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Há 35 anos, o primeiro Boca-River de Maradona: 3-0, com gol e baile dele

“Se alguma vez alguém precisa encontrar um exemplo da palavra festa, pode falar tranquilamente da que viveu ontem a torcida do Boca. Começou às 18h30 a cantar e não parou até as 24, para dizer uma hora, porque ainda em alguma parte do país alguém deve estar festejando”, iniciava o relato do jornal Crónica na edição de 11 de abril de 1981 sobre o Superclásico ocorrido na véspera. O dérbi já vivenciara mata-matas de Libertadores, finais e goleadas maiores. A ocasião histórica da vez era a estreia de Diego Armando Maradona no principal encontro do futebol argentino.

Maradona vestia a azul y oro havia pouco menos de dois meses, desde um amistoso com o Argentinos Jrs no qual atuara um tempo por cada um para simbolizar a passagem: falamos aqui. Dois dias depois, começara o Torneio Metropolitano, que consagraria para sempre a relação entre Dieguito e Boca, idolatria angariada desde cedo: o craque logo marcara dois gols em um categórico 4-1 sobre o forte Talleres da época – o clube cordobês só tivera menos jogadores que o River na vitoriosa Copa de 1978.

Na rodada seguinte, mais dois gols em cordobeses, os do Instituto no empate em 2-2, um deles sua primeira pintura pelo Boca. Carregou a bola pela direita, passou por dois adversários, sua canhota se livrou de outro enquanto a outra perna tirou a bola do alcance do goleiro. Dois dias depois, a vitória de 2-0 sobre o Huracán cobrou um preço: a maratona de jogos (o Boca vinha realizando amistosos em pleno campeonato para capitalizar em cima da Diegomania) acarretou uma lesão muscular. O novo ídolo precisou ficar de molho nas quatro rodadas seguintes.

Na ausência dele, outro reforço estrelar brilhou. Foi Miguel Ángel Brindisi, que na década anterior chegara a ser o homem com mais jogos pela seleção argentina (fez de falta o gol dos hermanos sobre o Brasil na Copa de 1974). Miguelito chegara veterano, mas mostrou altíssimo nível, a ponto de não serem poucos os que creem que ele foi ainda mais importante para o título. Para aquele Superclásico, nos números, é inegável que foi.

Já dedicamos um especial a Brindisi: clique aqui. Ele marcou em todos aqueles quatro jogos sem Maradona, todos vencidos (3-2 no Platense, 2-1 no Sarmiento, 2-0 no Unión e 2-1 no San Lorenzo). Diego retornou em um 2-2 com o Newell’s e voltou a marcar em um 2-0 como visitante do Independiente – outro golaço, recebendo de Brindisi para desferir uma bomba de canhota. Veio então o Superclásico.

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Maradona com Kempes e no lamaçal daquele 10 de abril de 1981. À direita, Brindisi contra Juan José López

O River ostentaria cinco campeões mundiais de 1978 na Bombonera: Ubaldo Fillol, Daniel Passarella, Alberto Tarantini, Norberto Alonso e o herói Mario Kempes, emprestado pelo Valencia para ser a resposta millonaria à Maradona. A torcida da casa não estava nem aí. Assim prosseguia aquela nota do Crónica sobre o material desfrutado pelos hinchas auriazuis: “‘Troféus de guerra’ que até serviram como proteção de chuva; papeizinhos, três galinhas, justo três, para receber o River”. Os tais troféus de guerra eram faixas ou camisas do River roubadas da torcida rival.

Além da aura de Superclásico, era um confronto importante para a liderança: o Millo seguia na cola xeneize pelas cabeças, estando três pontos atrás antes do apito inicial. No primeiro tempo, contudo, os dois times não desfilaram tanto sua classe em uma noite onde a chuva castigou o gramado, convertido num lamaçal. O primeiro tempo foi de muita fricção entre os rivais, rendendo uma expulsão para cada: Mouzo para o Boca, Escudero para o River.

O segundo tempo foi outra coisa, ao menos para os mandantes. Com 20 minutos, Brindisi já havia marcado duas vezes. Na primeira, acompanhava corrida de Maradona e Hugo Perotti (pai de Diego Perotti, hoje na Roma), que, colocado na cara do gol por Diego, foi derrubado. A bola sobrou para Maradona e o árbitro aplicou a lei da vantagem. Ele dividiu com Fillol e a bola pingou para Miguelito, que vinha pela direita na entrada da grande área. O veterano chutou colocado no alto para o gol vazio, antes que Fillol voltasse a tempo. No segundo, o meia recebeu de Perotti e arriscou da meia-lua um chute rasteiro no canto.

Mas, como no restante do campeonato, o ótimo desempenho de Brindisi terminou ofuscado por Diego. Maradona, quase na pequena área, recebeu um lançamento de Córdoba, levantando a canhota para dominar de um jeito que ele deixou parecer fácil. Com outro movimento, gingou sobre Fillol, deixando o mítico arqueiro para trás. Com o gol vazio, o vira-casaca Tarantini (era jogador do Boca até fins de 1977), no desespero, se atirou com mãos abertas como se ele fosse o goleiro.

O lance eternizado como pastelão enquanto El Diez concluía com sucesso para as redes rivais, momento tão mágico que o fotógrafo que clicou o registro histórico da primeira imagem da matéria, ávido por mais, tropeçou e caiu enquanto Maradona corria para as massas. Mouzo declararia que sentiu que naquele dia a fervorosa torcida auriazul não foi La 12, o décimo segundo jogador. Foi “La 13”. Pois o décimo segundo teria sido Dieguito.

Os festejos foram mesmo grandes. Na ressaca, aquele Boca de Maradona conheceria na rodada seguinte sua primeira derrota, um 1-0 para o Vélez. Foi o único revés em todo o primeiro turno, porém. No segundo, os auriazuis perderiam três vezes, mas não tiveram maiores contratempos para encerrar um jejum nacional que já iria durar meia década. Suprema humilhação: aquele estrelado River reforçado com Kempes nem chegara perto, terminando onze pontos atrás para fazer do nanico Ferro Carril Oeste (onde estava o brasileiro Rodrigues Neto) o melhor perseguidor de Maradona & cia.

Humilhação ainda pior foi a de outro rival, o San Lorenzo. Mas essas histórias ficam para agosto…

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Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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