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35 anos de um épico Boca x River: foi Kempes x Maradona. E melhor para Kempes, na Bombonera

Um é o herói do título de 1978, outro do de 1986. Um é semideus no Rosario Central, outro é folclore no Newell’s. Embora nada inimigos fora dos campos, Mario Kempes e Diego Maradona estiveram separados também na principal rivalidade do país. O ano de 1981 foi mágico ao ter um cada na dupla Boca e River, com ambos sendo campeões com as estrelas como protagonistas. O duelo que melhor equilibrou El Matador e El Diez completou ontem 35 anos.

A própria vinda de Kempes ao River, emprestado pelo Valencia, foi uma resposta à vinda de Maradona, também sob empréstimo (do Argentinos Jrs), ao Boca. Os millonarios também fecharam com outro campeão de 1978, o ponta René Houseman, e com o grande goleiro Agustín Cejas, ídolo santista e de bom desempenho em sua volta ao Racing. Mas nenhum teria êxito individual em Núñez. Kempes, sim. Embora só tenha jogado uma vez pela seleção desde a mágica final de 1978 (pelo Mundialito de 1980), vinha mantendo o pé calibrado no Valencia: em 1980, fora artilheiro e campeão da Recopa Europeia.

Kempes deixou o Valencia após 95 gols em 142 jogos de La Liga, mantendo média impressionante de mais de 0,66 gols por jogo: no Rosario Central haviam sido 85 em 107 partidas do campeonato argentino. No Instituto, 11 em 13. No River, foram 16 gols em 32 jogos. Média exata de meio gol por jogo, um bom desempenho para um atacante mas não para o quilate de Kempes. Que, de fato, teve uma passagem um tanto irregular pela equipe de Núñez. No campeonato metropolitano de 1981, vencido em agosto pelo Boca de Maradona (confira), Kempes marcou só nove gols. Por outro lado, com o corpo já em declínio, enfrentava lesões de toda ordem.

El Matador podia tanto marcar dois em uma só partida, o que aconteceu três vezes (4-0 no Colón, 3-1 no Huracán, 5-2 no Newell’s) como ficar rodadas e rodadas sem marcar unzinho: os primeiro gols vieram na 5ª, seguido por outro na 11ª. Após outro na 13ª, só anotaria na 27ª: justamente no Superclásico, um 1-1 com o gol rival sendo justamente de Maradona. No primeiro turno, com ambos os astros presentes, Dieguito havia levado a melhor no resultado (um sonoro 3-0) e no desempenho individual, com seu golaço driblando Ubaldo Fillol repercutindo mais que a performance ainda melhor do veterano Miguel Brindisi, autor dos outros dois gols.

Para piorar, o River, que vinha de um tricampeonato argentino, caiu na Libertadores de 1981 ainda na primeira fase (travada de março a maio). Kempes marcara só um gol, na derrota em casa para o Deportivo Cali, que avançaria exatamente por um ponto a mais. O torneio era uma obsessão de uma torcida que não projetava internacionalmente o amplo domínio exercido dentro das fronteiras: entre 1975 e 1980, foram seis títulos argentinos entre os torneios Metropolitano e Nacional. Para piorar, o Boca havia vencido La Copa duas vezes e também o Mundial em outra. As partidas no Monumental mal vinham tendo mil pagantes.

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A rivalidade era só à primeira vista: Maradona e Kempes davam-se bem

A presidência do River decidiu então encerrar o ciclo de Ángel Labruna no clube. Maior símbolo de um time repleto de craques históricos (somando-se títulos como jogador e técnico, Labruna é o maior campeão no clube, que justamente por causa do ídolo comemora neste 28 de setembro “o dia do torcedor do River”: confira), Angelito era o técnico desde 1975, quando em alto estilo ajudara a encerrar um jejum de dezoito anos – o troféu anterior havia sido em 1957, quando o craque ainda jogava e o fim da seca veio em dose dupla, faturando-se tanto o Metropolitano como o Nacional.

O novo treinador seria outro ícone do River nos anos 40: Alfredo Di Stéfano, técnico de Kempes naquele Valencia. De outras novidades midiáticas para o Torneio Nacional, estiveram os volantes Américo Gallego (ex-Newell’s) e Julio Olarticoechea (ex-Racing). No Boca, era Ricardo Gareca, de volta após desempenhar-se bem emprestado ao Sarmiento de Junín. Outra novidade, extra-campo, influiria diretamente a médio prazo: José Martínez de la Hoz deixou o Ministério da Economia. Seu sucessor, Lorenzo Sigaut, desfez a paridade do peso com o dólar, a moeda usada nos empréstimos de Kempes e Maradona. O dinheiro ianque se valorizaria em 240% (imagine isso sob os Kirchner!).

