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70 anos de Miguel Oviedo: vencedor da Copa 78 e ídolo mais democrático de Córdoba

No banco de reservas da Bombonera junto a Héctor Baley, por sinal outro ídolo do Talleres

A Copa do Mundo de 1978 teve quatro campeões provenientes da província de Córdoba e três que vinham do futebol cordobês. Apenas o coringa Miguel Ángel Oviedo integrava ambos os grupos, além de ser o único nativo da capital Córdoba – os famosos Mario Kempes e Osvaldo Ardiles são de Bell Ville enquanto Américo Gallego, outro titular, é de Morteros. O poderoso Talleres era o único clube local representado na Albiceleste, embora o zagueirão titular Luis Galván fosse da província de Santiago del Estero e o armador José Daniel Valencia, da de Jujuy. Se La Cata Oviedo só disputou 5 minutos no Mundial, sua importância estatística vai além desses dados: jogou, sempre com destaque, em três dos quatro grandes de Córdoba e é o único que a Argentina convocou de dois clubes de lá. Hoje ele faz 70 anos.

O livro Quién es Quién en la Selección Argentina não destaca esse fato de apenas Oviedo ter representado o país vindo de duas equipes cordobeses, mas ressalta as seguintes características: “polivalente jogador, com boa técnica e visão de jogo, capaz de desempenhar-se em postos de contenção na metade do campo e também como zagueiro central, posto em que atuou muito tempo. Era regular, sempre cumpria. Na equipe nacional, esses atributos somados foram tidos em conta pelo treinador César Menotti. (…) Sua trajetória foi de três anos, onze meses (…) e uma só derrota, contra o Uruguai, antes do Mundial da Argentina, em Montevidéu”.

Principal jornal de Córdoba, La Voz del Interior entrevistou Oviedo há alguns meses, na ocasião de novo aniversário do título mundial. A matéria informa que ele nasceu e cresceu no bairro de San Vicente, cujo clube Unión San Vicente inclusive foi o campeão da liga cordobesa em 1982 e 1983. Oviedo, de fato, começou a carreira nos juvenis no Palermo, um dos clubes que em 1980 formaram o Unión – e onde um irmão, Carlos Alberto Oviedo, já havia jogado, bem como o pai José Alejo Oviedo. Assim, não foi difícil obter apoio em casa quanto ao desejo de tentar a carreira. A mãe Emma apenas queria que Miguel Ángel trabalhasse.

Ao jornal, Oviedo relembrou que “com meu velho e meu irmão trabalhava em uma fábrica de canos de cimento. Em casa não sobrava grana. Um dia, meu velho me disse: ‘você quer jogar futebol?’. Eu lhe disse: ‘me encantaria’. Assim comecei a jogar, mas nunca pensei em chegar onde cheguei. Meu velho, como havia sido jogador, me incentivava a jogar. Me disse: ‘se te vais dedicar ao futebol, será para valer’. As saídas e a noite não existiram mais. O obedeci muitíssimo e ele sempre me bancou”. Ele ingressou nos juvenis do Palermo já com 17 anos, com experiência apenas em jogos colegiais.

Instituto de Córdoba estreante na elite argentina, em 1973, com três futuros vencedores da Copa de 1978: Jorge Perriot, Ricardo Acevedo, Mario Carballo, Oviedo, Osvaldo Ardiles e Eduardo Anelli; José Saldaño, Miguel Saldaño, Mario Kempes, Alberto Beltrán e Daniel Willington

Apesar da ligação familiar com o clube, o Palermo não foi a primeira opção e sim o quinto grande cordobês, o General Paz Juniors – que recentemente, em 1964, havia encerrado um jejum de 21 anos na liga cordobesa e se destacava nacionalmente pela sua equipe de basquete, apelidada de Estrellas Blancas. Oviedo contou essa história ao La Voz: “havia um açougueiro que me viu jogar criança; esse homem era muito torcedor do Juniors. E me levou ali para que me testassem. O que houve? Primeiro deram uma pancada nele e depois em mim. Nos expulsaram. Lhe disseram que garotos como eu tinham um montão”.

