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Luto no Vélez, que chora o artilheiro de seu 1º título: Omar “Turco” Wehbe

O Vélez é visto como um time associado à imigração italiana, algo reproduzido em suas cores. Poderia também ser ligado aos árabes, que ainda são apelidados de Turcos na Argentina por terem imigrado como cidadãos otomanos. Se no fim dos anos 90 contava com os irmãos Claudio e Darío Husaín e no início daquela década festejou seus principais títulos com os gols de Omar Asad (por sua vez primo de Julio Asad, meia destacado no clube nos anos 70; o filho Yamil Asad chegou a defender o Fortín recentemente), teve em Omar Wehbe o primeiro dessa “linhagem”. Artilheiro do campeonato e da final que marcaram o primeiro título velezano na elite, em 1968, El Turco Wehbe faleceu anteontem.

Nascido em 15 de agosto de 1944 em Buenos Aires como quinto filho de uma imigrante libanesa que chegou ao país já casada aos 17 anos, Wehbe teve uma infância humilde na zona de Villa Devoto. Para conciliar algum auxílio simbólico no sustento familiar (perdeu precocemente o pai) e o sonho do futebol, não titubeou em largar os estudos em prol de uma carreira curta, mas histórica; após integrar os times de rua Devoto Oeste, Glorias Argentinas e Ciclón de Jont, tentou provar-se no clube do coração, o River, mas no Vélez é que seria aceito, em 1960. Por algum tempo, porém, sua frequência nos estádios por um tempo se limitou a vendedor de coca-cola – curiosamente, o “sucessor” Omar Wehbe trabalharia na produção do refrigerante antes de estrear no time adulto.

Wehbe debutou no time principal só na rodada final do campeonato de 1965, uma vitória por 1-0 fora de casa sobre o Platense. O time já estava bem servido de atacantes: ficou em terceiro lugar e teve Juan Carlos Carone como artilheiro do torneio, além de Daniel Willington entre os oito principais goleadores. Sobre o mesmo Platense, pela 18ª rodada de 1966, Wehbe marcou seu primeiro gol oficial, de pênalti, em 1-1 no mesmo estádio adversário.

Wehbe explode, Agustín Cejas se resigna: na decisão de 1968 contra o Racing, “El Turco” marcou três gols

Na metade final daquele campeonato, Wehbe demonstrou sua potência, precisão e oportunismo com outros nove gols, com destaque aos três em um 5-1 no Newell’s, no 1-1 fora de casa com o Rosario Central e (também fora de casa) com o campeão Racing e de um 2-0, igualmente em Avellaneda, sobre o Independiente. O Fortín ficou em quinto. Em uma época em que a equipe do bairro de Liniers não tinha títulos na elite, e em um país em que os grandes estavam sedimentados em cinco clubes (Boca, River, Racing, Independiente e San Lorenzo), isso era muito. Wehbe já merecia uma nota na revista El Gráfico, em que foi descrito como “O Sheik do Vélez” e gabava-se à mãe que fazia o sobrenome aparecer nos jornais.

A afirmação veio em 1967. Wehbe fez 17 gols entre os Torneios Metropolitano e Nacional, incluindo um em clássico com o Ferro Carril Oeste e em dois jogos contra o Estudiantes, campeão do Metro e vice do Nacional, sendo o primeiro time de fora dos cinco grandes a vencer algum campeonato argentino desde 1930. El Turco então foi testado pela primeira vez pela seleção argentina, logo após o insucesso dela na Copa América daquele ano – o que seria um presentão, pois o jogo foi em pleno aniversário de 23 anos do atacante, terminou aguardo; os hermanos perderam de 1-0 para o Chile em Santiago, partida que marcou a estreia também de Narciso Doval, futuro ídolo de Flamengo e Fluminense.

Além do jogo contra os chilenos (em que figuraram outros dois velezanos: Carone e o goleiro José Miguel Marín), em 15 de agosto, Wehbe também participou de uma série de amistosos fora do país naquelas semanas, sem sorte. No dia 22, a Albiceleste perdeu de 2-1 para o México, na Cidade do México; no dia 27, com gol de Wehbe, ficou no 2-2 com o clube Málaga; no dia 29, perdeu de 2-1 para o Espanyol; no dia 31, ficou no 1-1 com a Fiorentina e em 3 de setembro, no 0-0 com o Lecce. Ao fim, o ano terminou agridoce por outra razão também: o atacante sofreu uma lesão séria que lhe afastou por meses e meses.

