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Do Estudiantes tri da Libertadores, só um titular ganhou Copa do Mundo: 70 anos de Rubén Pagnanini

O que Estudiantes, Independiente e Boca têm em comum além de ser um trio marcado por um período de títulos em série na Libertadores? O fato de essa fase não necessariamente repercutir na seleção argentina. O Boca três vezes vencedor entre 2000 e 2003 teve Riquelme relegado em 2002 e o Rojo tetra de 1972-75, teve seu equivalente Ricardo Bochini ignorado em 1978, fora coadjuvantes importantes – desses ciclos, o time de Avellaneda teve só dois representantes em 1978 (Daniel Bertoni e Rubén Galván) e o da Ribeira, um único em 2002 (Walter Samuel). Do elenco de La Plata tri entre 1968-70, só Néstor Togneri, Héctor Baley e Rubén Pagnanini foram a Copas e só este a venceu tendo sido titular alvirrubro. Faz hoje 70 anos.

Natural de San Nicolás de los Arroyos, o lateral-direito Pagnanini foi precisamente o último jogador pinçado para a Copa do Mundo. Essa jornada teve prólogos em 1968, quando o foco no Mundial Interclubes fez o Estudiantes usar reservas em 6 de outubro, na 5ª rodada do Torneio Nacional. Pagnanini ficou restrito àquela partida (derrota de 3-0 em casa para o Colón) e à da rodada final – na qual, curiosamente, estreou outro futuro vencedor da Copa 1978, o goleiro Héctor Baley. Mas começou para valer no terceiro trimestre de 1969. O Estudiantes já era bicampeão da Libertadores, mas passara vergonha imensa no Mundial, pelas agressões ao Milan. Protagonistas do vexame, o goleiro Alberto Poletti e o xerife Ramón Aguirre Suárez foram banidos pela própria AFA.

Assim, a dez meses de vencer a Libertadores em 1970, Pagnanini foi promovido ao time principal, participando de doze jogos no Nacional 1969 e até marcando dois golzinhos. O lateral-direito titular era Néstor Togneri, mas o espaço apareceria pontualmente: o classudo Oscar Malbernat, um dos defensores poupados das críticas quanto à truculência empregada por aquele time, fora expulso na semifinal contra o River; Togneri foi então deslocado para a posição dele. Veio, enfim, a Libertadores 1970. Pagnanini aproveitou a chance e foi mantido, sem comprometer na decisão com o Peñarol, da qual retirou-se em campo com a bola da partida. O tri se deu em 28 de maio e o novato, meteoricamente, já aparecia na seleção em 14 de julho de 1970 – ainda que em partida não-oficial, em jogo-treino com o clube Kimberley de Mar del Plata, surrado por 5-1. Pagnanini, curiosamente, entrou no decorrer do duelo para substituir exatamente Malbernat.

A conquista da Libertadores o pontapé de uma trajetória das mais longevas em La Plata, com 341 jogos suficientes para o lateral estar entre os dez que mais jogaram pelo Estudiantes – ainda que novas taças não tenham vindo: o time perdeu o Mundial de 1970 para o Feyenoord e, embora ainda tenha avançado a nova final de Libertadores em 1971, perdeu-a para o Nacional. Em meio a isso, chegava até a sofrer contra o rebaixamento tamanha a atenção focada no continente: isso aconteceu ainda em 1970 (escapou da repescagem nos critérios de desempate) e 1971 (a cinco pontos do rebaixado Los Andes). Em 1972, embora não estivesse seriamente ameaçado, teve de disputar o grupo-repescagem contra o rebaixamento, só não tendo grandes sustos pois os pontos da fase prévia seriam somados aos da nova.

Estudiantes de 1970: Pachamé, Malbernat, Errea, Pagnanini (à direita, com a bola da final), Togneri, Pezzano (goleiro reserva) e Solari; Conigliaro, Bilardo, Flores,Verón e Spadaro 

Assim, terminar em 7º no Metropolitano e em 4º no Nacional representou um salto que premiou Pagnanini: em 13 de março de 1974, voltou à seleção argentina, em partida não-oficial contra o Sportivo Pedal (2-1), de Mendoza. Fez mais três jogos até 11 de abril, sempre não-oficiais, contra o combinado da cidade cordobesa de Río Cuarto (4-0), o Atlético Tucumán (2-0) e o Aldosivi de Mar del Plata (1-0). Não foi o suficiente para terminar na convocação final para a Copa de 1974, tampouco para ser relembrado de imediato no ciclo após a Copa.

Após um ano de 1974 mediano, o Estudiantes fez nova campanha boa em 1975, no embalo do regresso do seu craque Juan Ramón Verón do Panathinaikos: o clube terminou em 5º no Metropolitano e em vice no Nacional, voltando a jogar a Libertadores após uma interminável meia década. Não passou de fase no retorno a La Copa, mas teve um bom desempenho ao longo do ano de 1976: foi terceiro no Metropolitano e em seu grupo no Nacional. Até ali, Pagnanini era um lateral correto da escola argentina, preocupado mais em marcar o ponta adversário do que em auxiliar o ataque. Seus gols eram bem raros, mas o ano de 1977 foi outra coisa.