La Cata (apelido de infância pelo seu costume de balançar a cabeça de cima a baixo como um papagaio) prosseguiu: “assim que, enojado o homem, me levou nesse mesmo dia ao Palermo. O técnico gostou de como joguei e fiquei no time sub-18, onde estive por um ano. Depois Humberto Merlo, o técnico do time adulto e que depois foi meu amigo, me levou ao adulto”. Em 1969, Oviedo integrou o elenco principal que venceu a segunda divisão cordobesa. “Aí me viram as pessoas do Racing e fui para lá. Era difícil ser jogador de futebol nessa época, porque havia muitíssimos bons jogadores; tinhas que ser tocado um pouco pela varinha mágica para jogar na primeira divisão”.

Detalhe: Oviedo não se refere à primeira divisão argentina e nem ao gigante Racing de Avellaneda, e sim à elite cordobesa e ao Racing de Córdoba mesmo. Com efeito, se os anos 70 teriam fornecido a última geração de ouro do futebol argentino, até por ser a década em que quase todos os campeões de 1978 e 1986 estrearam, foi também pela abundância de craques mesmo em clubes pequenos e espalhados pelo país adentro. Apesar do nome, o campeonato “argentino” excluía da primeira à última divisão os times que não fossem da Grande Buenos Aires, La Plata, Rosario e Santa Fe, limitando outros clubes a ligas regionais.

Entre 1967 e 1985, os melhores times dessas ligas regionais ganharam um lugar ao sol com o advento do Torneio Nacional, onde se digladiavam com os melhores do campeonato argentino – renomeado de Torneio Metropolitano. Outro campeão da Copa de 1978, o lateral Alberto Tarantini seria negociado com o futebol europeu na esteira do título, mas rompeu o negócio recém-fechado com o Birmingham City para rumar ao forte Talleres sustentando que era mais fácil se manter na seleção jogando a liga cordobesa do que a inglesa. E se os holofotes em Córdoba histórica e modernamente se concentram na dupla Talleres e Belgrano, os anos 70 e 80 mitigaram o duopólio, com os auges do Racing local e o Instituto, a travarem o clássico cordobês secundário. Desse quarteto, Oviedo só não defenderia o Belgrano.

Racing de Córdoba de 1975: Ramón Rivadero, Oviedo (a estrear naquele ano pela seleção), Armando Rodríguez, Juan Bujedo, Juan Derderián, Héctor Bertón e Eduardo Saporiti; Emilio Commisso (estes dois venceriam a Libertadores depois), Rubén Valdez, Guillermo Aramayo e Lucio Robles

Chegar ao clube do bairro de Nueva Italia, dono de dois títulos cordobeses na metade final dos anos 60, permitiu aos Oviedo inclusive adquirirem de vez a casa onde moravam: “no Racing, tive algumas vivências significativas para mim e para meu velho. O primeiro contrato que fechei com o Racing fiz com o secretário do clube, um advogado de sobrenome Petito. Me diz ‘quanto quer ganhar?’. ‘O que quero é que salvem a hipoteca da minha casa, que paguem a dívida’, disse. Então me pediu todos os papéis. Os levamos com meu pai, e Petito comprovou que o trâmite da hipoteca era conduzido por um sócio seu e então disse a meu velho: ‘Don Oviedo, fique tranquilo que a dívida de sua casa está saldada’. Meu velho não podia crer. Anos e anos com a casa hipotecada. Meu velho se largou a chorar”.

La Cata estreou no time principal do Racing em 22 de março de 1970, em um 2-2 com o Talleres no estádio do Belgrano. Logo firmou-se como titular: foram 26 partidas na liga cordobesa. Na de 1971, foram 30, em campanha onde La Academia venceu sua zona, embora não impedisse o bi de um Belgrano forte que tinha consigo um ataque logo importado pela dupla Real Madrid (Carlos Guerini) e Barcelona (Bernardo Cos e Juan Carlos Heredia). Em 1972, mais 26 jogos em uma campanha vencida pelo Instituto de Kempes e Ardiles. Esse título classificou o rival para disputar pela primeira vez o Torneio Nacional, para a edição de 1973. Foi o ano em que Oviedo deslanchou: no primeiro semestre, em nova edição da liga cordobesa, marcou seus primeiros nove gols (em 26 jogos), normalmente como um eficiente cobrador de pênaltis.

