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Futebol tucumano já veio ao Brasil. E o Atlético Tucumán já rendeu boas histórias na Argentina

Quem acompanha o Futebol Portenho há alguns anos sabe: sempre procuramos listar jogadores em comum entre times brasileiros e oponentes argentinos pela Libertadores. Em 2017, pudemos fazer de Flamengo x San Lorenzo, de Botafogo x Estudiantes e de Atlético Paranaense e San Lorenzo. Mas não localizamos ninguém entre Atlético Mineiro x Godoy Cruz. Nem entre Palmeiras x Atlético Tucumán, que se pegam hoje; o mais perto foi o técnico Nelson Filpo Núñez, famoso por ter treinado o Brasil em 1965 quando todo o elenco palmeirense vestiu a canarinho – ele treinou no Nacional de 1973 o arquirrival alviceleste, o San Martín. Mas é válido lembrar a primeira visita tucumana ao Brasil. E outras histórias proporcionadas pelo Atlético.

A classificação épica do Decano no primeiro confronto da pré-Libertadores, trajando o uniforme da seleção em uma corrida contra o tempo e a desorganização para encarar e vencer em Quito o El Nacional difundiu bem o Atlético. Já havíamos dito em 2013, nos 105 anos da adoção do uniforme alviceleste pela seleção argentina (em 1908), que ele já vinha sendo usado antes pelo clube. Tal fato e a coincidência cósmica de usar o manto nacional ficou mais conhecido na epopeia. Mas não é desde agora que os tucumanos rendem boas histórias, com o Atlético ou não.

Os anos 20 foram o auge do campeonato argentino de seleções regionais, com edições ano a ano. O combinado da liga tucumana foi vice em 1926 (o lateral-esquerdo Paco García chegou a ser capa da revista El Gráfico), para um combinado da província de Buenos Aires (que tinha uma seleção separada do combinado da capital); e em 1929, para os rosarinos. Esses campeonatos vigoraram até 1989, mas com edições esparsas a partir do profissionalismo, em 1931. Os anos 20 também foram de cisma entre duas associações argentinas, cada uma com sua própria liga e seleção.

De um lado, a liga que tinha Boca e Huracán como principais forças, reconhecida oficialmente pela FIFA; do outro, a que tinha River, Independiente, Racing e San Lorenzo. Como essa não era oficialmente reconhecida, os jogos de sua seleção não foram convalidados, mas contaram com alguns destaques do interior no campeonato de seleções. Em 1925, essa seleção argentina “pirata” fez uma excursão pelo Chile com dois jogadores tucumanos, ambos do Atlético: o goleiro Genaro Sica, há dez anos defendendo as metas do clube, e o atacante Donato Penella.

Chividini, o último jogador em pé na seleção campeã de 1929 (o Rivarola agachado jogaria no America-RJ)

Penella seria convocado para outra excursão, ao Brasil, no ano seguinte. Fez um dos gols dos 2-1 sobre um combinado paulistano, que descontou com Arthur Friedenreich. O mencionado Paco García, já defendendo o All Boys, também foi aproveitado pela seleção “pirata”, justamente em um jogo contra a “oficial” que simbolizava a unificação das ligas. Penella continuou a ser chamado após a unificação e tornou-se em 1927, em dois jogos contra o Uruguai, o primeiro que a Argentina convocou oficialmente a partir de um clube tucumano. Em 1928, passaria ao Boca.

Em 1929, o mês seguinte a novo vice-campeonato tucumano no campeonato de seleções regionais, houve Copa América na qual a Albiceleste, que seria campeã, chamou dois atletas de Tucumán: o atacante Alberto Fassora, do Atlético, e o lateral-direito Alberto Chividini, do Central Norte. Fassora não chegou a entrar em campo pela Argentina. Ao fim do ano, ele e o Atlético Tucumán seriam convidados para uma excursão ao Peru. Ganharam de 3-1 da própria seleção peruana, com dois gols de Fassora. 

O atacante passaria ao Racing, marcando o primeiro gol de um clássico de Avellaneda histórico: o de mais gols, que também foi o da maior goleada racinguista, o 7-4 de 1931 (no outro turno, deu Racing 4-1, com dois gols do tucumano). Fassora também seria um dos diversos argentinos importados em 1934 pelo America-RJ. O time da Tijuca era na época o terceiro maior campeão carioca e foi o primeiro clube brasileiro a apostar largamente em argentinos. Eles não vingaram, mas Fassora foi o artilheiro dos reforços (chegou a marcar em vitória por 2-1 no Flamengo e três em um 4-1 no Bonsucesso).

Mas quem vingou mais foi Chividini. Em janeiro de 1930, a seleção tucumana, sem jogadores do Atlético (que, afinal, havia terminado em antepenúltimo na liga naquele ano), fez uma excursão ao Brasil com os seguintes resultados no Rio de Janeiro: derrota de 3-2 para a seleção carioca, vitória de 6-2 no America-RJ (campeão estadual de 1928 e vice em 1929, vale ressaltar), 1-1 com o Vasco e 3-3 com a seleção carioca B. Depois, a excursão passou por São Paulo, sem o mesmo desempenho notável: derrotas de 4-1 para Palestra Itália, 5-2 para combinado Palestra/Corinthians e 7-2 para o Corinthians na capital; e, na baixada, empate em 2-2 contra um combinado santista e derrota de 4-1 para o Santos.

