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Familiares na Seleção Argentina – Parte 6: Irmãos (IV)

Jorge e Juan Iribarren no River Plate, à esquerda. À direita, Juan antes de jogo do Sul-Americano de 1937, o primeiro a ter jogos noturnos. Ali, se despediu da seleção

Com este especial, a abordagem dos irmãos que já passaram pela Albiceleste fica, por hora, completa: além de destacarmos os outros dois pares “não-mundialistas” que reúnem ao menos um convocado para uma Copa América (como iniciado no especial anterior da série), ao fim falaremos rapidamente das duplas restantes.

Os Iribarren, os primeiros jogadores do Argentinos Juniors na seleção, têm um dado curioso: ambos atuaram no mesmo dia pela Argentina, mas por partidas diferentes. O zagueiro central Juan Carlos Iribarren, descrito como preciso, seguro e polivalente na defesa e nos setores esquerdos, estava atuando no Sul-Americano de 1923 contra o Uruguai e já representava seu país havia um ano. Já o goleiro Jorge F. Iribarren, três anos mais novo, jogava amistoso contra o Brasil, no que representou sua estreia no selecionado.

Jorge jogou apenas mais duas vezes, em 1925, contra o Paraguai, sem o irmão. Além de no time de La Paternal, eles só estiveram juntos no River Plate, a partir do final daquela década. Ali, Juan Carlos também obteve mais destaque, sendo um dos baluartes do primeiro título profissional da equipe de Núñez, em 1932 – o River, até aquele momento, tinha apenas o título amador de 1920 e a segunda divisão de 1908 entre seus principais troféus.

Sua última partida pela Argentina foi pelo Sul-Americano de 1937. Embora tenha ficado de fora da final contra o Brasil, o Iribarren mais velho (já como jogador do Chacarita Juniors) foi titular da maior parte da campanha, despedindo-se justamente diante dos brasileiros, na vitória por 1 a 0 que igualou na última rodada a pontuação de ambos (que não se enfrentavam havia doze anos) na liderança e forçou a realização daquela partida decisiva. Os quinze anos de serviços à Argentina, ainda que não-ininterruptos, foram-lhe um recorde que só seria ultrapassado por Labruna, Maradona, Zanetti e Ortega, e igualado por Caniggia e Verón. Iribarren ainda é também um dos mais veteranos a ter jogado pela Albiceleste, retirado dela aos 35 anos.

A outra dupla também não chegou a atuar junta na seleção. Antonio Sastre foi um jogador dos mais completos da história e já mereceu para si um especial do Futebol Portenho, aqui, no dia em que teria completado 100 anos. Só pela Argentina, chegou a atuar nas duas pontas e laterais e também como meia ofensivo – já no seu Independiente, até improvisado duas vezes no gol ele chegou a jogar, sempre com grande rendimento (não foi vazado, por exemplo – e fora contra San Lorenzo e Peñarol) também como defensor e atacante, e mesmo assim ainda conseguiu marcar 112 vezes pelo time de Avellaneda, que fazem dele o terceiro maior artilheiro do clube. Natural que hoje nomeie um dos setores do Estádio Libertadores de América.

Atleta dos mais inteligentes da história do futebol argentino – sabia armar jogo, driblar e marcar adversários e definir para as redes -, fez parte das gerações do país que tiveram o azar de não disputar Copas do Mundo. Se a dos anos 40 foi impedida pela Segunda Guerra Mundial, com os jogadores brilhantes da década de 1930 os motivos foram outros: para a Copa de 1934, apenas amadores foram enviados, por conta de ser a associação deles a reconhecida pela FIFA; já para a de 1938, a Argentina não se fez presente em protesto por ter perdido a sede para a França.

Sastre, que na década de 1940 já era um veterano, começou a jogar em 1931, no Rojo. Integrou o histórico trio com Vicente de la Mata e Arsenio Erico que deu aos diablos seus primeiros dois títulos no profissionalismo, faturando o bicampeonato em 1938 e 1939, anos em que tal linha ofensiva foi a mais goleadora do país. El Cuila já jogava pela Argentina desde 1933. Fez parte dos elencos titulares dos Sul-Americanos de 1935, 1937 (colega de Iribarren) e 1941, sendo campeão nos dois últimos. O técnico brasileiro Osvaldo Brandão, que treinou o Independiente no título argentino de 1967, declarou: “Não entendo por que admiram nosso jogo, se a nós nos ensinou o maestro Antonio Sastre”.