Não foi o suficiente para que o Racing voltasse ao título, novamente do Belgrano. Mas, com o time de Nueva Italia ausente do Torneio Nacional, sua diretoria viu vantagem em emprestar o craque ao rival, diante da vitrine que o Instituto teria. E assim Oviedo teve uma rápida passagem pela equipe do bairro de Alta Córdoba, com 14 partidas por La Gloria no Nacional de 1973. Mesmo distante da classificação, o Instituto não fez feio para um estreante, em um elenco notabilizado por conter um trio que dali a meia década seria campeão do mundo: Oviedo, Kempes e Ardiles. Os alvirrubros ficaram acima inclusive do próprio Racing de Avellaneda e tiveram em Kempes o terceiro jogador na artilharia do certame.

Oviedo se mostraria sempre grato ao Instituto por ser o clube que lhe permitiu estrear na elite argentina, embora precisasse regressar ao Racing para 1974. Continuou mostrando-se um defensor artilheiro, com seis gols em 27 jogos. E voltou a ser emprestado para o Torneio Nacional, dessa vez para o campeão Talleres. Que, treinado pela lenda Ángel Labruna, realizaria a primeira grande campanha de um clube cordobês na competição: La T liderou o grupo que tinha o recém-campeão do Metropolitano de 1974 (o Newell’s) e o gigante River, avançando ao octogonal final, terminando em 4º lugar a quatro pontos do campeão San Lorenzo. Oviedo tratou de destacar-se junto: “joga de tudo e sabe de tudo”, avaliou a El Gráfico após um duelo com o River, registrando que Labruna exaltava “que condições tem!” após escala-lo de meia-direita, de volante central e de zagueiro.

O Talleres foi mesmo o clube com o qual mais se identificou, sendo eleito para o time dos sonhos dos 99 anos de La T: Luis Galván, Daniel Willington, Julián Maidana, Mario Cuenca, José Zelaya (de camisa reserva) e Oviedo; Luis Ludueña, Miguel Antonio Romero, Humberto Bravo, José Daniel Valencia e Victorio Ocaño

Em outra edição, uma comemorativa lançada já em 2013 para comemorar o centenário tallarin, a El Gráfico não fugiu muito dessas palavras e daquele perfil do livro Quién es Quién en la Selección Argentina ao descrever Oviedo entre os grandes ídolos do clube do bairro Jardín: “um defensor polifuncional. Sua ductilidade lhe permitia adaptar-se a diferentes posições do fundo. Também podia ser volante. Essa versatilidade o levou a integrar a seleção que ganhou o Mundial 78. No Talleres, jogou 366 partidas entre 1974-82 e 1986-87. Assinalou 36 gols”. O único erro da revista foi dar a entender que Oviedo permaneceu no Talleres seguidamente entre 1974 e 1982, com um retorno na temporada 1986-87.

Na realidade, La Cata ainda voltou ao Racing para o primeiro semestre de 1975, deixando seus últimos quatro gols em 21 jogos (por um elenco que tinha dois futuros campeões da Libertadores: Emilio Commisso, do Argentinos Jrs de 1985, e Eduardo Saporiti, do River de 1986). E, sobretudo, enfim estreando pela seleção, favorecido também pela convivência que tivera diariamente com Labruna em 1974: “jogando no Racing, eu comecei a ser jogador da seleção argentina. Ángel Labruna, que treinava o Talleres, era colaborador do Flaco César (Menotti), que tinha vários treinadores como colaboradores no interior do país. E Don Ángel disse a Menotti que havia um garoto no Racing que se adaptava a qualquer posição”.

