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Copa Libertadores: A estreia do Lanús que ninguém perdoou

Do céu ao inferno é o trânsito que o Club Atlético Lanús tem feito na cabeça de muitos torcedores e até de setores da mídia esportiva aqui do Brasil. Descartemos o que pensa a torcida: “torcedor é torcedor” e a componente da passionalidade é um atributo aceitável de sua natureza. Pensemos, contudo, em parte da imprensa. Em tradicional programa de debate da TV fechada (Redação SporTV), Renato Maurício Prado e Marcelo Barreto pintaram o clube argentino como ridículo. E com todo o respeito aos dois cronistas, parece que apenas embarcam no resultado de ontem, e simbolizam a mesma atitude da grande maioria da critica especializada. Vejamos algumas ponderações que mostram os limites desse raciocínio.

E se fosse o contrário?

O Flamengo jogou como time pequeno, covarde e ridículo. Colocou vários cabeças-de-bagre para segurar o rival argentino, rifou bolas, catimbou nas cobranças de faltas, por exemplo, além de abrir mão de qualquer tipo de articulação em prol da defesa desesperada do empate. Só. Então, no lugar das críticas ao futebol do clube brasileiro, prevalece, de maneira assustadora, a decomposição do clube argentino. E essa visão permanece mesmo quando se reconhece a forma errada do Flamengo atuar: postura praticada, por exemplo, pelos dois importantes cronistas que já citamos acima.

Agora, pensemos se fosse o contrário. Se qualquer clube pequeno ou médio do continente atuasse assim diante de um Flamengo ou de quaisquer outros clubes brasileiros. Para aprofundar o raciocínio, pensemos que o contexto e resultado fossem como o de ontem: quase todos elogiariam o Flamengo, sua disposição de ganhar, seus primeiros 30 minutos etc. Da mesma forma, aliviariam para o Fla a não conquista dos três pontos, dizendo que só não triunfou por causa do ferrolho defensivo e covarde do rival. Isto, mesmo considerando que esse rival seria um time pequeno e muito distante da dimensão rubro-negra. Errado ou certo esse raciocínio pouco importa. Importa mais o fato de ele estranhamente não se aplicar também ao Lanús. Por quê?

O contexto do jogo

Alguns falam que após o empate, o Flamengo foi para cima do rival e mostrou que ganharia facilmente, caso tivesse atuado no ataque desde o início. Primeiro que não atuou, e convém perguntar ao Joel do por quê. Segundo que também essa visão não considera o contexto psicológico do duelo. O que aconteceria se o Lanús fizesse ao menos dois gols nos primeiros trinta minutos, quando deu um elogiável abafa no visitante medroso e com um leque de jogadas que a maioria dos treinadores brasileiros não utiliza ou porque não conhece ou porque não valoriza mais? O que aconteceria? O Flamengo teria aquele contragolpe no fim do primeiro tempo?

Como time pequeno, que estava, o Rubro-Negro ocupou a cadeira da comodidade e jogou toda a responsabilidade ao Lanús. E se essa responsabilidade mudasse de lado com 2×0 contra e com apenas 45 minutos para reverter? Será que aquela tranquilidade medonha continuaria com o elenco do Fla ou os mesmos nervos que se apossaram do Lanús não se apossariam dos brasileiros?

Convém lembrar que mesmo o gol do Flamengo saiu no momento em que o jogo articulado do rival estava desgastado por não conseguir abrir o placar. E aqui reconhecemos a falta de sorte, mas também a incompetência granate. Então, o argumento de que o Flamengo se deu bem em alguns momentos, mostrando sua total superioridade não considera o fator psicológico da partida.