Os astros acabariam deixando a dupla principal no início de 1982, quando foram se concentrar para a Copa do Mundo – Maradona foi vendido ao Barcelona e Kempes, devolvido ao Valencia. O River só não caiu em 1983 pois foi salvo pelo famigerado regulamento dos promedios (que entrou em vigor exatamente ali), mas esperaria meia década para ser campeão, em 1986, e mais quatro anos para novo título, em 1990. O Boca só voltaria em 1992 a ser campeão argentino, seu mais longo jejum nacional.

Com o caos econômico ainda se iniciando, em setembro começou o Torneio Nacional. O Boca começou vencendo o Unión, mas então somou três derrotas seguidas pelo campeonato. Outra derrota veio em amistoso realizado só 48 horas depois da estreia, em recordado 2-0 para o Flamengo no Maracanã, dois gols de Zico. Maradona, cuja participação no amistoso o tirou das duas primeiras derrotas pelo campeonato, voltou a jogar exatamente naquele Superclásico. E com tudo, no caldeirão da Bombonera.

Aos 20 minutos de um raro Superclásico travado em uma manhã, Dieguito cobrou um lateral, teve a bola logo devolvida e arriscou dali mesmo. O que se esperava ser um cruzamento morreu nas redes de Fillol. Um golaço antológico. E de quem veio a resposta? De Kempes, já aos 19 minutos do segundo tempo. El Matador cobrou com força uma falta e o veterano goleiro Hugo Gatti não segurou. Mesmo torcedor do Boca na infância, Mario comemorou efusivamente na hora e depois: “fazer um gol sempre dá alegria. Fazer um no Boca, mais. E se além disso ganhas a partida, a festa é completa”, declarou.

Kempes comemora seu gol de falta, empatando o placar aberto por Maradona
Kempes comemora seu gol de falta, empatando o placar aberto por Maradona

A virada, de pênalti, veio com outro antigo torcedor auriazul: o zagueirão Daniel Passarella, outro petardo, no meio do gol, apenas quatro minutos depois. Aos 35, a vitória visitante pareceu sacramentada em jogada iluminada do defensor Jorge García (outro reforço para o Nacional, era ex-Rosario Central), que iniciou e concluiu bela jogada coletiva com toques de primeira. García, como craque que não exatamente era, finalizou após matar no peito, passar entre dois rivais e driblar Gatti.

Mas ainda havia suspense: logo aos 37, Gareca recebeu de cabeça e fuzilou Fillol. O ex-técnico palmeirense viraria ídolo nos tempos sombrios que viriam ao Boca justamente por marcar muitos gols no rival. E viraria persona non grata exatamente por virar a casaca no início de 1985, após o desastroso ano de 1984 no qual a crise quase fez o Boca ser rebaixado e fechar as portas: detalhamos aqui (Kempes, aliás, ofereceu-se para jogar pelo antigo time do coração naquele momento).

O clássico ficou no 3-2. O Boca, para capitalizar com Maradona, faria uma turnê pela Costa do Marfim e ainda assim conseguiu quatro vitórias seguidas, ficando com alguma folga em primeiro no seu grupo. Já o River cambaleou. Embora viesse de um empate fora de casa e uma vitória antes de realizar seu terceiro compromisso naquele Superclásico, não venceu os três jogos seguintes.

O Millo ganharia os quatro posteriores, mas na reta final da primeira fase voltou a ser irregular (em casa no Monumental, ficou só no 2-2, com Maradona marcando ambos os gols xeneizes e assim mantendo a escrita de marcar gol em cada um dos quatro Superclásicos de 1981). Conseguiu se classificar só nos critérios de desempate contra a surpresa Loma Negra de Olavarría, que em sua Patagônia não passou de um empate com o Talleres, time treinado justamente por Labruna!

O “folgado” Boca sucumbiria logo no primeiro mata-mata, em tumultuadas quartas-de-final com o Vélez. Os auriazuis ganharam a primeira por 2-1 em um jogo de seis expulsões, três para cada. Um delas, justamente de Maradona. Sem ele na volta, os detentores do título caíram por 3-1 e um dos gols velezanos foi de Carlos Bianchi. Como logo no início de 1982, em fevereiro, os convocados à Copa se concentrariam com a seleção (pois tal exagero havia dado certo para o mundial de 1978), o jogo de ida acabou sendo a última partida de Maradona no Boca em jogos não-amistosos até 1995.

Já o River não exatamente embalou, mas enfim conseguiu uma regularidade e terminaria campeão em final com o Ferro Carril Oeste (do lateral brasileiro Rodrigues Neto), justamente o líder do grupo que tinha os millonarios na primeira fase – com Kempes, sem marcar nos mata-matas anteriores, compensando ao fazer o gol do título. Coisas e coisas do futebol. Que serão mais detalhadas adiante.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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