Ex-jogador do Rosario Central, Menotti sabia que o normalmente desprezado interior argentino também tinha seus craques e valorizou-os como ninguém antes ou depois. Formou em 1975 uma seleção só com eles, inicialmente para o triangular amistoso com a seleção goiana e o bicampeão brasilero Palmeiras, nas cerimônias de inauguração do Serra Dourada. Em 12 de março de 1975, contra o Palmeiras, quatorze novatos estrearam juntos pela Argentina. Oviedo tornou-se ali o primeiro jogador do Racing de Córdoba aproveitado pela Albiceleste. Ela perdeu de 2-1, mas viu ali as estreias de outros futuros campeões mundiais: os citados Ardiles (ainda no Instituto), Valencia (ainda no Gimnasia y Esgrima de Jujuy), Galván (já no Talleres) e Ricardo Villa, ainda no Atlético Tucumán.

Já a estreia oficial, contra outra seleção, se deu em 27 de junho, como titular em 2-1 sobre a Bolívia dentro de Cochabamba, pelo troféu binacional Copa Cornelio Saavedra. Oviedo não chegou a ser usado na Copa América realizada na primeira quinzena de agosto de 1975, mas voltou a campo na segunda quinzena, pelo Torneio Cidade do México. Saiu do banco nos 6-0 sobre os EUA, nos 2-0 sobre a Costa Rica e no 1-1 com os anfitriões. Seria a sua tônica; nos dez jogos oficiais que fez pela Albiceleste, só seria mesmo titular naquela partida contra a Bolívia e na última, um 0-0 com a Irlanda em Dublin já em 29 de maio de 1979.

Passarella, Olguín, Larrosa, Luque, Menotti, Bertoni, Pagnanini e Oviedo; Villa, Víctor Bottaniz, Baley, La Volpe, Fillol, Tarantini e Killer; Humberto Bravo, Gallego, Ortiz, Ardiles, Houseman, Rubén Galván, Valencia e Luis Galván. Parte da seleção de 1978, ainda com os cortados Bottaniz e Bravo

Nada que impedisse um orgulho familiar. Naquela entrevista ao La Voz, Oviedo contou também que “em rodas com seus amigos, chegou a dizer: meu filho vai jogar na seleção argentina. E os amigos respondiam: vai nada ser jogador da seleção! E também lhes dizia: e vai ser capitão da seleção. E fui capitão da seleção do interior. E quando joguei uma partida como capitão, tirei uma foto, e meu velho a levou a seus amigos e lhes disse: não lhes disse que meu filho ia ser capitão da seleção?”. Presidente mais lendário do Talleres, Amadeo Nuccetelli também aproveitou aquela seleção do interior, trazendo dela Oviedo, Valencia e René Alderete, colega deste no Gimnasia de Jujuy.

O outro erro da El Gráfico, por sua vez, foi sugerir uma pausa de Talleres entre 1982 e 1986, o que não ocorreu. A existência de um outro Miguel Ángel Oviedo que naquele ato defendeu o Independiente (sem destaque) e que chegou a vencer a segunda divisão pelo Deportivo Armenio faz muitos pensarem que foram a mesma pessoa, inclusive os sites estatísticos OGol, BDFA e Transfermarkt. Um erro apontado pelo historiador Esteban Bekerman, dono da única livraria de futebol em Buenos Aires. Inicialmente emprestado aos alviazuis para o Nacional de 1975, La Cata foi contratado em definitivo ao fim da campanha, sendo assiduamente tallarin até pendurar as chuteiras (em 1987) a ponto inclusive de tornar-se o homem que mais defendeu os time na primeira divisão argentina.

