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A primeira invasão de jogadores argentinos no Brasil

Quando se pensa que esta não é a primeira vez que jogadores argentinos fazem sucesso no Brasil, sempre se lembra da grande onda de atletas daquele país nos gramados brasileiros dos anos 1970. Mas essa história é bem mais antiga. De 1938 a 1953, era dificil encontrar um grande clube brasileiro que não tivesse algum jogador trazido do país vizinho. E em vários casos o sucesso foi formidável.

O Flamengo, por exemplo, tem em sua história um argentino campeão mundial em 1934 pela seleção italiana: Raimondo Orsi, atacante que marcou um gol na decisão daquele mundial contra a Tchecoslováquia. Após uma sequência de cinco titulos argentinos pelo Independiente, Orsi chamou a atenção dos dirigentes italianos na campanha da medalha de prata nas Olimpíadas de 1928, em Amsterdã. Com cinco campeonatos italianos conquistados pela Juventus e um título mundial pela Itália no currículo, Orsi retornou à América do Sul, onde foi campeão uruguaio pelo Peñarol. Seguiu depois para o Flamengo, a tempo de participar do time campeão carioca de 1939, junto com seus compatriotas Carlos Volante e Agustin Valido.

O atacante Valido entraria para a história rubro-negra ao contribuir com seus gols para o primeiro tricampeonato carioca (1942/43/44) do clube da Gávea. No último título, Valido, já aposentado, fui buscado de volta pelo Flamengo para salvar uma campanha que ia mal das pernas. O resultado foi espetacular, com o argentino marcando o gol do título sobre o Vasco no último lance da decisão (entre os vascaínos ainda há quem diga que aquele tricampeonato só aconteceu graças a uma falta de Valido em Argemiro no lance do gol).

Por falar em Vasco, era famosa a ala esquerda de seu ataque em 1939, formada por Gandulla e Emeal, ambos argentinos, assim como Dacunto, também daquele time (depois jogou no Palmeiras). O primeiro, famoso craque do Boca Juniors, acabou se celebrizando na história do futebol brasileiro por dar nome aos garotos que buscam e repõem as bolas quando saem do campo. Há quem diga que Bernardo Gandulla era tão educado que fazia questão de buscar as bolas que saíam do campo (os gandulas não existiam). Mas a verdade é que Gandulla e Emeal demoraram para ter sua transferência regularizada, passando algum tempo sem poder jogar pelo Vasco. Enquanto isso, o craque argentino, para ajudar de alguma forma seu time, ficava do lado de fora buscando as bolas.

Mas o grande time vascaíno daquele tempo foi o famoso expresso da vitória, que dominou o futebol carioca entre 1945 e 1952, com cinco títulos cariocas, formando ainda a base da seleção brasileira de 1950. E contava entre seus titulares o argentino Ramón Roque Rafanelli entre 1943 e 1949.

O Fluminense não ficou de fora dessa onda portenha naquele tempo. Em seu bi carioca de 1940/41 havia três argentinos entre os titulares: o goleiro Antonio Angel Capuano e os atacantes Americo Alfredo Spinelli e Luis Maria Rongo. Rongo, que havia se destacado no River Plate, era um dos grandes craques daquele time. Em 25 jogos pelo clube, atingiu a incrível marca de 36 gols, seis deles numa única partida contra o São Cristóvão.

Na capital paulista quem melhor aproveitou o talento argentino foi o São Paulo, um clube ainda novo (havia sido fundado em 1935) e com imensas dificuldades para conseguir enfrentar seus rivais, Palmeiras e Corinthians. A solução foi buscar talento do outro lado da fronteira. E a escolha foi precisa: em 1943 chegou ao clube o atacante Antonio Sastre, que havia comandado um dos melhores times da história do Independiente e era presença frequente na seleção de seu país. O resultado foi sensacional: a dupla formado por “El Maestro” e pelo “diamante negro” Leônidas da Silva atropelava seus adversários sem piedade, vencendo os títulos paulistas de 1943, 1945 e 1946. Nos dois últimos, contava com a companhia do zagueiro Alfredo Renganeschi, que depois se tornaria um importante treinador do futebol brasileiro.

Mas a saída de Sastre não deixaria Renganeschi sozinho: em 1948 chegava um goleiro argentino que se tornaria uma lenda tricolor: José Poy. Goleiro do clube até 1963, campeão paulista em 1948, 1949, 1953 e 1957, várias vezes técnico do clube (nessa função foi campeão paulista de 1975 e vice-campeão brasileiro em 1971), Poy é um dos nomes mais queridos da história tricolor. No título de 1953, teve ainda a companhia de Juan Jose Negri e de outro grande destaque vindo da Argentina, o atacante Gustavo Albella. Vindo do Banfield, “El Atomico” jogou no tricolor paulista entre 1952 e 1954, se transformando em um dos grandes ídolos da torcida tricolor daquele tempo.

Aquele título paulista de 1953 marca o fim de um período de quinze anos em que os gramados brasileiros estavam repletos de jogadores argentinos (e uruguaios também). Depois daquele ano as coisas mudaram. Os quinze anos seguintes praticamente não viram jogadores argentinos atuando em clubes brasileiros, e a ida de brasileiros para a Argentina ficou muito mais frequente. Os vizinhos voltariam a povoar em massa os estádios brasileiros apenas no final dos anos 1960. Mas essa já é outra história.

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

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