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Defensa y Justicia empata com o River, tira o Millionario da liderança e faz história

Em partida realizada na cancha do Ciclón, e sem público, o River Plate recebeu o Defensa y Justicia de Florencio Varela e tinha tudo para somar três pontos. À sua frente um encantado visitante que pela primeira vez enfrentava o River e havia afirmado que iria ao Nuevo Gasómetro para se divertir. A diversão provavelmente ocorre agora na cidade ao Sul de Buenos Aires e que entre os seus 350 mil habitantes tem um bom número que torceu e sofreu pelo Defensa na temporada anterior. Um time sem brio e sem alma que quase foi rebaixado à B Metropolitana. Não foi e agora é outro time. E não é mais motivo de sofrimento de seus torcedores, mas de orgulho. O feito histórico veio depois do empate em 2×2 com o poderoso River Plate. E por muito pouco o Millionario não saiu derrotado do encontro. Cometeu vários erros defensivos na partida. Quando se deu conta já perdia por 2×1 numa partida em que saiu vencendo. Na base do coração os comandados de Almeyda empataram aos 44 minutos da segunda etapa. Um resultado que para o contexto do jogo ficou até demais e fez jus à grande comemoração millionaria ao fim do encontro. Uma noite a ser esquecida pelo River? Não. Uma noite para tirar lições. E estuda-las com humildade.

No início, alternando entre encantamento diante do adversário e uma inexplicável tensão, o Defensa dava campo ao River, marcando com frouxidão e permitindo que o meio-de-campo millionario articulasse jogadas ao seu bel-prazer. A priori isto é o cenário que todos querem. Contudo, o contexto resultou em algo ruim para o River. Fez a equipe ter a impressão de que estava diante do melhor dos mundos possíveis e que independente de suas ações elas sempre resultariam em algo positivo. Esqueceu de jogar. Começou a contemplar. E essa atitude modificou a essência de um visitante, que passou de encantado e assustado ao protagonista absoluto da cancha vazia do Ciclón. E assim aos 14, bola de Bustamante para Matías Díaz, que arrematou mal, mas assinou a primeira boa chegada para a equipe de Florencio Varela.

Aos 23, escanteio para a equipe de Almeyda. Pensemos no contexto em que uma equipe tradicional enfrenta a um nanico qualquer e não vence, quando a partida que já está nos 45 do segundo tempo. Situação em que todos vão para a área para tentar o gol. Às vezes até o arqueiro atravessa o campo para tentar o cabeceio. Difícil alguém não se lembrar de ao menos uma situação em que um certo arqueiro não se fez de artilheiro. Pois bem, voltemos à jogada do escanteio. Eram só 23 minutos de jogo. Só. Contudo, o que se viu foi quase todo o time millionario presente na área como se aquele fosse o último segundo da partida. O gol não saiu entre outras coisas porque número nem sempre quer dizer grande coisa no futebol. No contra-ataque, os comandados de Ricardo Rodríguez dispararam rumo ao arco de Chichizoa tendo apenas um zagueiro de Núñez para oferecer combate. Todavia Bustamante concluiu de maneira pífia e a partida continuou zero a zero.

A postura do River incentivava el Halcón a se desdobrar na marcação (às vezes de maneira ingênua), na correria e na crença de que a insistência na quantidade pode resultar na almejada qualidade. O River desfilava mal em campo; jogadores trocavam de posição de modo desarticulado e se entregavam à marcação. Pior que isso, tinham a firme convicção de que sempre chegariam às jogadas e as ganhariam sem muitos esforços. A atitude apenas qualificava uma deficiente capacidade de marcação demostrada pelo elenco visitante e que se configurava na ingenuidade de olhar para a bola e não para o adversário. Então, da junção entre as falhas dos milionários e o resgate da força física, como uma arma para a marcação, dos combatentes visitantes, resultava em que os atletas do River perdiam a maioria das jogadas. Aos 27, duas recuadas para Chichizola quase do meio-de-campo sinalizavam essa desarticulação.

Mas o Defensa foi perdendo suas chances. Chegou aos 27, 30, 32 e nada. Então foi castigado aos 34 minutos. Em ótima jogada articulada no campo de ataque, “Chori” Domínguez tocou para Sánchez. Este tocou para a área e Cavenaghi chegou chieio de vontade para chutar cruzado e colocar a bola no canto direito de Perafán: 1×0. Na origem da jogada, uma irregularidade, já que um atleta do River havia desviado a pelota com a mão. O gol deveria dar tranquilidade para o local. Não deu.