O Estudiantes decaiu para 11º no Metropolitano em 1977, mas foi bem servido pelo defensor: ele fez oito gols, com destaque aos dois em empate com o Gimnasia LP, os únicos que Pagnanini marcou no Clásico Platense. A boa fase lhe rendeu primeiramente uma transferência ao poderoso Independiente para a disputa do Nacional. Pagnanini logo pegou a titularidade e, embora não tenha contribuído com gols, participou do título que encerrou jejum doméstico de sete anos no Rojona final mais épica do futebol argentino. Pagnanini foi um dois oito jogadores em campo com os quais o campeão logrou, na casa adversária, o gol do título, mesmo após três expulsões.

Até os fins de 1977, César Menotti usava como laterais-direito sobretudo Vicente Pernía, do Boca campeão de sua primeira Libertadores naquele mesmo ano (e pai de Mariano Pernía, que defendeu a Espanha na Copa de 2006), e Jorge Olguín, oásis de um San Lorenzo decadente. Pernía, porém, ficou marcado por uma expulsão tola em amistoso com a Escócia. Assim, em cima da hora Pagnanini foi relembrado pela Albiceleste. Reestreou em 4 de março de 1978 em novo amistoso não-oficial, contra o sindicato de jogadores uruguaios, em 0-0 contra o time que contava com Rodolfo Rodríguez, Juan Ramón Carrasco, Julio Montero Castillo e Fernando Morena na cidade jujueña de San Martín. Quinze dias depois, enfim, o lateral estreou oficialmente pela Argentina – isto é, ou, contra outra seleção nacional.

Não vale espalhar fake news do 6-0: o “peruano” da foto é o argentino René Houseman com camisa trocada. Ele e Pagnanini fizeram os gols de vitória por 2-1 sobre o mesmo país em outro jogo. À direita: Menotti, Bertoni e Pagnanini atrás, Fillol e Tarantini à frente

A fase era mesmo boa demais: o “novato” marcou gol naquele jogo, o da vitória no 2-1 sobre o Peru. Jogou mais três amistosos prévios oficiais, reencontrando o Peru em Lima (vencendo por 3-1), ganhando da Bulgária por 3-1 ainda naquele mês de março para então cair por 2-0 para o Uruguai em Montevidéu, já em 25 de abril; e outros três não-oficiais, contra o combinado da cidade de Tandil, o clube Cipolletti da cidade de Río Negro (no campo dele, na Patagônia) e contra o combinado do sul da província de Buenos Aires, em Bahía Blanca – esse, já em 13 de maio. Para o mundial, porém, Menotti insistiu em usar Olguín, um dos mais cornetados por mídia e público, embora viesse a calar os críticos depois.

Pagnanini não foi usado em nenhum minuto da Copa. Ainda assim, somente ele e o goleiro Héctor Baley (reserva imediato de Ubaldo Fillol) representavam a Argentina naquele momento oriundos do vitorioso Estudiantes de 1968-70, embora já defendessem outras equipes e tivessem participações escassas naquele ciclo; Baley, por exemplo, não foi usado em uma partida sequer, apenas compondo como terceiro goleiro o grupo campeão em 1969 e 1970, só vindo a fazer seu nome por Colón, Huracán (seu clube em 1978 antes de rumar por um breve período ao Independiente também) e Talleres. Por isso, no título da matéria nos referimos apenas a Pagnanini como membro ativo daquele elenco pincharrata a erguer a Taça FIFA.

Sobre o lateral, que não voltou a defender a seleção, o livro Quién es Quién en la Selección Argentina faz uma ressalva à participação à primeira vista nula no primeiro título mundial da Argentina: “foi muito valioso durante os treinamentos”, denotando a condição de sparring de luxo. O defensor também tornou-se um dos primeiros jogadores do Independiente a ganharem a Copa, ao lado de Daniel Bertoni, Rubén Galván e Omar Larrosa, que, tal como Pagnanini, só chegara a Avellaneda após o tetra do Rojo na Libertadores. Poderia até dizer-se que a competição não pesava mesmo: deles, só Bertoni foi titular. E do restante dos titulares da Argentina, só o lateral-esquerdo Alberto Tarantini também havia vencido o torneio, pelo Boca em 1977.

Pagnanini seguiu no Independiente até o fim de 1979, ganhando mais um Torneio Nacional, o de 1978, anulando o arisco ponta Oscar Ortiz (seu colega na Copa de 1978) na decisão ganha frente o River. Não chegou, porém, a se tornar um ídolo eterno em Avellaneda como em La Plata. Em 1980, atuou em duas partidas pelo Argentinos Jrs antes de pendurar as chuteiras no futebol ianque. Em 2015, nos 110 anos do Estudiantes, elegemos Pagnanini o lateral-direito do time dos sonhos da torcida do Pincha.

Além de vencer a Copa do Mundo, Pagnanini venceu o Nacional de 1978 com o Independiente: ele, Baley, Osvaldo Pérez, Fren, Villaverde (que fez 65 anos no dia 27) e Trossero; Alzamendi, Larrosa, Outes, Bochini e Barberón

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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