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40 anos da 2ª parte do tetra do Independiente na Libertadores

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Revista El Gráfico de 12 de junho de 1973, estampando Santoro e Pavoni com a taça. Eram os dois remanescentes do título de 1965

Ironia: a semana que pode reservar o inédito rebaixamento do Independiente celebra o 40 anos do momento em que o clube de Avellaneda tornou-se isoladamente o maior vencedor da Libertadores, seu maior orgulho. E também foi a partir desta conquista, o quarto dos sete da equipe (e o segundo de um tetracampeonato seguido no torneio, outra exclusividade roja), que ela, enfim, obteria o seu primeiro título Mundial. Ganhava, definitivamente, o genial apelido em trocadilho de Rey de Copas.

O ano de 1973 não foi um 1968, mas também teve suas turbulências. O efervescente Oriente Médio viveu a Guerra do Yom Kippur, enquanto os EUA passavam a se retirar da do Vietnã e, a dois anos da morte, Francisco Franco deixava o poder na Espanha – no vizinho Portugal, o salazarismo também ia se pondo, acelerando as independências das colônias lusitanas. Aqueles dias eram embalados pelo recém-lançado The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd. O Brasil, em que a vinheta (do Banco Nacional) que antecedia a abertura do Jornal Nacional usava música da banda inglesa, dividia as atenções com o ocaso da Era Pelé e o alto nível de O Bem Amado – enquanto Médici saía do poder.

Os países vizinhos também ficariam marcados por mudanças presidenciais: entre a vitória do Independiente na Libertadores há 40 anos e o posterior título do clube no Mundial (erguido em novembro), a Argentina teve simplesmente quatro presidentes: o militar Alejandro Lanusse ocupou a Casa Rosada até o fim de maio, sucedido pelo recém-eleito Héctor Cámpora, um civil. Assim, o exilado Perón voltou ao país em junho, involuntariamente provocando enfrentamentos que desembocaram no Massacre de Ezeiza. No mesmo mês, o Uruguai, então um oásis de paz no cenário político do Cone Sul, também passou a viver um regime ditatorial militar, deflagrado pelo próprio presidente civil Juan María Bordaberry.

Fiel a Perón, impedido de candidatar-se pelos militares, Cámpora renunciou em julho, convocando novas eleições. A presidência ficou interinamente com Raúl Lastiri até o viúvo de Evita ser eleito com 60% dos votos e voltar em outubro ao poder (morreria no cargo nove meses depois…). O Independiente, do seu lado, fez a Libertadores continuar como estava em 1972. Por uma previsão a durar até os anos 90 no regulamento, os Rojos, como campeões da edição anterior da Libertadores, adentraram no torneio já na segunda fase. A única mudança foi a saída do símbolo José Omar Pastoriza, que fora jogar no Monaco – o capitão estava desde 1971 desgastado com a diretoria após liderar uma greve do sindicato dos jogadores…

Independiente na noite da finalíssima: Raimondo, Commisso, Santoro, Sá, López e Pavoni em pé; Bertoni, Galván, Maglioni, Semenewicz e Mendoza agachados. Na outra imagem, o técnico Maschio

Naquela época, a segunda fase já significava a semifinal, composta não em mata-matas, mas em dois grupos com três times cada, a se pegarem em turno e returno. Assim, o clube de Avellaneda estreou a exatos dois meses do título. Em 6 de abril, derrota por 1-0 para o Millonarios de Bogotá, na Colômbia, gol por baixo do corpo do goleirão Miguel Ángel Santoro, enquanto o xerife Ricardo Pavoni (ambos os únicos  remanescentes do título de 1965 na Libertadores) perdeu um pênalti. Foi exatamente a única participação do astro uruguaio Julio Montero Castillo, avaliado como lento demais e inicialmente sobrepujado por Héctor Martínez e Víctor Palomba para na reta final ter o posto reocupado por Miguel Ángel Raimondo.

O troco veio em Avellaneda, em um 2-0 com El Chivo Pavoni indo à desforra em tiro livre e com Agustín Balbuena encobrindo o goleiro em cabeceio; o jogo teve ainda os únicos minutinhos do centroavante Juan Carlos Merlo na campanha, a contar ainda com a estreia de Rubén Galván (futuro vencedor da Copa do Mundo de 1978), que não deixaria mais os titulares. O outro rival de chave era o compatriota San Lorenzo, equipe que no ano anterior tornara-se a primeira a vencer em um mesmo ano os dois campeonatos do calendário da primeira divisão argentina, os chamados Torneio Metropolitano e Torneio Nacional (veja aqui).

