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Argentina entre os quatro primeiros: a reafirmação de uma tradição futebolística

Maradona: símbolo supremo de uma geração que fez os argentinos terem certeza que mereciam um lugar na elite do futebol mundial
Maradona: símbolo supremo de uma geração que fez os argentinos terem certeza que mereciam um lugar na elite do futebol mundial

A Argentina está em festa. Após 24 anos sua seleção está novamente entre os quatro melhores do mundo. Para um país que tem uma escola tão forte, uma tradição tão grande, e  forma tantos bons jogadores, é tempo demais. Mas na verdade a história das copas não está muito familiarizada a ver a albiceleste entre os semifinalistas. O país chegou a ficar 58 anos sem ir tão longe.

No primeiro mundial a Argentina teve um bom desempenho. Uma brilhante geração chegou à final da primeira copa, repetindo a decisão da medalha de ouro olímpica contra o Uruguai nas Olimpíadas de Amsterdã, dois anos antes. Com jogadores como Monti, Stabile, Peucelle, e outros, a albiceleste foi vice-campeã em 1930. Mas demoraria muito para ter desempenho vagamente semelhante.

Em 1934 a divisão entre amadores e profissionais fez com que a Argentina mandasse uma seleção muito enfraquecida à Itália, onde acabou sendo eliminada logo na primeira fase. As edições de 1938, 1950 e 1954 não contaram, por motivos variados, com a presença da albiceleste. O que privou aquela que foi a melhor geração do país de disputar um mundial (particularmente dolorosa para a história do futebol do país foi a não realização das edições de 1942 e 1946, quando essa “geração de ouro” estava no auge).

Depois veio uma série de fracassos. As eliminações na primeira fase em 1958 e 1962. Eliminações na segunda fase em 1966 e 1974. O fracasso nas eliminatórias do mundial de 1970. O país não parava de produzir grandes jogadores, os clubes acumulavam títulos internacionais, a seleção vencia competições continentais, mas em mundiais nada acontecia. Os motivos eram variados: más preparações, interferências políticas da AFA, o fato é que a Argentina não conseguia decolar na maior competição do futebol mundial.

Assim, quando veio o título em casa no mundial de 1978, a sensação foi de desafogo. Afinal, até ali haviam sido jogadas 11 copas, e o país era um mero figurante na história dos mundiais (tinha apenas um vice, um a menos que Hungria e Tchecoslováquia). Os argentinos sentiam que finalmente iriam ocupar o lugar que mereciam no futebol internacional. E as copas seguintes lhes dariam razão.

1982 foi uma decepção. Apesar de ter a base de 1978 mais Maradona e Ramón Díaz o desempenho não foi bom: 2 vitórias e 3 derrotas. Mas veio a consagração da seleção de 1986, comandada por um genial Maradona. Em seguida uma seleção muito enfraquecida em 1990 conseguiu se superar, eliminar o Brasil e a anfitriã Itália, para perder a final em um pênalti discutível. A camisa argentina havia ocupado seu espaço na elite do futebol mundial.

Mas depois veio uma sequência de decepções. Boas seleções, sempre com jogadores excelentes, foram eliminadas prematuramente nos mundiais seguintes. A suspensão de Maradona e a eliminação nas oitavas em 1994 de uma equipe que chegou com pinta de favorita. O gol de Bergkamp nos últimos minutos das quartas em 1998. A inacreditável eliminação da excelente equipe comandada por Marcelo Bielsa na primeira fase em 2002. A sofrida derrota nos pênaltis para a Alemanha em 2006. A humilhante goleada frente à mesma Alemanha em 2010, de uma seleção cheia de talentos mas sem um comando.

Ontem a seleção argentina entrou em campo carregando o peso de todos esses fracassos. Cada torcedor argentino em frente à TV tinha em mente essa sequência de derrotas. A vitória foi muito importante nesse sentido. A volta às semifinais é a quebra de um trauma. Para os argentinos, agora tudo pode acontecer. Esperam o título, anseiam por ele, mas sabem que uma grande vitória já foi conseguida. A síndrome da derrota prematura foi espantada. O lugar na elite do futebol mundial foi reafirmado.

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

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