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45 anos do início da Era Bochini no Independiente: a Libertadores de 1973, que atrasou o golpe militar chileno

Ricardo Bochini, o primeiro da esquerda na foto que abre a matéria, tirada em 6 de junho de 1973, é o maior craque de um clube de história riquíssima feito o Independiente. Foram vinte temporadas no Rojo marcadas pelo alto nível de uma espécie de Iniesta argentino dos anos 70 e 80: passes açucarados desde o meio viraram passes bochinescos na Argentina, embora ambos os craques tenham também seus gols históricos no currículo. Uma imagem famosa do Bocha é ele rodeado de troféus que incluem cinco Libertadores, vencidas no seu período de clube. Mas é uma pequena falácia. Ele não jogou nenhuma partida da campanha vitoriosa de 1972, ano de sua estreia. O mais justo seria considerar que sua era começou em 1973. Foi justamente na finalíssima dali que Bochini estreou em La Copa. Já para fazer a jogada do título.

O ano de 1973 não foi um 1968, cujo célebre mês de maio acaba de completar 50 anos, mas também teve suas turbulências. O efervescente Oriente Médio viveu a Guerra do Yom Kippur, enquanto os EUA passavam a se retirar da do Vietnã e, a dois anos da morte, Francisco Franco deixava o poder na Espanha – no vizinho Portugal, o salazarismo também ia se pondo, acelerando as independências das colônias lusitanas.

Aqueles dias eram embalados pelo recém-lançado The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd. O Brasil, em que a vinheta (do Banco Nacional) que antecedia a abertura do Jornal Nacional usava música do grupo inglês, dividia as atenções com o ocaso da Era Pelé e o alto nível de O Bem Amado, enquanto Médici saía do poder. Os países vizinhos também ficariam marcados por mudanças presidenciais.

Independiente na noite da finalíssima: Raimondo, Commisso, Santoro, Sá, López e Pavoni em pé; Bertoni, Galván, Maglioni, Semenewicz e Mendoza agachados. Na outra imagem, o técnico Maschio

Entre a campanha dos dois títulos internacionais do Independiente naquele ano (Libertadores e Mundial), a Argentina teve simplesmente quatro presidentes: o militar Alejandro Lanusse ocupou a Casa Rosada até o fim de maio, sucedido pelo recém-eleito Héctor Cámpora, um civil. Assim, o exilado Perón voltou ao país em junho, involuntariamente provocando enfrentamentos que desembocaram no Massacre de Ezeiza. No mesmo mês, o Uruguai, então um oásis de paz no cenário político do Cone Sul, também passou a viver um regime ditatorial militar, deflagrado pelo próprio presidente civil Juan María Bordaberry.

Fiel a Perón, impedido de candidatar-se pelos militares, Cámpora renunciou em julho, convocando novas eleições. A presidência ficou interinamente com Raúl Lastiri até o viúvo de Evita ser eleito com 60% dos votos e voltar em outubro ao poder (morreu nove meses depois, assumindo sua vice, e também viúva, Isabelita – não, Frank e Claire Underwood não inovaram nesse sentido…). O Independiente, do seu lado, fez a Libertadores continuar como estava em 1972.

Por uma previsão a durar até os anos 90 no regulamento, os Rojos, como campeões (veja aqui sobre o primeiro título da série), adentraram no torneio já na segunda fase. A única mudança foi a saída do símbolo José Omar Pastoriza, volante central que fora jogar no Monaco. O clube tentou repô-lo com um astro: Julio Montero Castillo, do Uruguai semifinalista da Copa de 1970 e do Nacional campeão de tudo em 1971, incluindo as primeiras Libertadores e Mundial dos tricolores – atualmente, é mais conhecido no mundo como pai do beque Paolo Montero.

Capa da revista El Gráfico em maio de 1973, retratando a primeira semifinal caseira com o San Lorenzo. À direita, Giachello prestes a marcar o gol da classificação no jogo da volta

Naquela época, a segunda fase já significava a semifinal, composta não em mata-matas, mas em dois grupos com três times cada, a se pegarem em turno e returno. Assim, o clube de Avellaneda estreou a exatos dois meses do título. Em 6 de abril, derrota por 0-1 para o Millonarios, na Colômbia, gol por baixo do corpo do goleirão Miguel Ángel Santoro, enquanto Ricardo Pavoni perdeu um pênalti. Foi exatamente a única participação de Montero Castillo, avaliado como lento demais e inicialmente sobrepujado por Héctor Martínez, que na reta final foi trocado por Miguel Ángel Raimondo.

