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O dia da mentira como o dia do vexame e da vergonha

Argentinos deixam o campo de cabeça baixa, no dia da mentira, que também foi o dia do vexame e da vergonha

Difícil acreditar na Bolívia como uma parada dura para a seleção de Sabella. Porém, a Albiceleste não vence los Verdes a três partidas. Não bastasse isto e o mini tabu se instaurou justamente no dia da mentira. Em primeiro de abril de 1999, a seleção argentina sofreu uma das piores derrotas da sua história. O 6×1 para os bolivianos não tem paradeiro nem mesmo no 5×0, em casa, para a Colômbia. Portanto, no dia primeiro de abril de 99, o dia da mentira foi também o dia do vexame e da vergonha.

Fácil supor que a Argentina vai passar fácil pela Bolívia, a despeito da altitude de 3.670 metros acima do nível do mar. O Altiplano já pregou peças em praticamente todos os rivais sul-americanos, mas não pode ser decisivo diante de uma camisa como a da Argentina. Desta forma, convém salientar que ao perder para os bolivianos, em La Paz, a altitude é apenas uma das causas. Há outras que não podem ser ignoradas.

Falamos disso agora porque a Argentina não vence a Bolívia contam três partidas já. E o tabu começou com uma assustadora derrota para los Verdes, no dia da mentira. Naquele dia primeiro de abril, fosse você no boteco e contasse essa história e certamente alguns desavisados ficariam até irritados com uma mentira descarada e sem potencial de pregar peças em alguém. Naquele dia, a Seleção, então comandada por Diego Maradona, foi cruelmente humilhada por 6×1.

Goleada assim a Argentina só havia sofrido em 1958 para uma das potências da época: a Tchecoslováquia. Alguma coisa parecida ocorreria 35 anos depois, nas Eliminatórias para a Copa de 1994, nos dos EUA: 5×0 para a fortíssima seleção da Colômbia, composta à época por Rincón, Asprilla, Valderrama, Valéncia e companhia. Duas grandes derrotas, mas incomparáveis ao baile de La Paz.

Naquele dia, não foi Messi o nome do jogo, nem Tevez, nem Gago. Joaquin Botero marcou três e ainda viu Marcelo Moreno, Alex da Rosa e Jair Torrico completarem o placar. Com certo dó da Argentina, los Verdes deram mole e deixaram Lucho González descontar.

Para se ter uma ideia do vexame, a Bolívia era a penúltima colocada no certame e assim se manteve mesmo com a goleada. Quanto à Argentina, se manteve no quarto posto e somente a dois pontos do Uruguai, que, à época, era a equipe que estava na zona da repescagem à Copa do Mundo na África do Sul.

Mesmo com a derrota, Dieguito se manteve no comando da Albiceleste. Não que isto tenha ocorrido pelo bom senso de Grondona: longe disso. É que Maradona era a figura ideal para maquiar o desastroso momento do futebol argentino. Sua presença enigmática tirava a Albiceleste do foco aceso e vigilantes dos principais críticos do país. Ninguém pensava em Batista e sequer imaginava Sabella no comando do banco de reservas argentino. Nada disso.

E a vergonha não foi só do placar. Foi do futebol apresentado. Foi do esquema mal armado para encarar a altitude. Foi da preparação e foi sobretudo da alma em campo de cada jogador. Embora todos eles estivessem perto do céu, o que pareceu foi que suas almas sequer subiram ao Altiplano boliviano. Mortos em campo, os atletas argentinos pareciam não se importar nem um pouco com cada gol que levavam. No fim, o 6×1 pareceu pouco doloroso para os jogadores. Só que o resultado manchou a história da Seleção. E para sempre.

E a encrenca com a Bolívia é tão grande que a Argentina empataria por 1×1 os dois jogos seguintes, e ambos em domínios bonarenses. E as coincidências aumentam e de maneira tão estranha quanto à dificuldade dos jogadores de colocarem a pelota no arco. No dia primeiro de julho de 2011, na estreia da Copa América, Agüero conversou com o próprio diabo para empatar um cotejo, cujo placar fora inaugurado justamente com um gol contra de Ever Banega. Já no dia 11 do 11 de 2011, Marcelo Moreno guardou, precisamente aos 11 minutos e 11 segundos, do segundo tempo. Não fosse por Lavezzi, três minutos depois e a Bolíva venceria a Argentina pela segunda vez na sua história. A peleja também foi no Monumental. E o gol boliviano, repito, saiu aos 11 minutos e 11 segundos do dia 11 do 11 de 2011.

Para mudar isto nada dos planos do Pachorra em levar somente uma formação alternativa, sem os principais jogadores do elenco. Verdade que alguns nomes do banco vão entrar na equipe. Clemente Rodríguez é o caso. Banega é outro, mas por uma necessidade, já que Gago se contundiu. Palácio é uma opção, mas fruto do merecimento. No entanto, Di María está de volta e recupera a camisa de Montillo.

Só que a principal novidade será a presença de Lionel Messi, desde o início do cotejo. Esta opção não era nem um pouco do Pachorra. Foi “La Pulga” quem insistiu. Talvez porque o craque do Barça nunca tenha marcado sequer um gol em los Verdes. Talvez porque o comprometimento com a camisa albiceleste é outro, hoje em dia: bem diferente daquele que assaltava a alma dos atletas argentinos no dia do vexame. E da vergonha.

Joza Novalis

Mestre em Teoria Literária e Lit. Comparada na USP. Formado em Educação e Letras pela USP, é jornalista por opção e divide o tempo vendo futebol em geral e estudando o esporte bretão, especialmente o da Argentina. Entende futebol como um fenômeno popular e das torcidas. Já colaborou com diversos veículos esportivos.

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