O fator estreia

Mesmo errôneo, é passível de relativização o argumento acima, de que o time argentino poderia ser batido no jogo de ontem. Mas daí qualifica-lo como fraco e limitado, apenas por sua apresentação, já é demais. O Granate pode perfeitamente tomar uma sonora goleada no Engenhão e, por que não, ser o último do Grupo 2. Porém, mesmo que nesse contexto ainda defendêssemos que não é um time limitado, aceitaríamos perfeitamente a visão sobre o clube, sustentada agora na mídia. O Fluminense estreou e não tomou um “sapeca” do Arsenal por sorte. O Santos foi batido pelo The Strongest, assim como o Vasco foi colocado no seu devido lugar (com todo respeito ao meritoso elenco vascaíno) pelo Nacional do Uruguai. Todo mundo relativiza isso, pois nesses duelos os times brasileiros estreavam. Há certa ponderação nesse caso. E justa. Mas, o que não vi até agora, de ninguém, é a associação da irregularidade granate com o fato de também estar estreando na Libertadores 2012. Então, novamente perguntamos: o que serve para os brasileiros não serve para os demais?

A defesa bisonha

Há muito tempo que se discute em “La Fortaleza” (sede do clube) a defesa do Lanús. Por causa disso, Schurrer quase caiu algumas vezes, pelos torcedores, não pelos dirigentes, que sempre prestigiaram o treinador. Reconhecemos e até aceitamos parte dos argumentos que destroçam a defesa granate. Mas, onde está aquele espírito de um povo que adora o futebol ofensivo e coisa e tal? Ora, o futebol ofensivo não pressupõe que também os zagueiros avancem? Não é mentirosa e cínica a nossa postura? Explicando: queremos o jogo ofensivo, mas não queremos que os zagueiros avancem e tentem jogadas de ataque. Ora, a zaga granate falhou no gol e de maneira injustificável; mas não foi um zagueiro que irrompeu no ataque e originou o gol de empate? Então duas coisas. Vamos assumir de vez que somos tão tradicionais e reacionários como nossos treinadores; como o Joel Santana, por exemplo. Assumamos isso e basta com essa história de que somente os técnicos brasileiros pararam no tempo. A partir daí, e com a cabeça configurada para aceitar somente o futebol retranqueiro, tampouco estamos livres de outro equívoco. O erro segundo o qual o Lanús tem uma péssima zaga e não um sistema defensivo ruim, já que voltado demais para o ataque. O jovem Luciano Balbi caberia na lateral de qualquer time brazuca; assim como Isquierdoz, Braghieri e Goltz. E a ironia seria absurda se algum deles aparecesse por aqui, o que pode ocorrer perfeitamente ao fim da Libertadores.

Por que somos sempre vítimas da precipitação?

Por que nos precipitamos tanto visão sobre um clube de futebol? Isso é um problema de formação ou de nosso caráter? Mas nisso reconhecemos aqui que não há nenhuma má intenção. Caso o Lanús vencesse o Flamengo de goleada a precipitação seria a mesma, mas ao contrário: seria um time fantástico, ainda que relativizassem essa visão com a afirmação de que a escalação de Joel teria uma parcela, talvez maior, na acachapante vitória granate. Convém que se espere ao menos pelo jogo de volta para que se caracterize o Lanús como time medíocre. E pelo conhecimento que temos do Granate, afirmamos que é mais fácil para o time enfrentar o Flamengo fora do que dentro de casa. O Rubro-Negro novamente terá plenas condições de ganhar, caso se apegue à sua tradição e coloque o time para cima do Granate. Mas convém não desprezar o seguinte detalhe: se o Joel Santana fizer isso (o que duvidamos), podemos ter um belo jogo no bairro do Engenho de Dentro. Isto porque o Lanús não vai se comportar no Brasil da mesma maneira que o Flamengo se comportou na Argentina.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

8 thoughts on “Copa Libertadores: A estreia do Lanús que ninguém perdoou

  • Antonio

    Jogar recuado fora de casa, acho que ninguém nunca fez isso antes mesmo.
    Essa análise conseguiu ser tão nojenta quanto a dos citados RMP e Marcelo Barreto. Parabéns.

  • Lucas

    Sou flamengo, mas dou razão ao meio campo de “cabeças-de-bagre”. O curioso é que eles só não jogaram mais do que o Leo Moura. Mas também achei legal o texto falar que se o mengo se apegar a sua tradição e atacar o lanus pode ganhar o jogo. é duro ler ou ouvir algumas coisas, mas a análise é bem objetiva.