Isso também foi destacado em outro momento daquela El Gráfico dedicada aos cem anos de La T (ele participou do jogo festivo do chamado CenTenario, onde um time de veteranos de azul marinho enfrentou outro trajado de branco): “considerando só as partidas por torneios da AFA, o (jogador) de mais presenças é Miguel Oviedo”, contrapondo-se seus 366 jogos pelos torneios argentinos contra os 534 gerais do recordista absoluto, o colega Luis Galván. No geral, contando-se amistosos e jogos da liga cordobesa, La Cata registrou 453 partidas no clube, com 46 gols. Foi membro assíduo, sobretudo, da fase mais brilhante do clube. Nada modesto, ele recordou-se assim de si em outra matéria da El Gráfico, publicada em dezembro de 2015:

“Eu me caracterizava por ter boa técnica e muito sacrifício. Quando jogava no meio-campo, recuperava a bola para nossos volantes. Minha função era roubar a bola e entregar a eles; e atrás, na defesa, era outra função, mais cômoda, com a obrigação de sair jogando com a bola. Não gostava de chutões. Uma vez, me enfureci com El Pollo [Omar] Beccerica. Passava toda a partida afastando-a de qualquer jeito. Me enfureci e lhe gritei, lhe pedi que não fizesse mais isso; e me respondeu: ‘eu não sei fazer o que o senhor faz’. Me chamava de senhor”.

João Havelange em Roma em 1979 conversando com três jogadores da seleção argentina, todos do Talleres: José Reinaldi, José Daniel Valencia e Oviedo. Mesmo desfalcados deles, o timaço em paralelo empatou um amistoso contra o Milan em Córdoba naqueles dias

O máximo de títulos seguidos na liga cordobesa eram dois tetracampeonatos ainda no amadorismo (até 1932), um do Instituto e outro do Belgrano. O Talleres, que brigara para não cair em 1973, emendou então um hexa entre 1974 e 1979, com Oviedo participando dos quatro títulos finais. Força corroborada seguidamente também nos Torneios Nacionais: no de 1975, novamente líder do seu grupo (com Oviedo marcando um gol, mas que gol: cobrando falta em pleno Clásico Cordobés com o Belgrano, num 2-2), La T terminou em 6º lugar geral. Em 1976, o Talleres começou o ano vencendo um torneio de verão no Zaire. Oviedo inclusive contraiu malária na viagem, mas recuperou-se a tempo de reaparecer pela Argentina em 8 de julho, em amistoso não-oficial contra o resto do país, vencido por 4-0.

Na ocasião, substituiu Américo Gallego no decorrer do jogo e se tornou o primeiro a defender a Albiceleste por um segundo time cordobês. Se o amistoso não foi contra outra seleção oficial, o Talleres de Oviedo enfrentaria uma semanas depois, em 27 de julho. Era a forte geração do Peru, vencido dentro de Lima. Veio então o tricampeonato cordobês do clube (e o primeiro de La Cata) e nova campanha no Nacional como líder do grupo, prevalecendo-se nos mata-matas até as semifinais, quando os alviazuis caíram diante do River. Foi naquele Torneio Nacional que o clube do bairro Jardín tornou-se também o primeira enfrentado por Maradona, na estreia que Dieguito fez com 16 anos recém-completados pelo time adulto do Argentinos Jrs. Foi na vitória cordobesa de 1-0 no primeiro turno; no segundo, seria 5-0, com gol de Oviedo incluso.

Ao longo de 1977, o Talleres bateu até a forte seleção polonesa (1-0 em 1º de junho) e também a boliviana (3-0 dentro de Santa Cruz de la Sierra duas semanas depois) antes de garantir o tetra cordobês. Em outubro, bateu por 4-3 o Olimpia e em novembro foi a vez de vencer o Santos por 2-1. Tudo prévia do ápice, a campanha que enfim colocou aquele timaço na final do Torneio Nacional. Diferentemente de anos anteriores, naquele a liderança na fase de grupos era mais necessária do que nunca, pois agora somente o líder avançava. La T conseguiu isso mesmo dividindo o grupo com Racing e River.

