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Maior campeão do Boca, Battaglia se despede unindo Riquelme e Palermo

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Sebastián Alejandro Battaglia nunca foi craque e foi titular absoluto em períodos esporádicos, mas não há xeneize que queira mal esse volante eficiente e nada egoísta (sabia ser reserva) que, descontando um ano e meio perdido no Villarreal, defendeu o Boca de 1998 e 2011. Uma camisa descomunal que nunca pesou nele, que estreou ainda antes dos 18 anos em um semestre tumultuado para não muito depois colher em cheio a época mais dourada dos auriazuis. Um dos três únicos que participou das quatro Libertadores que os bosteros acumularam desde 2000 (Hugo Ibarra e Guillermo Barros Schelotto são os outros), é desde 2011 o maior campeão de um clube riquíssimo em taças. Só por reiteradas lesões não está entre os dez que mais jogaram.

O início também não fácil: primeiro iria ao San Lorenzo, que não aceitou bancar-lhe uma pensão. Aprovado pelos olheiros do Boca, chegou quando o time havia perdido o Apertura 1997 com vários contornos dramáticos: sem ser campeão há meia década, o time teve só uma derrota e fez a melhor campanha de um vice-campeão nos torneios curtos, inferior apenas a de cinco campeões. A taça foi perdida por um ponto justo para o arquirrival River, ultravencedor naquele período.

Para completar, Maradona abandonara o barco e a carreira em plena campanha. O elenco sentiu o baque e teve um primeiro semestre de 1998 à deriva. O técnico do agridoce 1997, Héctor Veira, foi demitido e foi sob o comando do interino Carlos García Cambón que Battaglia estreou profissionalmente, ainda com 17 anos. Foi um 4-0 no Gimnasia y Tiro de Salta, na única participação da novidade no Clausura 1998. Só voltaria a campo quatro meses depois, em um 2-0 fora de casa no Flamengo pela Copa Mercosul.

O técnico já era Carlos Bianchi, que usou Battaglia mais duas vezes naquele ano, dentre os reservas observados na Mercosul – o volante não integrou nenhuma partida do título do Apertura 1998, semente do Boca supervencedor dos anos seguintes. Ele foi aconselhado por Bianchi a aceitar um empréstimo à segunda divisão espanhola, ao Badajoz. Relembrou isso em 2010: “‘aqui vais estar estancado na reserva’, me disse, então me cederam (…). Mas lá foi o contrário: o técnico me disse que não ia jogar porque era muito jovem. Estive um mês e voltei no começo de 1999. Expliquei a situação a Bianchi e lhe disse que lutaria aqui”.

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No mundial de 2000, vencido sobre o Real Madrid. Era o titular mais jovem em campo

“No final, nesse Clausura terminei jogando as últimas quatro partidas. E arranquei. O que não vou me esquecer é o natal de 1998 que passei na Espanha, o natal mais triste da minha vida. Estava com Eduardo Magnin e o venezuelano Rojas Méndez, os três em um hotel, sozinhos, porque na Espanha não é como aqui que soltam fogos de artifício. Era um povoado pequeno, brindamos à meia-noite, ligamos a Buenos Aires para celebrar, que eram cinco horas mais cedo e pronto, fomos dormir”.

O cão-de-guarda recuperador de bolas era o colombiano Mauricio Serna, que em outubro de 1999 rompeu os ligamentos em um amistoso do seu país com a Argentina. Bianchi passou a confiar em Battaglia, um caudilho low profile, que não precisava de gritos para se impor. Com 19 anos, ele atuaria em treze das quatorze partidas da vitoriosa Libertadores de 2000, mesmo na concorrência com Cristian Traverso, José Basualdo e Gustavo Barros Schelotto como carregadores do piano para Juan Román Riquelme. O grande jogo do Boca na campanha foi nas quartas-de-final.

Foi diante do River, que no Monumental venceu por 1-0 e tinha um time mais estrelado na época. Na Bombonera, Palermo ofuscou a todos ao marcar “de muletas” o gol de misericórdia dos 3-0: ele mal tinha condições físicas após seis meses lesionado. Mas Battaglia também jogou demais, especialmente levando-se em conta que saiu do banco. Ele primeiro sofreu o pênalti convertido por Riquelme encaminhar a classificação, abrindo 2-0 já perto do final, e depois forneceu o passe para Palermo marcar aquele gol cinematográfico no último minuto. Quando Serna se recuperou, Bianchi deu um jeito de escalá-lo junto com Battaglia para o mundial, onde o Boca bateu por 2-1 o Real Madrid.

Em 2001, ele já não participou tanto: após vencer o Real, rompeu os ligamentos do joelho ainda em dezembro de 2000, contra o Independiente. Deu ao menos para participar de nova final vencida na Libertadores. Em 2002 e 2003, sim, foi titular absoluto, recebendo seus primeiros testes na seleção no início de 2003.

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Em 2003, na primeira despedida do Boca e na seleção

Neste ano, ganhou nova Libertadores, tabelando com Carlos Tévez para El Apache abrir o placar sobre o Santos no Morumbi e praticamente garantir a taça – o Boca havia vencido por 2-0 em Buenos Aires. Ainda marcou o primeiro gol, de cabeça, daqueles 2-0 sobre o River no Monumental na campanha campeã do Apertura, naquela partida mais lembrada pela valsa de Iarley no segundo gol.

