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Há 45 anos, o Vélez era campeão argentino pela 1ª vez

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Ríos, Luna, Wehbe, Willington e Nogara: quinteto ofensivo que deixava Carlos Bianchi no banco

Há 45 anos um tradicional mas nanico clube no cenário argentino era campeão pela primeira vez: o Vélez. Carlos Bianchi, seu maior prócer no futebol, estava lá como um jovem atacante em uma taça que coroou uma celebrada administração da instituição, gerida por quase trinta anos até então por José Amalfitani, não por acaso quem batiza El Fortín de Liniers, o estádio velezano.

O nacional de 1968 foi marcado pela enorme disputa: só 5 pontos separaram os líderes do 8º, o minúsculo Los Andes, rival original do Banfield (hoje mais rival do Lanús, por conta do desnível com o Andes). A competição, existente entre 1967 e 1985, reunia os melhores times do interior com os melhores colocados do campeonato argentino, apesar do nome historicamente concentrado entre a Grande Buenos Aires, La Plata e Rosario e renomeado justamente como “metropolitano”.

Com 16 participantes e começando em setembro, o Nacional teve turno único em pontos corridos. Seria o normal, mas um triangular final foi necessário, pois ao fim três times ficaram igualados na frente: o próprio Vélez, o pesadíssimo River e o Racing, ainda respirando sua melhor época (no ano anterior, se tornara o primeiro argentino campeão mundial e nem desconfiava de que viveria terrível jejum nacional até 2001). Isso só se repetiu em 2009, desta vez com Boca, San Lorenzo e Tigre.

Em um campeonato tão renhido e com poucos jogos, o Vélez só perdeu três vezes, “normalmente”: para o Boca na Bombonera, para o San Lorenzo no Gasómetro e para o Colón no Cementerio de los Elefantes. Em casa, foi invicto. Não foi um time revolucionário: foram poucas as vitórias por mais de 2 gols de diferença, três: um 3-0 no Estudiantes e as de maior destaque, um 5-2 no Independiente em Avellaneda e um 11-0 no Huracán de  Ingeniero White, quebrando um recorde de goleada na era profissional do futebol argentino. Só Omar Wehbe faria cinco nesse jogo, que pesaria bastante adiante.

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Gallo, Solórzano, Zóttola, Ovejero, Atela e Marín; Moreyra, Luna, Wehbe, Willington e Nogara, os onze que começaram jogando há 45 anos

Se os são-paulinos não esquecem de El Turco Omar Asad na final da Libertadores 1994, há 45 anos o Turco matador era Wehbe, a iniciar uma “linhagem” de sucesso de árabe-argentinos no Vélez, como também Julio Asad nos anos 70 e os irmãos Claudio e Darío Husaín na virada do século. Wehbe foi o artilheiro do Nacional, com 16 gols (o segundo, com 10, foi um brasileiro: Araquém de Melo, do Huracán), ofuscando o ainda adolescente Bianchi, que já havia “aprontado” naquele ano: o maior goleiro do futebol argentino, Amadeo Carrizo, estabeleceu à beira da aposentadoria um recorde de invencibilidade de 770 minutos só encerrada pelo atual técnico do Boca.

Mas só mais tarde é que Bianchi, que ainda não era El Virrey e sim só Carlitos, se afirmaria como um dos maiores goleadores argentinos, no próprio Vélez (maior artilheiro dele, com 206 gols em 320 jogos) e no futebol francês, faceta que seu sucesso ainda maior como técnico deixa menos recordada. Bianchi ficou 7 anos ausente do futebol hermano e mesmo assim só está a menos de 90 gols dos maiores artilheiros dele, Ángel Labruna e Arsenio Erico, ambos com 293. Em 1968, não raramente ainda ficava na reserva de Wehbe ou Daniel Willington, que chegara no início dos anos 60.

Willington não permanecia por acaso mesmo atravessando inicialmente péssimas campanhas (o time ficou em antepenúltimo em 1962 e penúltimo em 1963; só não caiu porque rebaixamentos não estavam previstos). Era daqueles craques irregulares que não se acertam na seleção. Sua rebeldia e ingenuidade de quem nunca pareceu ter deixado de ser um jogador de rua em vez de ser profissional – chegou a sair do time titular no Metropolitano 1968 – têm alguma semelhança em Ariel Ortega.

Quando El Cordobés, mais maduro, enfim chegou ao ponto de bala, o Vélez ficou em marcha: 3º em 1965, 5º em 1966, 3º no Metropolitano e no Nacional de 1967 e semifinalista do Metropolitano 1968. Fazia seus gols e também armava jogo. Mas por melhor que Willington fosse, a ascensão não era fruto só dele e sim também de uma instituição fortalecida a partir dos anos 40, quando Amalfitani assumiu a presidência com o time na segunda divisão, sem estádio e perto da extinção (clique aqui).

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Willington contra a dura dupla defensiva daquele Racing, Perfumo (futuro cruzeirense) e Basile

Naquela época negra, o Vélez era o penúltimo em número de sócios na elite, com 3.300. Em 1962, já era o 4º, com 41.400, à frente até de Racing, San Lorenzo e do “sexto grande” Huracán. Com um clube social sólido, principal prioridade para Amalfitani, os esforços já podiam ser para ganhar um título. Don José ajudou até um inicialmente deslumbrado Willington a administrar o próprio dinheiro.