O outro rival de chave era o compatriota San Lorenzo, equipe que no ano anterior tornara-se a primeira a vencer os dois torneios anuais da elite argentina – ver aqui. Em seu melhor ciclo no século XX, dono de quatro campeonatos argentinos entre 1968 e 1974, o San Lorenzo não foi páreo para mais copeiro Independiente da história. Os diablos venceram o Millonarios na volta (2-0, com Pavoni indo à desforra em tiro livre e Agustín Balbuena em cabeceio a encobrir o goleiro). Àquela altura, porém, não podiam perder fora de casa para o Sanloré, ou estariam eliminados.

O grande personagem do duelo no Gasómetro foi Agustín Balbuena, marcando de cabeça o primeiro gol visitante e fornecendo a assistência para o de Miguel Ángel Giachello no empate em 2-2. Assim, houve sobrevida levada a Avellaneda. Os azulgranas tentaram jogar com o regulamento embaixo do braço, com só Rubén Ayala fora do campo defensivo. Mas uma brilhante jogada de equipe terminou com o iluminado Giachello “roubando” a conclusão do colega Mario Mendoza para encher a canhota e marcar o único gol. As estatísticas também o registrariam melhor adiante.

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O polêmico gol de Mendoza, na primeira final, ao colocar a bola para dentro em dividida com Nef

O Independiente já era o maior campeão da Libertadores, mas divida a primazia com os também três títulos de Peñarol e Estudiantes. Se no ano anterior bateu o primeiro peruano na final (Universitario), desta vez iria encarar o primeiro chileno. O Colo-Colo deixara para trás a também chilena Unión Española e os equatorianos Emelec e El Nacional na primeira fase; e, na sua semi, o Cerro Porteño e o Botafogo – o time de Jairzinho, Dirceu e do argentino Rodolfo Fischer foi batido pelo Cacique em pleno Maracanã por 2-1, na primeira vitória chilena ali.

As finais foram marcadas pelo equilíbrio. A ida foi em Avellaneda e, apesar de Eduardo Maglioni e Alejandro Semenewicz acertaram as traves, foi o retrancado adversário quem abriu o placar, já nos últimos 20 minutos. Um gol contra de Francisco Sá (que, presente no tetra seguido do Independiente entre 1972-75 e nos primeiros títulos do Boca, no bi de 1977-78, é o maior vencedor da Libertadores) ao tentar desviar um cruzamento colocou os visitantes na frente. Mas, já aos 30, Mario Mendoza empatou, aproveitando bola mal recuada de Alejandro Silva ao goleiro Adolfo Nef e dividindo com ele – o que ainda gera reclamação, embora se lembre menos que o alvinegro Guillermo Páez escapou de uma expulsão após agredir Mendoza na comemoração.

No Chile, o empate foi sem gols, apesar de uma boa chance desperdiçada por uma revelação. Ainda não Bochini, mas sim sua “cara metade” Daniel Bertoni, dali a meia década autor do último gol da Copa de 1978. Sem critério de gols fora de casa, um jogo-extra em campo neutro foi marcado para Montevidéu. Para cativar ainda mais os uruguaios, tão rivais dos argentinos, a delegação chilena trouxe consigo Sergio Catalán Martínez, o camponês chileno que em dezembro de 1972 encontrara sobreviventes uruguaios da famosa tragédia aérea nos Andes que forçara o canibalismo.

O gol do título: confusão na grande área e, na sobra da jogada de Bochini (o camisa 17 à direita), o iluminado Giachello marca

A finalíssima já teve movimentação mais cedo no escore: aos 25 do primeiro tempo, novamente Mendoza marcou, colocando o pé no último instante em bola aparentemente desperdiçada por Maglioni. Mas a estrela transandina Carlos Caszely, que fizera no Maracanã sobre o Botafogo e fora o artilheiro daquela edição (9 gols; ainda, hoje, é o único chileno goleador de uma Libertadores) e até marcara um gol anulado na segunda final, empatou aos 39, encobrindo Santoro ao ser lançado.