Nas finais, o gigante Independiente foi incapaz de vencer dentro de Avellaneda, de onde os alviazuis saíram com um valioso 1-1. Em Córdoba, os anfitriões arrancavam uma polêmica virada por 2-1; primeiro, com um pênalti onde um cruzamento de Valencia resvalou na mão do rojo Rubén Pagnanini, jogada interpretada como involuntária mas ainda assim punida pela arbitragem. As reclamações explodiram mesmo na virada, validando um gol de mão, reforçando a impressão de que o juiz teria se submetido à pressão de militares cordobeses. Heroicamente, naquele 25 de janeiro de 1978 o Independiente arrancou o 2-2 do título nos minutos finais, mesmo com três jogadores previamente expulsos pelas reclamações.

O timaço do Talleres bronze em 1980, com três vencedores da Copa 1978, no dia da estreia histórica no Metropolitano no estádio do Huracán: Néstor Lucco, José Reinaldi, Humberto Bravo, José Berta, José Daniel Valencia e Carlos Guerini (ex-Real Madrid); Rubén Guibaudo, Oviedo, Rafael Pavón, Héctor Arrieta e Luis Galván. Oviedo marcaria o gol cordobês

Oviedo ainda lamentava, na entrevista ao La Voz: “o Talleres havia armado uma equipe muito boa, que tinha todos os méritos para sair campeã. E não pudemos lograr. Muita gente ainda leva essa cruz e nós como jogadores, também. Nos sentimos responsáveis de não ter dado às pessoas um campeonato que merecíamos”. De todo modo, a campanha, ainda antes do amargo fim, garantiu La Cata um lugar na pré-lista de convocados ainda em dezembro de 1977, mesmo que ele só disputasse duas partidas naquele ano – na realidade, jogos-treino entre fevereiro e março contra os clubes Aldosivi (1-0) e Deportivo Roca (2-1). Tardou até 19 de março de 1978 para que ele fizesse seu primeiro jogo oficial pela Argentina como tallarin, em 2-1 sobre a Bolívia dentro de Cochabamba.

Na convocação final, só o River, com cinco jogadores, teve mais representantes que o Talleres na Argentina de 1978: La T enviou três e teriam sido quatro se o atacante Humberto Bravo não acompanhasse Maradona como um dos últimos cortados. Calhou a Oviedo ver os colegas Valencia e Galván serem titulares e ele não, limitado aos cinco minutos finais dos 6-0 sobre o Peru. Mas ele não resmunga: ao La Voz, afirmou que bastou para “estar em uma nuvem. Não podia acreditar que estava jogando uma partida de futebol em uma Copa. Não sabes como a experiência foi bonita; esse tempo que estive em campo desfrutei muito”.

Oviedo substituiu Gallego na ocasião, e a concorrência para a outra posição de volante não era menos dura, contra Ardiles. Prosseguiu: “jogar na seleção do interior já era muito importante, competir na seleção principal também foi muito importante. Mas jogar uma Copa, embora tenham sido alguns minutos, era para sentir-se realizado”. Em outra entrevista ao La Voz, nos 35 anos do título, em 2013, assinalou que “para mim significou muitíssimo. Todos os jogadores de futebol temos um sonho, que é vestir a camisa da seleção nacional, e ter podido fazê-lo naquela equipe me orgulha. É algo que devo a Amadeo Nuccetelli, às pessoas do Racing e ao Flaco Menotti, dentre outros”, destacando ainda que “por sorte, em todos os clubes onde joguei as pessoas lembram de mim. No Palermo, no Racing, no Instituto e no Talleres”.

Em agosto, o Talleres equivaleu-se um 0-0 com o Flamengo em amistoso em Córdoba e sapecou um 3-0 sobre o Galatasaray dentro de Istambul. Ao fim do ano, La T foi novamente líder de seu grupo no Torneio Nacional. Avançou até as semifinais dos mata-matas, tendo novamente um algoz no Independiente. Em 1979, um penta cordobês que já era recordista virou hexa. Nesse embalo, Oviedo ainda foi aproveitado por mais quatro partidas pela Argentina, já em 1979: o jogo-treino contra o clube mendoncino Gutiérrez (5-2) em 18 de abril, um 2-2 contra a Itália no Olímpico de Roma em 26 de maio, o 0-0 em Dublin com a Irlanda três dias depois e por fim um 1-0 sobre o estrelado clube Cosmos no Giants Stadium em 6 de junho.

