

No último domingo, houve um Clásico Platense amistoso de pré-temporada. Mas não foi nada amigável. Tanto que o juiz Carlos Maglio, a dez minutos do fim, passou o cartão amarelo ao quarto árbitro para usar só o vermelho a partir dali (o mostraria depois ao alvirrubro Israel Damonte). Os dérbis na Centenario também foram ásperos. O jogo de ida teve outro pincharrata expulso, Ramírez, logo aos 13 do primeiro tempo e foi encerrado ainda aos 15 do segundo, quando o juiz Biscay foi apedrejado 6 minutos após Guillermo Barros Schelotto marcar o gol da vitória do Gimnasia, encobrindo o goleiro.

Na volta, os triperos seguraram o empate contra o time de José Luis Calderón e Palermo, expulso a 2 minutos do fim. Se nos futuros campeões os Schelotto ficaram mais célebres, o time também tinha outros pilares. “Jogadores como Sanguinetti, o Indio Ortiz, Dopazo, Bianca, Guerra ou o Moncho (Fernández) demonstravam sua personalidade em cada aspecto do jogo, era um grupo com uma grande riqueza espiritual e nisso se baseou o logro”, contou há pouco outro membro, Morant.

A seguir, as oitavas-de-final opuseram o Gimnasia e Newell’s, que levara a melhor no Clásico Rosarino. Também foi bem ríspido: Dopazo marcou o gol do Lobo logo aos 7 do primeiro tempo. Conforme o tempo passava e os rubronegros não empatavam, perdiam a cabeça. O árbitro Loustau expulsou três deles no segundo tempo (Castagno Suárez, o goleiro Díaz e Ramos) e também avermelhou o alviazul San Esteban. A partida durou até os 42 minutos do segundo tempo.

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Lavallén salvando o pênalti de Rivarola, Guerra urrando seu gol e Fernández fazendo o seu

A campanha gimnasista perigou depois. Contra o Argentinos Jrs, começou perdendo e podia ter levado um 2-0 aos 45 do primeiro tempo, quando teve o goleiro Noce expulso por pênalti em um adversário. Por sorte, Gómez perdeu a cobrança. Em grande superação, conseguiu a virada no segundo, com Dopazo (de pênalti) e, a 20 minutos do fim, Morant. Àquela altura, no grupo dos vencedores só sobravam Gimnasia e Belgrano, que em agosto fizeram a “final”, na casa deste, em Córdoba. O campo adversário não foi a única adversidade: o Pirata esteve duas vezes à frente do placar.

Mas os visitantes continuaram valentes. Gustavo Barros Schelotto empatou parcialmente em 1-1 a três minutos do fim do primeiro tempo. De pênalti, Dopazo fez os 2-2 a dois do fim do segundo. Nos penais, todos foram acertando até o goleiro tripero reserva Gregorutti (no lugar do suspenso Noce) pegar a quarta cobrança adversária, de Brusco. Se Dopazo voltasse a converter, na quinta cobrança visitante, a história acabava, mas Cancelarich, terceiro goleiro da seleção na Copa 1990, pegou. Mas Sosa perdeu a quinta cobrança do Belgrano e o Gimnasia pôde enfim comemorar, por enquanto.

A temporada 1993-94 começou e interrompeu os mata-matas dos perdedores. O River havia levado a melhor no Superclásico com o Boca (perdeu Hernán Díaz expulso aos 4 do segundo tempo da prorrogação, mas marcou o gol da vitória com Silvani aos 11), mas em seguida perdeu para o Racing (porque o uruguaio Rubén da Silva teve pênalti defendido por Nacho González) e passou à chave dos perdedores, onde despachou Independiente (3-0), Deportivo Español (3-2) e Argentinos Jrs (2-1) ainda em agosto. No fim de dezembro, o Millo, recém-campeão de 1993, eliminou o San Lorenzo, 3-2.

Após um mês de folga, fez em 23 de janeiro a “final dos perdedores” com o Belgrano: 2-1 com Toresani dando a vitória aos 11 do segundo tempo da prorrogação. Uma semana depois, a Copa Centenario foi decidida. Finalista dos vencedores, o Gimnasia (que havia ganho do River no campeonato recém-finalizado) teria as vantagens do empate e de jogar em casa. Àquela altura, já tinha técnico novo: no lugar da dupla Carlos Ramaciotti e Edgardo Sbrissa, o ídolo cruzeirense (e do próprio River) Perfumo, enquanto as camisas deixaram de ser da Adidas e já eram da Hummel.

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Os gêmeos Guillermo (ao lado, comemorando seu gol no River) e Gustavo Barros Schelotto. Hoje compõem a dupla técnica do Lanús, recentemente vencendo a Sul-Americana sobre a Ponte Preta

O estrelado campeão argentino ameaçou impedir a festa tripera. O goleiro Lavallén foi forçado a espalmar tiro de Berti no canto ainda no início. Aos 10 minutos, o adolescente goleiro espalmou pênalti violento de Rivarola no meio do gol para acima do travessão e reanimou os colegas após o balde de água fria da penalidade (que havia ocorrido de Talarico em Díaz, mas fora da grande área): “foi uma das defesas mais importantes da minha vida, a nível pessoal seguramente, pelo sentimento que tenho eu, que sou torcedor do Gimnasia e estive no clube desde os 8 anos trabalhando para chegar na primeira”.