Fassora em duas imagens. À esquerda, no America-RJ (é o terceiro) com o tal Rivarola (o primeiro)

Ainda em 1930, Chivo foi à Copa do Mundo. Ainda é o único jogador a disputar o mundial vindo do futebol tucumano. Atuou no 6-3 sobre o México e deveria ter jogado também a decisão, diante da tremedeira de Luis Monti. Mas os treinadores preferiam escalar a este. Chividini, posteriormente, iria ao San Lorenzo, participando dos dois primeiros títulos profissionais dos azulgranas, em 1933 e 1936. Mas o principal sanlorencista vindo de Tucumán seria outro defensor.

Trata-se de José Rafael Albrecht, presente nas Copas de 1962 e 1966. Apelidado justamente de El Tucumano, Albrecht está entre os dez maiores zagueiros-artilheiros do futebol mundial. Só no San Lorenzo, foram 55 (mais que o atacante Narciso Doval, por exemplo, que fez 40). Antes de virar azulgrana, estava no Estudiantes, que por sua vez o trouxera do Atlético, pelo qual Albrecht vencera em 1959 uma Copa nacional entre clubes do interior. Essa ainda é a conquista mais expressiva do Decano.

O defensor-artilheiro estrearia pela seleção no ano seguinte, já defendendo o Estudiantes. Ainda no Atlético, Albrecht fizera na campanha daquele título o gol do empate em 1-1 no tempo normal na decisão com o El Quequén. Um dos seus colegas na defesa daquele Atlético, Hugo Ginel, seria usado pela seleção nas Olimpíadas de 1960. 

Entre 1967 e 1985, o futebol argentino de alto nível teve dois torneios anuais: o campeonato argentino, restrito geograficamente apesar do nome à Grande Buenos Aires, La Plata, Rosario e Santa Fe, foi renomeado de “Metropolitano”. Dividiu lugar com o Torneio Nacional, a envolver os clubes do Metropolitano com os melhores dos torneios do interior. Em 1975, o Atlético foi simplesmente líder de um grupo que tinha Boca, San Lorenzo e os tradicionais Argentinos Jrs, Ferro Carril Oeste e Gimnasia LP, classificando-se assim ao octagonal final. 

Albrecht, entre os dez maiores zagueiros-artilheiros do futebol mundial. É o quinto em pé (antes do goleiro) pelo Atlético Tucumán de 1959. À direita, sua figurinha na Copa de 1966

O técnico da seleção argentina, César Menotti, não hesitou em dar oportunidade a diversos jogadores do interior naquela geração dourada dos anos 70. Dentre eles, alguns daquele belo elenco do Decano. O ponta René Alderete e o armador Ricardo Villa (que só não fez gol no Gimnasia) foram convocados ainda como atletas do Atlético, naquele mesmo 1975. O atacante Raúl Agüero teve oportunidades em 1976, já como jogador do Rosario Central. Ricky Villa foi quem mais teve êxito na carreira: foi à Copa do Mundo de 1978 (já como jogador do Racing), “roubando” uma das vagas de armador que poderiam ter sido de Maradona. Dedicamos ao meia este Especial na semana passada.

Mesmo reserva, Villa foi comprado pelo Tottenham Hotspur, virando ídolo histórico ao marcar dois gols na final da centésima edição da FA Cup, em 1981 – um deles, eleito o mais belo marcado em Wembley no século XX: contamos aqui. Ainda com o meia, o Atlético, mesmo sem a classificação, fez boa campanha também em 1976, a quatro pontos da classificação no grupo de Boca e Independiente. Mesmo já sem Villa, boas campanhas vieram também em 1978 (faltou um ponto para a classificação, ficando à frente do Boca) e, principalmente, em 1979, quando o Decano só parou na semifinal. O atacante Héctor Gómez teria ido às Olimpíadas de 1980 se a Argentina não participasse do boicote a Moscou.

Depois de 1980, porém, o Atlético não voltou a aparecer nos Nacionais. Só voltou a dar as caras entre os principais clubes ao subir à elite na temporada 2009-10. Foi imediatamente rebaixado, mas a dupla ofensiva Luis Rodríguez e Juan Pablo Pereyra chegou a defender a Argentina, convocados por Maradona em amistosos que só tiveram atletas locais. Os alvicelestes voltaram em 2016 aprontando: a vitória por 1-0 sobre o Boca em La Bombonera fez o clube de Tucumán somar mais vitórias (seis) que derrotas (cinco) contra os auriazuis, uma fama raríssima na Argentina, mais famosa por ser do San Lorenzo.

Vale ainda fazer uma rápida menção a outros feitos tucumanos, do San Martín. Os alvirrubros foram campeões de uma Copa nacional em 1943, contando com os principais clubes do país (bateram o Newell’s na final). Ficaram a quatro pontos da classificação no Nacional de 1974 e a dois em 1979. Estiveram nas quartas-de-final do Torneio Nacional de 1982, eliminados pelo campeão Estudiantes após classificarem-se no lugar de Vélez e Racing. Contra o próprio Boca, sapecaram um 6-1 em plena Bombonera em 1988. O atacante Daniel Marangoni é o único que defendeu a Argentina como jogador do clube, também na seleção de Menotti, em 1975.

Para mais, vale visitar o blog Historia del Fútbol Tucumano.

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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