Na festa do centenário do Talleres, em 2013, Oviedo é o último em pé. Na equipe de veteranos é possível ver o goleiro Héctor Baley (de laranja), Luis Galván (a seu lado, como antepenúltimo), ambos também da seleção de 1978, e o torcedor ilustre e ex-pupilo Javier Pastore (de moletom cinza, ao meio)

Para o Torneio Nacional, o Talleres emendou nova campanha de liderança em seu grupo, à frente do River – que, ironicamente, terminaria campeão sobre o clube que eliminaria La T nos mata-matas, o Unión. Os tallarines, porém, podiam se orgulhar: pela Lei 1.309, que entrou em vigor em 15 de agosto daquele ano, o clube do interior que se classificasse por três vezes alternadas ou duas seguidas aos mata-matas do Nacional seria afiliado no próprio Torneio Metropolitano. Àquela altura, só o clube do bairro Jardín se qualificava, seja por um requisito ou pelo outro. Já grande demais para a liga cordobesa, o timaço não participaria dela em 1980, e sim do Metro.

Oviedo e colegas estrearam no Metropolitano com um sonoro terceiro lugar. E coube exatamente a Oviedo marcar o primeiro gol do futebol cordobês na liga “argentina”, no empate em 1-1 fora de casa com o Huracán. Ele ainda marcaria outros seis gols, vazando o Argentinos Jrs maradoniano em derrota fora de casa por 3-2, o Racing em 1-1 em Córdoba e o Independiente… em um 5-0 – e nenhum desses de pênalti. Curiosamente, o time atolou justamente no Nacional; ficaram só em terceiro na chave com Argentinos Jrs e Unión. Apesar de uma goleada histórica de 4-1 sobre o Boca, com La Cata marcando um, o orgulho cordobês na ocasião foi mantido pelo Racing do bairro de Nueva Italia, o surpreendente vice-campeão. Já o Talleres até bateu a seleção húngara por 1-0 no verão de 1981 em Mar del Plata, mas a rotina maior de viagens a Buenos Aires pareceu desgastar os alviazuis.

Eles brigaram mesmo para não cair no Metropolitano de 1981, sem recuperar o fôlego para o Nacional: quarto lugar na chave e nova eliminação na fase de grupos. Em 1982, o Nacional passou a ser jogado no primeiro semestre. E, mesmo desfalcados de Galván, Valencia e do goleiro Héctor Baley para a seleção convocada à Copa, os alviazuis bateram ponto até as semifinais (Oviedo inclusive aplicou a lei do ex em clássico com o Racing de Córdoba pelas quartas-de-final), caindo diante do futuro campeão Ferro Carril Oeste. A fórmula enxuta do Nacional renderia mesmo os melhores momentos de La T: ela decaiu para 11º no Metropolitano (La Cata ao menos se deu ao gosto de marcar o único gol de duelo contra o River) e para o Nacional de 1983 já estava de volta aos mata-matas. Oviedo replicou a lei do ex em reencontro com o Racing, mas La Academia Cordobesa terminou prevalecendo na decisão por pênaltis.

No Metropolitano, La T desceu para 13º. Oviedo, naquele ano, chegou a ser até jogador-treinador tallarin, em dupla com Baley. Em 1984, uma nova boa campanha no Nacional parou nas semifinais outra vez contra um Ferro campeão, seguida de um insosso 9º lugar no Metropolitano (com Oviedo marcando novos gols sobre o Racing de Córdoba e o River). No primeiro semestre de 1985, ocorreu o último Torneio Nacional, sem uma campanha tão boa pelo bairro Jardín. No segundo semestre, deu-se início a um campeonato único de calendário europeu, a finalizar no primeiro semestre de 1986. Naquele ano, Oviedo voltou a experimentar o cargo de jogador-treinador. E usou os pênaltis para vazar o San Lorenzo em um 3-0, um Argentinos Jrs campeão da Libertadores em um 6-0 dentro de Buenos Aires, o Independiente por 2-1, o Racing de Córdoba em derrota por 2-1 e o Boca em um 4-2 na Bombonera.