O sorriso de quem estreava em pleno aniversário pela seleção, ainda em 1967: Pachamé, Rogel, Bertolotti, López, Manera e Marín; Pardo, Viberti, Doval, ele e Carone

Wehbe pôde voltar a marcar gols já na 6ª rodada do Torneio Nacional de 1968, um triunfo de 4-2 sobre o Rosario Central, em 6 de outubro – o campeonato foi travado em turno único e deveria ser finalizado após 15 rodadas. Vinte dias depois, El Turco fazia dois em 3-0 sobre o Estudiantes recém-campeão mundial. Na reta final, desbancou um jovem Carlos Bianchi, sendo imparável entre a 10ª e a 14ª rodadas. Não só marcou gol em todas elas, como acumulou dez naquelas cinco partidas: um no 2-1 no River, outro em derrota de 3-1 para o Colón em Santa Fe, dois em 5-2 em Avellaneda sobre o Independiente, nada menos que cinco em 11-0 sobre o Huracán de Ingeniero White e o único em 1-0 fora de casa contra o Independiente Rivadavia.

O gol no River e os cinco naqueles 11-0 (maior goleada da história do Vélez) seriam providenciais. Afinal, o campeonato regular terminou com Vélez e River igualados na liderança, junto com o Racing. Forçou-se um triangular que teria o saldo de gols como critério de desempate. No triangular, River e Vélez empatarem entre si e venceram o Racing, com os gols de Wehbe terminando determinantes, pois a diferença foi de quatro gols (eis o peso daqueles cinco à primeira vista excessivos…). A última partida foi o duelo do Fortín com a Academia, derrotada por 4-2 com três gols do Turco, que sagrou-se também artilheiro do torneio – e isso que ele jogou sob infiltrações, realizadas, curiosamente, pelo médico do rival Ferro Carril.

Wehbe será desfalque sentido na festa dos 110 anos do Vélez, que comemorará esse aniversário em 1º de janeiro de 2020. Mas pôde viver para festejar em dezembro passado os cinquenta anos desse título, o primeiro do time de Liniers. Infelizmente, o austero presidente José Amalfitani barrou a participação fortinera na Libertadores de 1969, embora a desculpa fosse o descontentamento com o ingresso também de vice-campeões. Naquele ano, o Vélez terminou em 3º em seu grupo no Metropolitano, com Wehbe mantendo a boa fase: foi o terceiro na artilharia, a dois do goleador máximo (Silva Batuta, do Racing, único brasileiro a conseguir isso na Argentina).

Wehbe acolhido pelos fortineros após um de seus três gols na final de 1968. Atrás dele, com a camisa 16, um Carlos Bianchi ainda jovem com cabelos

Após cerca de dois anos de ausência, El Turco retornou então à seleção, com dois jogos contra o Chile na virada de maio para junho: 1-1 em Santiago e 2-1 em La Plata, além de uma partida não-oficial com a seleção do Rio Grande do Sul em 27 de junho (1-1 no estádio do Racing). Wehbe não marcou gols, mas ainda poderia eventualmente fazer a diferença nas eliminatórias à Copa de 1970, que ainda começariam. Mas a partida contra os gaúchos foi sua última pela Albiceleste: uma ruptura nos meniscos representou outra das lesões que lhe abreviaram a carreira, um outro fator que lhe aproxima da trajetória do “sucessor” Omar Asad. O atacante que pôde acumular excelentes 57 gols em 95 jogos (média de 0,6 por partida) só marcou duas vezes no Torneio Nacional de 1969 e nenhuma no ano de 1970, quando seu estado mal permitiu que participasse.

Wehbe tentou seguir a carreira em 1971 pelo Chacarita, transferência que não era um declínio: campeão do Metropolitano em 1969, o Chaca vivia seu auge na época, tendo sido semifinalista do Nacional de 1970 e terceiro no Metropolitano de 1971. Mas Wehbe não casou bem como funebrero, só atuando quatro vezes, marcando um gol. Foi para aplicar a lei do ex: foi em derrota de 2-1 para os ex-colegas do Vélez, que seriam novamente campeões se não sofressem inesperada derrota de virada em casa para o Huracán na rodada final. A importância pioneira de 1968 e de Wehbe apenas se reforçaria, com o Fortín tardando 25 anos para obter uma segunda conquista nacional, já para abrir sua época dourada com os gols do Turco Asad…

Nota pessoal: descobri Wehbe em minha primeira viagem à Argentina, onde manuseei e adquiri pela primeira vez uma revista El Gráfico (edição de abril de 2010). Em uma seção dedicada a imagens históricas, ele comemorava no alambrado um de seus três gols na final de 1968, recebendo o abraço de Carlos Bianchi. Meses depois, em retorno acadêmico ao país, dividi a mesa de um seminário com alguém que portava o mesmo sobrenome incomum – que depois me confessou ser um sobrinho do ex-atacante. Descanse em paz.

Wehbe erguindo o troféu de 1968 na festa do centenário do Vélez, em 2010

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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