Primeira Divisão

Supersemana: A importância do Superclássico

O que pode transformar duas pequenas equipes de um humilde bairro operário de uma cidade latino-americana em gigantes do futebol mundial? Afinal, há 100 anos Boca e River não eram diferentes de tantas outras equipes humildes espalhadas por Buenos Aires. O que as elevou tão acima das outras?

Há quem diga que a melhor receita para o sucesso de um clube é ter um rival forte. As conquistas do inimigo obrigariam o rival a ter de se esforçar ao máximo para não ficar para trás. Aceitar essa teoria nos levaria a algo que nem xeneizes nem millionários gostariam de pensar: que sua grandeza em boa parte depende do arquirrival. Será verdade?

Boca e River começaram a se destacar ainda nos tempos do amadorismo. O primeiro a conquistar um título foi o Boca Juniors, em 1919. Mas já em 1920 o River também conseguiria o feito. Em todo o período amador (1891-1930), o xeneizes levam vantagem:  conquistaram seis títulos, contra apenas um do rival. Mas na verdade, quando se olha a história do futebol amador argentino, fica claro que nenhum dos dois era maior, por exemplo, do que Racing ou Huracán.

O profissionalismo mudaria as coisas. E isso já se anunciava no primeiro confronto entre ambos na era profissional. O River havia trazido o ponteiro Peucelle, destaque da albiceleste vice-campeã mundial de 1930. O Boca havia respondido com a contratação de Pancho Varallo (acima), também titular do mundial anterior, e que viria a ser um dos maiores artilheiros da história do clube.

A 20/09/31 os dois se enfrentaram no antigo estádio do Boca. Peucelle colocou os Millionarios na frente, mas o juiz anotou um penalti para o Boca. Varallo bateu, o goleiro rebateu, Varallo chutou para nova defesa, e só marcou no terceiro arremate. O gol deu início a protestos do River, e a briga se generalizou para as arquibancadas. O primeiro superclássico da era profissional não chegaria ao fim.

Esse jogo acabaria sendo um prenúncio do que seria futebol argentino profissional, com as duas equipes brigando cabeça a cabeça pelos melhores jogadores para conquistar os títulos mais importantes. A década de 1930 ainda seria equilibrada, mas em breve chegaria o melhor momento da história do River.

Esse foi o tempo de La Maquina, de Labruna (abaixo), Pedernera, Moreno, Peucelle, Di Stefano, Muñoz e outros. Graças a esse supertime, o River venceria 9 nacionais nos anos 40/50, contra apenas 3 do Boca. Que reagiu, conquistando 6 nacionais entre 1957/75, período em que o River sofria o maior jejum de sua história.

Mas os millionarios reagiram e quebraram o jejum vencendo os dois torneios da época, o Nacional e o Metropolitano, em um mesmo ano. O equilibrio seria a tônica da segunda metade dos anos 70, com ambos os clubes formando ótimas equipes que alimentaram a albiceleste no título mundial de 1978. O Boca teve a vantagem nesse período por finalmente vencer a Libertadores (1977/78). Mas isso em breve iria mudar.

 Os anos 1980 e 1990 são de  domínio do River. O Boca chegou a ficar 12 anos sem títulos (1981-1993), enquanto via o rival chegar à sua primeira Libertadores (1986, repetindo a dose em 1996) e montar grandes times, tendo ídolos como Enzo Francescoli. Mas no fim dos anos 1990 o jogo mudou de novo. As conquistas da Libertadores de 2000/01/03/07 deram a supremacia ao Boca novamente.

Como se vê, a história mostra uma permanente alternância no que se refere ao duelo particular entre os dois gigantes (muitos outros clubes participaram dessa história, mas este texto é específico do confronto Boca-River). Por certo houve inúmeros momentos em que um dos dois teve supremacia a ponto de parecer que deixaria o inimigo definitivamente para trás.

Mas o rival não descansava enquanto não pudesse entrar de novo no jogo. Graças a isso, a eterna alternância de poder entre os doid gigantes argentinos. Sempre havia um em momento melhor, e outro necessitando desesperadamente equilibrar o jogo. Talvez a mesmice atual seja fruto de os dois se conformarem com o mau momento, já que o rival está na mesma situação.

E se a rivalidade é uma das causas do crescimento das duas maiores equipes argentinas, o que dizer do superclássico? É o momento em que essa rivalidade se materializa e em que todo o sentimento construído por 100 anos de rivalidade acumulada explode num só lugar. O superclássico é o lugar onde se vê muito do que há de melhor no futebol do país vizinho. É o momento em que essa eterna luta de gigantes ganha vida e movimento.

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

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