Isto se deveu à brilhante passagem de Sastre por quatro anos pelo São Paulo na década de 40, depois de sete vitórias em oito jogos contra o Brasil (incluindo um 3 x 0 com gol dele, um 6 x 1 e um 5 x 1), onde só não foi campeão paulista em 1944. Mesmo na casa dos trinta anos, exibiu todo o seu repertório ao clube do Morumbi, fazendo-se presente hoje no estádio em forma de estátua. Ter ido ao Brasil, porém, o afastou de mais jogos pela seleção (somente em 1972 a Argentina passou a admitir convocar jogadores que atuassem no exterior), aliado ao altíssimo nível de sua concorrência na época e à idade elevada; foram no total, sempre como titular, 35 partidas (apenas Ricardo Giusti jogou mais que ele como atleta do Independiente) e seis gols por seu país.

Oscar Sastre entre os campeões do Sul-Americano de 1945 e, em foto recente, nonagenário

Oscar Carlos Sastre, nove anos mais novo, foi naturalmente prejudicado por comparações com o irmão-estrela, com quem pouco pôde jogar mesmo no Independiente: debutou ali em 1942, um ano antes de Antonio ir ao São Paulo. Apesar do peso do sobrenome, este bom volante e lateral direito conseguiu também cavar lugar na seleção e entre os grandes ídolos do Rojo: estreou pela Argentina em 1945, integrando a equipe campeã naquele ano do Sul-Americano, embora não tenha atuado nele.

Dois anos depois, já como titular, foi outra vez campeão continental com a Albiceleste, com a qual atuou quatro vezes. No ano seguinte, ajudou seu time a quebrar nove anos de jejum com o título argentino de 1948, antes de ir jogar no Deportivo Cali; o Sastre caçula fora um dos fundadores da agremiação de jogadores que organizou ainda naquele ano uma grande greve deles.

Como as exigências da categoria não foram atendidas, muitos acabaram seduzidos por tentadoras propostas financeiras da liga pirata do chamado Eldorado Colombiano, para onde também foram nomes como Néstor Rossi, Di Stéfano (colegas de Sastrín no Sul-Americano de 1947) e Pedernera e até atletas de grandes centros europeus. Um dos motivos para a Argentina ter continuado fora das Copas até a de 1958 seria justamente o temor de um vexame sem os seus principais jogadores. Nem das eliminatórias para as de 1950 e 1954 ela participou.

Alumni campeão de 1903. Naquele ano, Juan José e Eugenio Moore (respectivamente, segundo e último sentados) jogaram pela seleção. Na única partida dos dois juntos, também estiverem os irmãos Jorge, Carlos e Ernesto Brown (respectivamente, o primeiro, o terceiro e o último em pé)

Além destes jogadores e dos outros irmãos já abordados anteriormente nesta série, também atuaram pela Argentina outros pares diversos. Celestino Martínez e Guillermo Barros Schelotto passaram pela seleção principal, incluindo participações em Copa América (Cele foi outro na de 1937; Guille esteve na de 1999), sem seus respectivos irmãos gêmeos, também jogadores (Alfredo Martínez e Gustavo Barros Schelotto, que chegou a aparecer em seleções de base). Com isso, a única dupla de mellizos que defendeu o país continua a ser a composta por Eugenio Juan José Moore.

Curiosamente, na única vez que atuaram juntos, em 1903, no que também foi o único jogo do ponta-esquerda Eugenio (o lateral-direito Juan jogou outras duas vezes), também estavam em campo três irmãos Brown (da família que abriu esta série de especiais), colegas deles no Alumni. É, até hoje, a partida mais “familiar” da Argentina. O irmão mais velho dos Moore, Tomás, estaria no jogo se não fosse impossibilitado por uma doença, na época. Acabou sem nunca ter atuado pela seleção.