Em seu emprego na quadra poliesportiva de Córdoba e entre Valencia e Galván, os outros integrantes da seleção de 1978 vindos do Talleres

O Talleres terminou em 8º ali e em 11º no campeonato de 1986-87, justamente o último em que o time contou conjuntamente com seu trio campeão mundial. Galván, que voltava ao clube, pendurou as chuteiras, assim como fez Oviedo, que fez seu último jogo exatamente na rodada final, em 2 de maio de 1987 – em La Bombonera, em derrota de 5-2 contra o San Lorenzo. Valencia estenderia a carreira pela segunda divisão antes de ir à Bolívia. Sem eles, o clube seria simplesmente último colocado do torneio de 1987-88, embora o bom promedio contra o rebaixamento relaxasse. La Cata ainda seria o técnico alviazul em 1990 e em 1991, função também desempenhada em um já decadente Racing de Córdoba na sequência, com o time de Nueva Italia prestes a despencar da segunda divisão argentina às subdivisões regionalizadas.

Oviedo não embalou na nova carreira e passou a treinar escolinhas no interior de Córdoba e na capital, chegando a bancar nas do Talleres um juvenil Javier Pastore, como recordado em 2015 pela El Gráfico, onde também declarou que “sempre tive um perfil discreto, trabalhei toda a vida do que me apareceu, sem pedir privilégios a ninguém”. Àquela altura, já completava dez anos dando expediente das 14 horas às 21 na portaria e na administração do Cerutti, o ginásio poliesportivo de Córdoba, reduto do clube que nas últimas décadas passou a orgulhar mais a cidade: o Atenas, maior campeão de basquete da liga argentina (nove vezes) e também da sul-americana – três, sobre o Corinthians em 1997, o Franca em 1998 (em ciclo que credenciou o treinador Rubén Magnano a comandar a geração dourada da seleção argentina campeã olímpica) e o Uberlândia em 2004.

La Cata admitiu: “meu dia é de uma pessoa comum. Já estou fora do futebol. A vida não é somente uma bola”. Parte do sustento também vem de uma aposentadoria simbólica bancada pela AFA aos campeões mundiais: “estou tranquilo. Não sobra, mas tampouco me falta. Não me queixo e vivo como vive toda a nossa sociedade, lutando e lutando”. O que não lhe dá tranquilidade é o clube que se apossou do coração do craque: “o Talleres hoje para mim é uma taquicardia. Não posso superar. É a instituição que mais adoro. Tenho boas lembranças do Racing, do Instituto, mas com o Talleres é outra coisa. Sofro muito com o Talleres. Passei muitos momentos lindos no Talleres. Ganhar clássicos do Belgrano, celebrar partidas inesquecíveis… tive muitas alegrias nesse clube”. Por sinal, hoje também é o a aniversário do time do bairro Jardín – que celebra seus 107 anos.

“Não sinto tanta falta do futebol porque ainda jogo. Me junto com alguns rapazes já veteranos. Mas se joga de outra forma, o corpo dói agora, mas vejo que muitos companheiros e ex-rivais que não têm a possibilidade de jogar pelas lesões; então, agradeço à vida e a Deus porque ainda posso jogar bola”. Também foi questionado sobre o papel da ditadura, contextualizando que “estávamos em uma bolha… a única que entrava na concentração era a parte esportiva dos jornais. A política, a policial, ficava guardada. Nós líamos a esportiva, treinávamos e nada mais. Nos convocaram para jogar por nosso país e fizemos o que tínhamos que fazer. Que não nos reconheçam não é um problema meu. Tenho a consciência tranquila, nunca fiz nada que não fosse esportivo”, sorriu quem sabia que “tudo o que vivi na seleção não se apaga nunca mais na vida”.

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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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