O visitante já não tinha o menor respeito pelo gigante que ele a priori tanto admirava. Tampouco o River sabia o que acontecia. A resposta? Todos a conhecem bem: futebol se ganha dentro de campo, na labuta das quatro linhas. Depois de tanto tentar, o Defensa chegou ao empate. Como? Da mesma maneira que quase havia aberto o placar aos 23. Da mesma forma. Em cobrança de falta, o levantamento foi feito para a área de Perafán. Quase todos de Núñez estavam lá, sem necessidade. No contra-ataque, Leandro Fernández chegou à frente de Chichizola. Ficou assustado e concluiu mal. Porém no rebote, Pirez Díaz colocou a pelota nas redes de Chichizola: 1×1. Fim da primeira etapa.

O cenário do segundo tempo começou da mesmíssima forma que terminou o primeiro. O futebol perdeu um pouco de sua qualidade. O River também. Mas o Defensa não. O conjunto de Florencio Varela se deu conta de que o bicho não era tão assustador como pensava. Encarou. Logo aos dois, Fernández chegou com perigo frente a Chichizola. Dois minutos depois, o arqueiro do River precisou aparecer novamente. Era o sinal.

Aos 13, mais um daqueles contra-ataques. Lembremos: o River vai todo para o ataque e se desguarnece na defesa. O campo fica livre, sem nenhum jogador com a famosa camisa branca cortada em vermelho. Para completar, os jogadores do visitante correram rumo a Chichizola como se estivessem em retida na guerra. Contudo a imagem não serve, pois a situação implica no ataque. Em outras palavras, no grande contra-ataque do visitante abusado que resultou no gol da virada. Matías Díaz cruzou com precisão para Piriz Alvez acertar um chutaço rumo às redes do desguarnecido Chichizola: 2×1 para el Halcón. O próprio atacante visitante se perguntou na jogada sobre onde estaria Juan Manuel Díaz. Tinha ido ao ataque e não tivera tempo de retornar. Quis saber se Nico Domingo lhe daria combate, mas percebeu que o pé leve do combatente millionario não seria páreo para sua gana de marcar o segundo gol no River Plate e fazer história.

Com o gol, o River pouco a pouco foi se destroçando, enquanto seu bravo adversário foi tomando conta do terreno e virando o dono da bola. Poderia ter ampliado aos 22, com Piriz que acertou um grande chute de fora da área. Os jogadores do River corriam para lá e para cá e muitos sequer sabiam para onde corriam. Poucos sabiam o que faziam. Quase ninguém. Menos Ocampos, o jovem lúcido de Núñez. Aos 24, ele se aproveitou de um bate-rebate na área e arrematou de fora com perigo. Novamente era o sinal.

Mas as chegadas do River não eram produto da técnica ou tática, esta inclusive quem tinha era o elenco de Florencio Varela. E de sobra. As chegadas milionárias ao arco de Perafán eram as mais puras ações provenientes de um coração lutador. E foi na base da luta que o River igualou o futebol apresentado pelo destemido Defensa y Justicia. A partir daí tivemos chances de um lado, chances de outro. Oportunidades perdidas de todos os lados e o coração vibrando forte no peito do desconhecido e competente Ricardo Rodríguez e no peito do apaixonado e inexperiente Matías Almeyda.

Qualquer análise fria que aponte grandeza nas alterações de Almeyda erra feio, pois até elas foram produto do desespero. Colocou o mal condicionado González em campo; colocou Fenes Mori no lugar de Domínguez, e na posição errada. Mas as substituições deram certo; principalmente a de Rios, que qualificou a correria millionaria em um campo em que o Defensa ocupava com o brilhantismo de sua condição física e de sua superação anímica. As jogadas se sucediam. Em mais duas delas o sinal foi se redobrado em sua mensagem. Aos 28, Funes Mori levou pela direita e cruzou bem para Rios concluir com maestria. A bola saiu. Aos 32, Ocampos (que flutuava em campo, pois as alterações lhe tiraram o espaço para jogar) pelo outro lado, chegou bem e quase empatou. Faltava um sinal, o principal. E ele veio.