Àquela altura, porém, os campeões não podiam perder fora de casa para os vizinhos, ou estariam eliminados, pois estes souberam sair invictos contra o Millonarios. Em seu melhor ciclo, a equipe do Papa, ainda hoje a única grande força argentina sem ter vencido a Libertadores, repetiu naquele ano as três ocasiões em que chegou às semis, como em 1960 e em 1988. O melhor San Lorenzo da história, contudo, não foi páreo para o igualmente melhor Independiente da história.

O grande personagem do duelo no Gasómetro foi Balbuena, marcando de cabeça o primeiro gol visitante e fornecendo a assistência para o de Miguel Ángel Giachello no empate em 2-2. Ainda assim, os azulgranas puderam visitar Avellaneda tendo a vantagem do empate. E bem que tentaram jogar com o regulamento embaixo do braço, com só Rubén Ayala fora do campo defensivo.

Capa da revista El Gráfico em maio de 1973, retratando a primeira semifinal caseira com o San Lorenzo. À direita, Giachello prestes a marcar o gol da classificação no jogo da volta

Mas uma brilhante jogada de equipe terminou com o iluminado Giachello “roubando” a conclusão do colega Mendoza para encher a canhota e marcar o único gol: Independiente na final. Se no ano anterior bateu o primeiro peruano na final (Universitario), desta vez iria encarar o primeiro chileno. Parecia de antemão um bom presságio para superar Peñarol e Estudiantes, com quem dividia até então a posição de maior campeão da Libertadores.

Mas os novatos do outro lado da Cordilheira chegaram com credenciais fortes: o Colo-Colo deixara para trás no seu triangular-semifinal o Cerro Porteño e, sobretudo, um Botafogo bastante forte na época: vindo de dois vice-campeonatos brasileiros seguidos, o time de Jairzinho, Dirceu e do artilheiro argentino Rodolfo Fischer havia sido capaz de, meses antes, aplicar um recordado 6-0 sobre o Flamengo. Mas acabou batido em casa pelo Cacique por 2-1, precisamente na primeira vitória de qualquer equipe chilena (incluindo a seleção) no Maracanã.

As finais foram marcadas pelo equilíbrio dos oponentes. A ida foi em Avellaneda e só teve gols nos últimos 20 minutos de jogo. O atacante Eduardo Maglioni e o meio-campista Alejandro Semenewicz acertaram a trave, mas quem marcou primeiro foi o zagueiro Francisco Sá. Ele ainda é jogador mais vezes campeão da Libertadores (presente em todo o tetra seguido do Independiente entre 1972-75 e depois nos primeiros títulos do Boca, no bicampeonato de 1977-78), mas ali a ação foi pouco gloriosa: seu gol foi contra mesmo; ao tentar desviar um cruzamento, El Pancho Sá mandou para as próprias redes, aos 26 do segundo tempo.

Mas, já aos 30, Mario Mendoza deixou a conta igualada, aproveitando bola mal recuada de Alejandro Silva para o goleiro Adolfo Nef e dividindo com este – o que ainda gera reclamação de lance faltoso para a torcida colocolina, que, por outro lado, não costuma se lembrar que o alvinegro Guillermo Páez escapou de uma expulsão após agredir Mendoza na comemoração.

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O polêmico gol de Mendoza, na primeira final, ao colocar a bola para dentro em dividida com Nef

No Chile, o empate foi sem gols, apesar de uma boa chance desperdiçada por Daniel Bertoni; ainda não firmado, o jovem que dali a cinco anos marcaria o último gol da Copa do Mundo de 1978 estreara na competição nos 15 minutos finais do jogo de ida e o técnico Humberto Maschio reutilizou essa tática na partida da volta.

Sem critério de gols fora de casa, um jogo-extra em campo neutro foi marcado para Montevidéu. E para cativar ainda mais os uruguaios, tão rivais dos argentinos, a delegação do Colo-Colo trouxe consigo Sergio Catalán Martínez, o camponês chileno que em dezembro de 1972 encontrara sobreviventes uruguaios da famosa tragédia aérea nos Andes que forçara estes ao canibalismo.