Longe do ataque, o nome mais querido é o de José Miguel Marín, da seleção nas Olimpíadas  1964. A elasticidade lhe renderia o apelido de El Gato, que no México, onde ganhou meia dúzia de títulos pela Cruz Azul, virou El Superman. Marín, para muitos só superado por Chilavert entre os goleiros fortineros, infelizmente, faleceu jovem, de um ataque cardíaco um dia depois da conquista de 1968 fazer 23 anos, em 1991. Por sinal, Bianchi quase foi com ele à Cruz Azul em 1971, mas a AFA vetou transferências de menores de 22 anos e sua ida ao México se reduziu a uma lua-de-mel em Acapulco.

As tabelas mostram que o Vélez terminou o campeonato na frente pelos critérios de desempate, deixando poucas lembranças que o time não dependia de si na última rodada. River e Racing se enfrentavam em Avellaneda e quem ganhasse seria campeão. Mas empataram em 1-1 e os velezanos, ao vencerem por 2-0 o Huracán, se igualaram aos dois gigantes na frente. O triangular foi realizado com os três jogos no neutro estádio do San Lorenzo e o River, que enfrentava sua maior seca (11 anos; chegaria a 18) enfim ganhou do Racing: 2-0. Em seguida, pegaria o Vélez.

Bastava ao River vencer para quebrar o tabu. José Luis Luna, ponta clássico, insinuante e de bom cruzamento, porém, fez 1-0 (ele marcara outros quatro naquele 11-0). O River logo empatou, com Daniel Onega, maior artilheiro em uma única edição da Libertadores (17 gols em 1966). Mas um 1-1 não foi alterado. Ao River, restava torcer por um empate entre Vélez e Racing. Mas os velezanos tinham até sorte de campeão: Alberto Ríos, um dos pulmões do time e capitão, não pôde jogar, suspenso. Mas seu substituto, Roberto Moreyra, uma aposta do técnico Manuel Giúdice, abriu o placar logo no início com um canhotaço no ângulo direito do futuro santista Agustín Cejas.

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Wehbe e Willington carregados. E o jovem Carlos Bianchi comemorando

O veterano Humberto Maschio, jogador da Itália na Copa 1962 e glória racinguista que jogava pela última vez. O primeiro tempo ficava em novo 1-1 e o título ia ao River. Aí apareceu o artilheiro. O detalhe é que Wehbe estava lesionado e jogava sob infiltrações; até pensara em não ir a campo, mas o colega Iselín Santos Ovejero (depois grande ídolo do Atlético de Madrid) decretou-lhe “vais jogar sim ou sim”. El Turco correspondeu com dois. O artilheiro adversário Jaime Martinoli descontou aos 44, mas o suspense durou pouco: Wehbe, de pênalti, fez seu terceiro no fim.

A melhor campanha pré-triangular fez o Vélez campeão. De fato, o clube do bairro de Liniers foi quem mais venceu (10 contra 9 do River e 8 do Racing), mas o critério de desempate foi o número de gols: 39 do Fortín, 35 do Millo, 29 da Academia. Continuar goleando até chegar nos 11-0, como naquele dia contra o Huracán de Ingeniero White, nunca é demais (Bianchi, aliás, fez o 11º daquele jogo)…

A taça teve a marca da administração de José Amalfitani, mais preocupada em formar jogadores e só complementar com certeiros bons e baratos do que com medalhões: dos principais campeões há 45 anos, Wehbe, Bianchi, Marín, Luis Gallo e Néstor Sinatra vinham das inferiores. Luna era refugo de Boca e River. Moreyra veio do Peru. Ríos, do Colón. Ovejero, de Mendoza. Luis Atela, do Lanús. Mario Nogara, do Unión. José Solórzano e Eduardo Zóttola, do Atlético Tucumán. E foi uma última homenagem em vida a Don José. No ano seguinte, faleceu em 14 de maio, data que a AFA instituiu oficialmente como “dia do dirigente” em honra ao maior que o futebol do país já teve.

Na virada dos anos 70 para os 80, essa política foi alterada e as taças não vieram. O título seguinte demorou 25 anos, novamente seguindo a cartilha de Amalfitani e com Bianchi agora como treinador iniciante. Foi assim que o Vélez começou sua era dourada: clique aqui.

FICHA DA PARTIDA – Racing: Agustín Cejas, Roberto Perfumo, Rubén Díaz; Nelson Chabay, Miguel Ángel Mori, Alfio Basile; Jaime Martinoli, Juan Carlos Rulli, Juan Carlos Cárdenas, Roberto Salomone, Humberto Maschio. T: Juan José Pizzuti. Vélez: José Miguel Marín; Iselín Santos Ovejero, Luis Atela; Luis Gallo, José Solórzano, Eduardo Zóttola; José Luis Luna, Roberto Moreyra, Omar Wehbe, Daniel Willington, Mario Nogara (Carlos Bianchi). T: Manuel Giúdice. Árbitro: Jorge Álvarez. Gols: Moreyra (3/1º), Maschio (23/1º), Wehbe (10/2º e 36/2º), Martinoli (43/2º) e Wehbe (44/2º)

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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