Eis aí outro motivo para Battaglia ser tão querido: foram só 29 gols em 360 jogos, mas o faro crescia diante do arquirrival, no qual marcou 5. Naquele Apertura o volante se despediu da Bombonera pela primeira vez, às lágrimas carregado nos ombros de juvenis antes do 1-1 com o Olimpo. Havia acabado de acertar a transferência ao Villarreal e depois dali jogaria uma última vez, no mundial, vencido sobre o favorito Milan. A família não se ambientou no novo lar, nem ele e no segundo semestre de 2005 estava de volta à velha casa. O Boca do técnico Alfio Basile emendava títulos nacionais, Sul-Americanas e Recopas.

Nesse embalo, Battaglia retornou à seleção em 2005, mas uma pubalgia complicou de vez sua ida à Copa 2006. No mesmo ano, sofreu tendinite e ficou parado de setembro a janeiro de 2007. Pablo Ledesma, Éver Banega, Neri Cardozo e Jesús Dátolo irromperam na concorrência para serem os escudeiros de vez de Riquelme, mas o velho – ou melhor, experiente, pois tinha só 26 anos – caudilho, ainda que saindo do banco, jogou aquelas duas massacrantes finais sobre o Grêmio na Libertadores.

Foi titular no mundial contra o Milan, a única final internacional pós-2000 em que o Boca perdeu com Battaglia em campo: ele se ausentou contra o Bayern em 2001, estava no Villarreal enquanto o Once Caldas levava a melhor na Libertadores 2004 e havia acabado de parar em 2012. Estatísticas que só reforçam a aura dele, que ainda deixou seu golzinho na última taça internacional boquense, nos 3-1 sobre o Arsenal pela Recopa em 2008. Neste ano, no título do Apertura, ele se igualou a Guillermo Barros Schelotto como maior campeão pelo Boca e foi quem estampou a capa da El Gráfico comemorativa da taça.

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Com o título de 2008 e divertindo-se ontem, vendo Iarley contra Bermúdez

Battaglia teria mais algumas oportunidades na seleção entre 2008 e 2009, ano em que ainda pôde ver seu primo, também chamado Sebastián Battaglia, ser colega de clube. Evitou o quando pôde uma cirurgia no joelho esquerdo para ter alguma chance de ir à Copa 2010, mas precisou realizá-la em janeiro. Naquele ano, a El Gráfico calculou que tantas lesões haviam tirado-o de hipotéticos 114 partidas, que se tivessem contado com sua participação deixariam-no a apenas doze jogos do recordista do Boca no quesito, Roberto Mouzo. Osteocondrite foi a adversária final, fazendo-o abandonar a carreira na pré-temporada de 2012.

Ele havia jogado apenas uma vez no torneio anterior. Justamente na partida do título do Apertura, seu 17º, permitindo-lhe ali superar Schelotto – embora as wikipédias da vida coloquem-no como campeão da Copa Argentina de 2011-12, ele não chegou a atuar na campanha. Battaglia voltava a jogar depois de nove meses, mas o osteocondrite voltou e ele jogou a toalha. A estatística aparece novamente: aquele foi o último Argentinão ganho pelo Boca.

Mas o último feito de Battaglia ficou para ontem, onde um time azul enfrentou um amarelo na Bombonera. Uma ocasião que fez Riquelme voltar a jogar no estádio após uma despedida recente ainda controversa e saudar os desafetos Martín Palermo e Guillermo BArros Schelotto. Riquelme chegou a parar o jogo só para aplaudir uma caneta de Palermo em Cagna. A “união de água e azeite” coroou o desfile de tantos e tantos ídolos de diferentes períodos daquele super Boca. Battaglia jogou um tempo por cada cor, com os azuis começando com Roberto Abondanzieri, Hugo Ibarra, Jorge Bermúdez, Aníbal Matellán e José Calvo; ele, Mauricio Serna, Juan Román Riquelme e Gustavo Barros Schelotto; Marcelo Delgado e Martín Palermo, treinados por Carlos Bianchi.

Os amarelos se perfilaram com Guillermo Sara; Jorge Martínez, Rolando Schiavi, Nicolás Burdisso e Juan Kuproviesa; Matías Donnet, Raúl Cascini e Diego Cagna; Iarley; Guillermo Barros Schelotto e Antonio Barijho, treinados por Jorge Ribolzi. Palermo, Matellán, Delgado, o próprio Battaglia e duas vezes Riquelme fizeram os gols azuis e novamente Battaglia, Iarley, Barijho e o reserva Omar Pérez anotaram os amarelos, em uma partida bem mais de encher os olhos que a do arquirrival – que viu Javier Saviola e Lucho González reestrearem após mais de dez anos sem saírem de um 0-0 com o Tigre…

Clique aqui para ver mais fotos da despedida de Battaglia. E aqui para conferir imagem e vídeo dos cumprimentos de Riquelme e Palermo.

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Carregado na Bombonera uma última vez, por Burdisso
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Observando lances da carreira no telão do estádio
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Com Palermo, Cagna e Iarley antes do jogo
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Obrigado!

Caio Brandão

Advogado desde 2012, rugbier (Oré Acemira!) e colaborador do Futebol Portenho desde 2011, admirador do futebol argentino desde 2010, natural de Belém desde 1989 e torcedor do Paysandu desde antes de nascer

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