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Justiça argentina consegue liberar dados dos barras para o Brasil. E daí?

Na foto em questão, barra argentinos espancam a polícia sul-africana
Na foto em questão, barra argentinos espancam a polícia sul-africana

Recentemente, Debora Hambo, advogada das HUA (Hinchadas Unidas de Argentina) conseguiu na Justiça que as autoridades argentinas não fornecessem ao Brasil os dados pessoais dos barras bravas envolvidos em confusão e que devem “apoiar” o país na Copa. Na data de hoje, o recurso foi caçado e a cooperação entre as autoridades policiais dos dois países seguirá. Contudo, esta novela ainda terá seus capítulos. E independentemente do resultado, o fato é que os barras virão mesmo para o Brasil. Além disso, os barras em foco podem ser apenas um número ínfimo dos que podem causar confusão nas ruas de Porto Alegre.

A proteção que Debora Hambo conseguiu na Justiça, para os barras, já era. A juíza, Cecilia Gilardi Madariaga de Negre, da Capital Federal, acaba de caçar o recurso da advogada das HUA. Convém dizer que a briga seguirá, já que a advogada dos hinchas deve voltar à Justiça. Mas, por enquanto, o fato é que os barras de certa forma estão desprotegidos. Vale dizer que a medida não deve evitar que na prática eles venham para a Copa. Virão de qualquer jeito. O que a medida faria era dificultar as coisas para as autoridades brasileiras. Todavia, esta briga pouco importa, na prática. Vejamos.

A cooperação entre as autoridades argentinas e brasileiras em torno do patrulhamento dos barras não passa por uma postura eficaz. Os barras, no caso, seriam apenas aqueles que estão incluídos no chamado “derecho de admisión”, ou seja, aqueles que não estão autorizados pelos próprios clubes a ingressarem nos estádios. Também inclui todos aqueles que estão ou foram envolvidos em alguma confusão grave na Argentina. Apenas esses. Só que eles são uma minoria insignificante dos que devem chegar ao Brasil.

O “derecho de admisión” é aplicado somente em pouquíssimos casos. Não envolve necessariamente os barras que causam confusão, mas aqueles que as causam e que estão em rota de colisão com os dirigentes de seus clubes. São pouquíssimos. O fato é que esses dirigentes são amigos dos barras. Quando a Organizada de um clube se divide em duas ou mais facções, o cartola não apenas segue fiel à facção original como tende a apoiá-la na sua briga com as demais. E uma das armas utilizadas pelos cartolas é aplicar o “derecho de admisión” aos membros das facções dissidentes. É assim, por exemplo, no Quilmes, onde os cartolas cerveceros, em apoio ao grupo de Osvaldo Becerra, aplicam tal medida a Ramiro Bustamantes, chefe da facção que expulsou o grupo de Osvaldo das arquibancadas do estádio cervecero.

Já quanto àqueles que estão envolvidos em confusões, os nomes deles também são fornecidos pelos dirigentes dos clubes. De todos os envolvidos, apenas os nomes dos dissidentes é que serão revelados para as autoridades brasileiras. Desta forma, dos barras que virão ao Mundial apenas poucos deles terão seus dados pessoais revelados ou não para a Justiça brasileira. Além disso, vale dizer que dos 950 barras que as HUA prometem trazer para a Copa, quase todos são dos clubes “nanicos” do ascenso. Neste grupo não estariam os barras dos clubes grandes, como Boca, River, Racing, San Lorenzo e Independiente. Certo que um número desses hinchas já fazem parte das HUA (principalmente do Rojo), mas trata-se de um número insignificante.

O paradoxo da confusão

Curioso é que as autoridades ainda estão preocupados com as barras dos clubes grandes. Porém, a briga tem sido travada principalmente em torno dos barras das HUA. Por um lado, eles estão focando os hinchas dos clubes grandes, mas, por outro, acreditam que eles fazem parte das HUA. Desta forma, os poucos torcedores dos grandes que fazem parte das Hinchadas Unidas receberão toda a atenção. Só que os piores barras de Boca e River, por exemplo, não virão através das HUA, porém de forma independente. Embora as autoridades estejam estudando o comportamento desses barras, tudo indica que eles serão ignorados e não receberão a devida atenção, já que nossas autoridades não consideram que eles virão para cá por fora do grupo das Hinchadas Unidas.

Outro detalhe interessante é que o modelo de confusão causado pelos barras dos clubes grandes é que tem sido objeto de estudo. Só que mais de 90% dos membros das HUA são dos clubes do ascenso, que têm uma maneira diferente de causar problemas. Uma das dificuldades da polícia bonarense é justamente esse. Os barras dos clubes pequenos possuem formas peculiares de agir. Em geral, a polícia sempre aprende algo com eles, após as surras que recebe, quando tenta abordá-los. Na prática, a polícia argentina não conhece nada da forma como atuam os violentíssimos barras bravas dos clubes pequenos. Mas isto não importa, pois ninguém por aqui parece preocupado com eles.

Ingressos para os jogos

A AFA já disse que não distribuirá sequer um ingresso para os barras bravas. De fato a AFA recebe ingressos que tradicionalmente a FIFA distribui às associações de futebol de cada país membro. De posse deles, a AFA os repassa para os dirigentes dos clubes. Sendo assim, mesmo que a AFA seja contra o repasse dos ingressos aos barras, dificilmente algum dirigente de clube deixaria de fazê-lo em relação aos seus ingressos. De qualquer forma, apenas uma minoria deverá ter entradas para os jogos. Então, quase todos os 950 membros das HUA e os demais barras que virão por conta própria ficarão soltos nas ruas de Porto Alegre e no entorno do estádio, quando a Argentina estiver jogando.

De forma que teremos uma polícia preocupada com os acontecimentos dentro dos estádios, preocupada com possíveis manifestações ante-Copa e, ao mesmo tempo, completamente despreparada para lidar com barras que possuem táticas de guerrilhas, patrulhamento e emboscada a policiais. Ou seja, as medidas que podem surgir como efeito da cooperação entre as autoridades dos dois países não terão grandes efeitos, na prática. Mas a cooperação terá uma consequência positiva para alguns: centenas de autoridades da Justiça argentina (de altos policiais a membros do Ministério da Justiça) deverão chegar ao Brasil e ficarão por aqui do primeiro ao último dia da Copa do Mundo.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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