A finalíssima já teve movimentação mais cedo no placar: aos 25 do primeiro tempo, Maglioni parecia desperdiçar uma chance, mas Mendoza conseguiu pôr o pé para desviar no último instante e colocar o Rojo à frente. A estrela transandina Carlos Caszely, que fizera no Maracanã sobre o Botafogo e fora o artilheiro daquela edição (ainda, hoje, é o único chileno goleador de uma Libertadores) e até marcara um gol anulado na segunda final, empatou aos 39 – lançado, encobriu Santoro para somar um nono gol na campanha.

O placar não se alterou até o fim do jogo, mesmo com duas alterações nos times: aos 21 do segundo tempo, Maschio promoveu a estreia do diamante não-lapidado Ricardo Bochini no torneio, no lugar de Maglioni, o herói da final de 1972. Aos 32, o zagueiro chileno Leonel Herrera foi expulso e assim Maschio reforçou o ataque, trocando o ponta Mendoza por um atacante de ofício, Giachello. O torneio precisaria mesmo de prorrogação do jogo-extra, mas as duas alterações seriam certeiras.

O gol do título: confusão na grande área e, na sobra da jogada de Bochini (o camisa 17 à direita), o iluminado Giachello marca

Já aos 2 minutos do complemento, o goleiro Nef não segurou uma bomba de Galván. O novato Bochini, ainda longe do status de maior ídolo do Independiente (El Bocha começaria a firmar-se a partir do seu protagonismo no Mundial, meses depois), conseguiu insistir na jogada, gerando novo bate-rebate. Nisso, a bola sobrou para Giacho aproveitar livre de marcação contra um gol praticamente vazio para ter seu grande momento na carreira. A Libertadores voltaria aos armários dos Diablos Rojos – ironicamente, pela segunda vez seguida sob um técnico ídolo no arquirrival Racing como jogador: em 1972 (e em 1975) sob Pedro Dellacha, em 1973 com Maschio, ambos figuras destacadas nos anos 50 pelo outro time de Avellaneda.

Mesmo vice, aquele Colo-Colo, que cederia quase meia seleção chilena à Copa de 1974 (Ahumada, Caszely, Galindo, García, González, Lara, Nef, Páez, Valdés e Véliz), já fazia muito por seu país: historicamente associado às massas, o Cacique foi ajudando a superar o estereótipo classista. O próprio Leonel Sánchez, um dos artilheiros da Copa do Mundo de 1962 e estrela da arquirrival Universidad de Chile dos anos 60, declarou sua torcida pelo rival para a final. Sob essa atmosfera, os alvinegros teriam retardado o golpe militar no Chile. Em 29 de junho, cerca de três semanas depois daquela final, houve mesmo, ainda sem adesão de Augusto Pinochet, uma primeira tentativa de derrubar Salvador Allende.

Naquela ocasião, o general mais poderoso no Chile ainda era um fiel à constituição, Carlos Prats. Mas essa acabaria mesmo sendo outra mudança presidencial no Cone Sul naquele 1973. O ano que perdeu Tolkien, Picasso, Pixinguinha e Bruce Lee também viu em 11 de setembro o suicídio de Allende em meio aos bombardeios das tropas de Pinochet ao Palácio de La Moneda: pressionado em seu meio, Prats havia renunciado semanas antes. Allende foi seguido quatro dias depois pelo cantor Víctor Jara, consagrado por suas músicas de protesto e fuzilado sem julgamento pelos militares. Outro artista não menos renomado, Pablo Neruda já padecia da câncer, mas sua morte apenas doze dias depois do golpe ainda gera suspeitas.

Prats, exilado em Buenos Aires, os acompanhou um ano depois, assassinado pelo serviço secreto do ditador. Pinochet, inclusive, viu a utilidade da popularidade do Colo-Colo e passaria a usá-la: até virou presidente albo de honra, muito embora seu regime viesse a estuprar a própria mãe do ídolo colocolino Caszely (ele e ela tomaram a coragem de escancarar isso na propaganda televisiva pelo “não”, no plebiscito que em 1988 definiu que Pinochet teria de deixar a presidência chilena até 1990, embora tolerado como senador vitalício). O clube enfim levantaria a Libertadores (ainda é o único chileno a vencê-la) em 5 de junho de 1991 – ou seja, praticamente 18 anos depois daquele vice-campeonato de 6 de junho de 1973. E também no ano seguinte à saída do general. Dados que não poderiam ser mais simbólicos…

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O Colo-Colo na noite da finalíssima: Herrera, González, Páez, Galindo, Silva e Nef em pé; Caszely, Valdés, Ahumada, Messen e Véliz agachados. E um livro sobre “a equipe que atrasou o golpe”: jogadores reunidos com Allende (de óculos) na capa

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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