Aos 35, o Defensa apareceu em condição de “matar” a partida. O contra-ataque veio de uma boa recuperada de bola no meio e de uma correta articulação que colocou o artilheiro Piriz à frene da área. Poderia carregar a bola mais à frente; poderia soltá-la para Fernández na ponta. Enfim, tinha tudo para fazer o gol em qualquer um dos casos. Preferiu soltar um chute horrível e sem direção sobre o arco de Chichizola. Foi uma grande chance perdida por falta de modéstia de quem quis fazer um golaço. Foi também a demonstração de quem já não tinha o menor respeito por um adversário que, a seu ver, já estava batido. No entanto, antes de tudo isso, foi outra coisa. Foi um capítulo daquela história de que um time pequeno não pode se dar ao luxo de perder as oportunidades que tem diante de um grande.

Aos 44 veio o castigo. Em bola lançada do balão do meio-de-campo, Vella recebeu, disparou com ela pela direita e cruzou no segundo pau para Rogelio Funes Mori completar para as redes de Perafán: 2×2 e fim da festa na cancha sem público do San Lorenzo. Justo ou não, o resultado tira o River da liderança da competição. Justo ou não, o que importa é que os mesmos erros de sempre não cansam de aparecer e precisam ser estancados com urgência. Isto para o River. Para el Halcón o histórico resultado é somente para comemorar. Se a equipe tem problemas, ao menos por alguns dias não vale a pena falar deles, mas apenas do grande feito que alcançou frente ao poderoso River Plate. Na próxima rodada, o River encara o Deportivo Merlo como visitante, enquanto o Defensa será local diante de outro poderoso, o Gimnasia y Esgrima de La Plata.

Formações:

River: Leandro Chichizola; Luciano Vella, Agustín Alayes, Jonatan Maidana e Juan Manuel Díaz; Carlos Sánchez, Nicolás Domingo (González), Martín Aguirre (A. Rios) e Lucas Ocampos; Alejandro Domínguez (Rogelio Funes Mori) e Fernando Cavenaghi. Técnico: Matías Almeyda.

Defensa y Justicia: Martín Perafán; Pablo Aguilar, Rolando García Guerreño, Franco Lazzaroni e Martín Guarino; Carlos Rearte (Marcelo Ricci), Luis Jerez Silva, Matías Díaz, Gonzalo Bustamante (Facundo Silva); Leandro Fernández e Víctor Piriz Alvez (Pedro Irala). Técnico: Ricardo Rodríguez.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

3 thoughts on “Defensa y Justicia empata com o River, tira o Millionario da liderança e faz história

  • Elsio Limoeiro Filho

    Mais uma vez você se superou com uma análise perfeita do jogo, meu caro Joza. Só acho que você não gosta do Cavenaghi, pois foi ele que marcou o primeiro do River, com um passe do Ocampos. O River parecia estar em um treino e o adversário numa decisão de campeonato. É preciso esquecer um pouco a soberba de time grande, jogar com vontade e entender que todos querem entrar para a história vencendo o poderoso River Plate.

  • Joza Novalis

    Freud deve explicar essa coisa com o Cavenaghi, meu caro. Você tem razão nessa história da soberba, que precisa ser evitada. O problema para o river é que o time precisa entender que sua missão na B Nacional é retornar à primeira divisão. Mas para isso precisa entender o espírito da competição e as suas equipes. A impressão de que precisa dar show diante de adversários bem distantes de sua tradição é um grande erro. Esses clubes conhecem o Ascenso mais que o Millionario e sabem que precisam sobretudo acumular pontos já que a competição é longa e prega armadilhas. O Instituto de Córdoba apenas empatou com o Patronato em casa. Pensa que tem crise por lá? Nada disso, o Patronato é um time duro e o resultado não deixa de ser bom por ser o início da competição. Vamos lembrar que a B Nacional acaba apenas no meio do outro ano. Tudo muda. Na temporada anterior, o Belgrano foi horrível na primeira fase. Na segunda deu o troco. O River tá muito ansioso, não marca e só quer fazer gols. Assim pode complicar. Abs e obrigado pelas observações

  • João Carlos Guilardas

    Muito bom o texto mas acho que ele tá muito contra o River. Muito detalhado e interessante. Mas precisa tomar cuidado com a torcida contra eu acho que ficou um pouco parcial

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