  • Tiuí

    QUE HORRÍVEL ESSA ESCALAÇAO DO JOEL!!!ASSISTAM AO SEGUNDO GOL DO JOGO, O GOL DO LANUS…REPAREM QUE TEM UM DOS VOLANTES DO JOEL CAMINHANDO, ENQUANTO A JOGADA ESTA SENDO DISPUTADA ENTRE O JUNIOR CESAR E O ARGENTINO!REPAREM TAMBEM, QUE SE APRESENTAM TRES JOGADORES PARA RECEBER A BOLA DO ARGENTINO, E ESSE ANIMAL CONTINUA CAMINHANDO, ATE QUE O LANUS CONSEGUE O CRUZAMENTO E ELE ASSITE AO GOL DE CAMAROTE!!PORRA, DE QUE ADIANTA TER UM TIME CHEIO DE VOLANTES, SE TEM UM FILHO DA PUTA NO MEIO QUE NAO QUER JOGAR, NAO TA NEM AI PRA MARCAÇAO!!VOLANTE TEM QUE MARCAR PORRA!!!POR ESSAS E OUTRAS QUE ESCALARIA O TIME PRA FRENTE, COMO HAVIA DITO ANTES DO JOGO!!!FELIPE,LEO MOURA, WELLINTON, DAVID BRAZ, JUNIOR CESAR, WILLIANS(MALDONADO)CAMACHO, LUIS FELIPE, BOTTINELLI, ERRA10 E DEIVID…(nao teria escalado o renato, por que nao vinha se apresentando bem , mas demonstrou muita garra no jogo de ontem…daria uma chance pra ele depois de ontem…)

  • Lucas

    Concordo com o Tiuí sobre a escalação. Para o próximo jogo contra os argentinos, ele vai ter o Vágner Love e quem ele vai tirar?Aposto que tira o Deivid para por o Love. Outra coisa: o pobre o Bottinelli jogava mais que muitos ali e o profexô deixava ele no banco. Agora chega o joel e faz a mesma coisa. Dá raiva disso. Um amigo meu viu o jogo por um site sul-americano e disse que toda hora os caras ficavam focalizando a prancheta do Joel. Até quando o Mengo vai viver essa miséria?

  • Marcelo Henrique

    Muito original essa reflexão. Realmente eu não tinha pensado nessa história da nossa imprensa esportiva, todos já falam de como os técnicos brasileiros são atrasados, mas no fundo os jornalista também são atrasados quando criticam tanto as defesas ofensivas. Parabéns.

  • Danilo

    Lanús merecia a vitória, óbvio. Mas , o time criou suas chances em falhas defensivas e pivôs de Pavone em cima dos zagueiros flamenguistas, si fosse outro time com uma defesa melhor talvez essas chances não teria sido criadas.Além disso Neira, Pereyra e Valeri não concluiram a gol e nem criaram chances , facilitando o trabalho dos volantes Airton e Maldonado. Fritzler volante que sabe jogar com a bola (raridade aqui no Brasil)
    pouco apareceu ao campo de ataque para ajudar Pereyra na armação.Lateral Araújo apoiou (diferente de Balbi), mas teve pouco exito nos cruzamentos.Bolas aérea que é uns do vários pontos fracos da defesa do flamengo , foi pouco utilizada pela baixa estatura de Pavone, que só busca o pivô. A MARCAÇÃO PRESSÃO NA SAÍDA DE BOLA DO FLAMENGO NÃO HOUVE, POR EXEMPLO OLHA O CONTEXTO DO GOL DO FLAMENGO , o time saí do campo de defesa tocando até chegar no gol adversário.Falando em defesa do Lanús, falhou feio no gol do time rubro-negro.O ritmo do time argentino estava muito lento, facilitou demais o empate da retranca patética do time brasileirinho.

  • Lucas Prates

    Muito bom, ótima análise, parabéns!

  • Jogar recuado fora de casa, acho que ninguém nunca fez isso antes mesmo.
    Essa análise conseguiu ser tão nojenta quanto a dos citados RMP e Marcelo Barreto. Parabéns. (2)

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