O placar não se alterou até o fim do jogo. O torneio precisou de prorrogação do jogo-extra… e foi aí que Giachello reapareceu. E Bochini também – ele, sem a maior continuidade com o técnico Humberto Maschio apesar de protestos da torcida, enfim estreou na Libertadores ao ser colocado em campo aos 21 minutos do segundo tempo, no lugar de Maglioni. Giachello, por sua vez, substituiu o próprio autor do primeiro gol, Mendoza, a quinze minutos do fim do tempo normal. E logo aos 2 minutos do primeiro tempo extra, uma bomba de Rubén Galván não foi segurada por Nef.

Bochini conseguiu insistir na sobra daquela jogada, e no bate-rebate Giacho aproveitou o gol livre para marcar e gritar “sou um fenômeno!”… embora não passasse de um jogador comum que não virou exatamente o maior dos ídolos rojos. Mas seu momento de talismã assinalou a continuação da Libertadores nos armários dos Diablos. Ironicamente, pela segunda vez seguida sob um técnico ídolo no rival Racing como jogador: em 1972 (e em 1975) sob Pedro Dellacha, em 1973 com Maschio, raríssimo campeão do torneio pelos dois rivais.

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Revista El Gráfico de 12 de junho de 1973, estampando Santoro e Pavoni com a taça. Eram os dois remanescentes do título de 1965. O goleiro também levara a de 1964

Apesar da decepção, aquele Colo-Colo cederia quase meia seleção chilena à Copa de 1974:Ahumada, Galindo, González, Lara, Nef, Páez, Valdés, Véliz e Rolando García; Caszely iria já defendendo o espanhol Levante. De fato, o Cacique já vinha fazendo muito por seu país: o próprio Leonel Sánchez, um dos artilheiros da Copa de 1962 e estrela da arquirrival Universidad de Chile dos anos 60, declarou sua torcida pelo rival para a final. Sob essa atmosfera, os alvinegros teriam retardado o golpe militar no Chile – houve uma tentativa semanas depois, em 29 de junho, frustrada. Foi outra mudança presidencial no Cone Sul naquele 1973…

O ano que perdeu Tolkien, Picasso, Pixinguinha e Bruce Lee e os artistas chilenos Pablo Neruda e Víctor Jara, este assassinado no Estádio Chile quatro dias após o golpe (Neruda morreu doze dias depois, não deixando de gerar suspeitas apesar de padecer de câncer), também viu o suicídio do presidente Salvador Allende nos bombardeios das tropas de Pinochet ao Palácio de La Moneda, em 11 de setembro. O general, inclusive, viu a utilidade da popularidade do Colo-Colo e passaria a usá-la: até virou presidente albo de honra. Depois daquele 6 de junho, o clube teve de esperar praticamente 18 anos para, enfim, vencer a Libertadores. Ainda é o único chileno campeão. Foi em 5 de junho de 1991 – no ano seguinte à saída de Pinochet. Não poderia ser mais simbólico…

FICHA DA PARTIDA – Independiente: Miguel Ángel Santoro, Eduardo Commisso, Francisco Sá, Miguel Ángel López e Ricardo Pavoni; Alejandro Semenewicz, Miguel Ángel Raimondo e Rubén Galván; Daniel Bertoni, Eduardo Maglioni (Ricardo Bochini) e Mario Mendoza (Miguel Ángel Giachello). T: Humberto Maschio. Colo-Colo: Adolfo Nef, Mario Galindo, Leonel Herrera, Rafael González, Alejandro Silva (Gerardo Casteñeda), Francisco Valdés, Guillermo Páez, Sergio Messen, Carlos Caszely, Sergio Ahumada, Leonardo Véliz (Alfonso Lara). T: Luis Álamos Árbitro: José Romei (PAR). Gols: Mendoza 25/1º, Caszely 39/1º, Giachello 2/1º prorrogação

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O Colo-Colo na noite da finalíssima: Herrera, González, Páez, Galindo, Silva e Nef em pé; Caszely, Valdés, Ahumada, Messen e Véliz agachados. E um livro sobre “a equipe que atrasou o golpe”: jogadores reunidos com Allende (de óculos) na capa

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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