Os volantes Alfredo e Carlos Dickinson eram contemporâneos (jogavam na primeira década do século XX), mas jamais tiveram juntos na seleção e em clubes: o primeiro atuava no Alumni e o segundo, no arquirrival Belgrano Athletic (atualmente, dois clubes de rúgbi, ambos abordados pelo FP aqui). Os paralelos negócios agropecuários de ambos os levaram a viver no Brasil posteriormente. Jorge Dickinson jogou uma vez, no primeiro da Argentina, mas em partida de validade contestada. Colega de Carlos no Belgrano, atuou com ele contra o Uruguai (que seria na verdade apenas um combinado de Albion e Nacional, para os que desconsideram a validade de tal jogo) em 1901. O que mantém o curioso fato de que Alfredo, que não esteve nessa partida, não jogou ao lado de seus irmãos.

Maximiliano Susán antes de jogo de 1908 contra o Uruguai

José Claudio e Maximiliano A. Susán pertenciam ao Estudiantes de Buenos Aires, no final da mesma década dos Moore e dos Dickinson. Os Susán estiveram no maior feito da história do time de Caseros (sem relação com o homônimo mais famoso, de La Plata), a conquista da Copa Competencia de 1910 (torneio que reunia times bonaerenses, rosarinos e uruguaios) – cuja final, curiosamente, foi contra o Gimnasia y Esgrima de Buenos Aires. Pela Argentina, só atuaram lado a lado uma vez, no segundo (e último) jogo do lateral-esquerdo José.

O atacante Maximiliano conseguiu ter mais destaque, chegando a jogar no Alumni em 1911, último ano em que este clube (o mais poderoso da primeira década do século XX) praticou futebol. Chegou ainda a marcar quatro vezes contra o Uruguai (justamente em partida arbitrada pelo irmão), um recorde pela Argentina que só seria batido em 1941, quando Juan Marvezzi fez cinco no Equador.

Mas, no clássico do Rio da Prata, sua marca só foi igualada – por Roberto Cherro, trinta anos depois. Outro recorde seu é o de gols em partida entre clubes argentinos: fez doze nos 18 a 0 imposto pelo Estudiantes no Lomas Athletic (outro que deixou o futebol para ficar no rúgbi, assim como o Gimnasia de Buenos Aires) em 1909, até hoje a maior goleada no país. Nenhum outro argentino fez tantos gols quanto ele em um jogo oficial.

Jorge e Saúl Calandra (ponta esquerda e centromédio, respectivamente), por sua vez, do Estudiantes de La Plata, tiveram trajetórias separadas: Jorge passou pela seleção no final dos anos 10 e Saúl, no dos 20, quando chegou a integrar a equipe medalha de prata nas Olimpíadas de 1928. Nos Jogos de Amsterdã, atuou somente na vitória de 11 a 2 sobre os Estados Unidos, na estreia.

Roly Zárate comemorando o gol que marcou em sua estreia, em 2005. Rolando, que chegou a defender o Real Madrid (em 2000), só jogou uma vez mais pela Argentina

Por fim, há os Zárate, família ligada ao Vélez Sarsfield. Sergio Fabián Zárate Riga, o mais velho, demonstrava rapidez, habilidade e mesmo oportunismo no meio-de-campo, com seu sucesso já no futebol alemão (no Nuremberg) tendo lhe levado a disputar 45 minutos de um amistoso contra a Austrália em 1992. El Ratón, porém, não se consolidou e não jogou mais pela Argentina.

Rolando David Zárate Riga obteve sorte só um pouco melhor. No semestre em que o Fortín voltou a ser campeão argentino depois de sete anos, em 2005, o atacante convenientemente estreou marcando logo um gol, em amistoso contra o México. Roly, credenciado na época também por sua artilharia no ainda recente Clausura 2004, ainda jogou uma partida das eliminatórias da Copa de 2006 contra a Bolívia, mas acabou não recebendo novas chances, atrapalhado pela alta concorrência e por uma fratura no quadril.

O irmão mais novo dos dois, Mauro Matías Zárate Riga (atualmente emprestado pela Lazio à Internazionale), foi campeão mundial sub-20 em 2007, fazendo inclusive o gol do título a 4 minutos do fim, nos 2 a 1 de virada sobre a República Tcheca. Como Rolando, também joga no ataque e foi artilheiro pelo Vélez (no Apertura 2006). Porém, além de não ter sido incluído no grupo que no ano seguinte obteve o ouro olímpico na China, Maurito, considerado o mais talentoso dos Zárate, ainda não recebeu oportunidades na seleção principal.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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