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A repercussão argentina do sucesso de Conca

Dario Conca chegou ao Brasil em 2007. Em um primeiro momento o reconhecimento que conquistou por aqui causou estranheza no país vizinho. Mas a consagração do título brasileiro e seu coroamento como craque do brasileirão causaram impacto por lá. Enquete do Olé deu larga maioria aos que crêem que ele merece uma oportunidade na albiceleste.

Para entender tudo isso, algumas informações são fundamentais. Primeiro, Conca jogou muito pouco por lá, não chegando a contabilizar 20 partidas como profissional em seu país (atuou apenas 3 vezes como profissional pelo River Plate, clube em que se profissionalizou). Sua carreira foi basicamente construída no Chile e no Brasil.

Segundo, os poucos que o viram mal se lembram dele, já que está há seis anos fora da Argentina (salvo por uma rápida e inexpressiva passagem pelo Rosário Central em 2006). Portanto, sabe-se muito mais de seu impacto por aqui do que sobre seu futebol.

Terceiro, assim como se sabe pouco sobre o futebol argentino no Brasil, o oposto também é verdadeiro. Os vizinhos, baseados no futebol de nossos principais craques, que vestem a camisa da nossa seleção, frequentemente são levados a crer que o futebol por aqui é muito mais técnico do que realmente é.

Portanto, não é incomum que imaginem que Conca se destacou em meio a uma multidão de jogadores de alta capacidade técnica. Não conhecem o futebol de seus concorrentes, como Bruno César, Renato Abreu ou Lúcio Flávio. O que acaba por dar uma perspectiva um pouco diferente da que brasileiros podem ter sobre seu futebol.

Finalmente, de forma surpreendente para nós, brasileiros, há uma percepção bastante comum de que os enganches estão desaparecendo do futebol argentino. Acreditam que jogadores como Maxi Moralez ou David Ramirez estão em extinção.

Com isso, o sucesso de Conca acaba sendo lido freqüentemente da seguinte maneira: a prova definitiva de que a Argentina não dá mais espaço para jogadores técnicos. Que por essa razão acabam sendo obrigados a procurar espaço por aqui, onde ainda se valoriza o futebol mais técnico e habilidoso.

A reportagem do FP conversou com vários jornalistas argentinos sobre isso tudo. E o que ouviu basicamente foi: só mesmo no Brasil para ainda receberem enganches de braços abertos, já que em seu país seu espaço está acabando.

Cito aqui o exemplo de Esteban Bekerman, jornalista do respeitadíssimo 4-4-2, para quem o sucesso de Conca, Montillo e D’Alessandro se deve ao fato de que “vocês têm um estilo mais descontraído do que o nosso. Por isso valorizam o enganche”.

Como se vê, o sucesso desses jogadores é lido de formas diferentes dos dois lados da fronteira. Para nós, é o resgate da qualidade do jogo, trazido de fora, por jogadores que vêm de um país onde ainda se valoriza um jogo de toque de bola.

Mas para muitos argentinos, é exatamente o oposto. O sucesso de Conca seria mais uma demonstração de que a técnica e o jogo bonito não têm mais espaço por lá, tendo de se refugiar aqui, onde ainda são bem vindas.

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

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