Quase todos vinham mesmo da base e uma das exceções, o uruguaio Guerra, cabeceou quase no chão bola cruzada por Guillermo Barros Schelotto e abriu o marcador no fim do primeiro tempo – depois se tornaria célebre novamente contra o River, ao marcar de nuca o gol da vitória do Boca em Superclásico de 1996. Villalba ainda empatou logo no início do segundo tempo, cara a cara com o goleiro após ser lançado por Berti. Mas, aos 31, Fernández recolocou o Lobo à frente, completando cobrança de escanteio. O título terminou sacramentado no finalzinho. Hernán Díaz foi expulso aos 43 após soltar a mão no rosto de Guillermo em lance bobo, onde a bola saía. Um minuto depois, o próprio Guille, livre após passe de Fernández pela ponta-direita, fez o 3-1 em Goycochea, Ortega, Crespo e Passarella.

Para muitos que equivocadamente ignoram o passado amador (visão no entanto bastante forte na Argentina, ainda que reestudada recentemente), este é o único título expressivo do Gimnasia. O time foi uma só vez campeão argentino, pelo ainda amador certame de 1929, e, ainda que tenha brigado por novas taças, terminava perdendo fôlego, muitas vezes prejudicado. Foi líder na maior parte de 1933 (contava com o maior artilheiro estrangeiro do Palmeiras, Echevarrieta); chegou a ter 2 pontos de vantagem a 5 rodadas do final em 1962; foi afetado por uma greve quando era semifinalista em 1970, época em que via o Estudiantes, com quem tinha equilíbrio, se consolidar internacionalmente. O rival ajudou a coroar aquele 1994: ao fim da temporada, os jovens Palermo e Verón terminaram rebaixados.

Já o Gimnasia emergia. Semifinalista da Copa Conmebol 1992 (curiosamente, eliminado pelo Olimpia treinado por Perfumo. Chegou eliminar o Peñarol), dava pinta de ser campeão argentino em 1995. Isso viria com um empate em casa com um time misto do Independiente. Perdeu e a taça foi ao San Lorenzo, sem ser campeão havia 21 anos – venceu fora de casa no fim o Rosario Central.

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Torcida tripera celebra o título. Ao lado, Guillermo na boa fase do clube já em 1996

Indagado em 2010 sobre o fato de clubes tradicionalmente menores como Lanús e Banfield terem chegado ao título e o Lobo não, Guillermo Barros Schelotto desabafou: “não pode ser que o Gimnasia não consiga o título, não pode ser. É uma luta interna que tenho que ganhar e em algum momento vou voltar. (…) O momento é agora, porque os clubes grandes têm mostrado fraquezas que não mostraram na década de 90, quando primeiro o Vélez, depois o River e mais tarde o Boca eram imparáveis”. De fato, entre 1995 e 2005, só esses três e o San Lorenzo tiveram somatória de pontos maior.

Em 1996, foi outra vez vice (agora para o Vélez de Bianchi), em campanha lembrada pelo memorável 6-0 no Boca de Verón, Caniggia e Kily González em plena Bombonera, no dia em que ela inaugurava seu setor VIP e viu o futuro ídolo Guillermo Barros Schelotto marcar três vezes. Mesmo já sem os Schelotto a partir de 1997, o time seguiu forte por um bom tempo: vice para o Boca em 1999, para o River em 2002 e outra vez para o Boca em 2005, quando chegara a ter 3 pontos de vantagem. Foi só em 2006 que o Estudiantes se reergueu em La Plata, com Verón voltando ao clube para lhe dar o título com direito a 7-0 no clássico. Mas isto é história para domingo…

Hoje a partir das 18 horas haverá cerimônia no Estádio do Bosque para relembrar o título, com exibição da taça, a descoberta de uma placa recordando todo o plantel campeão e mostras de relatos da época no museu do clube. Abaixo, as escalações daquele 30 de janeiro de 1994:

Gimnasia LP: Javier Lavallén, Guillermo Sanguinetti, Pablo Morant, Hernán Ortiz e Sergio Dopazo, Pablo Fernández, José Bianco, Pablo Talarico e Gustavo Barros Schelotto, Hugo Guerra e Guillermo Barros Schelotto. T: Roberto Perfumo. River: Sergio Goycochea, Hernán Díaz, Guillermo Rivarola, Ernesto Corti e Pablo Lavallén, Julio Toresani, Leonardo Astrada, Sergio Berti e Ariel Ortega, Facundo Villalba e Walter Silvani. T: Daniel Passarella. Árbitro: Javier Castrilli. Gols: Guerra (44/1º), Villalba (4/2º), Fernández (31/2º) e Guillermo Barros Schelotto (44/2º)

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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