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Palermo 300

Há algo de inexplicável na carreira de Martin Palermo. Objetivamente, poucos irão discordar que se trata de um jogador com limitações técnicas mas apurado faro de gol. Um bom centroavante, como muitos outros e que alcançou a marca dos 300 gols ao fazer o tento contra Gimnasia LP, aos 4 minutos da primeira etapa. Mas as peculiaridades de sua carreira são tantas que El Titán acaba sendo um personagem bastante singular no mundo do futebol.

A começar pelos obstáculos que teve de enfrentar. Palermo começou a carreira no Estudiantes, e não agradava ao treinador Miguel Angel Russo. Pouco jogava, e terminou por ser negociado com o San Martín de Tucumán. Mas uma divergência entre os dois clubes o manteve em La Plata.

O destino interveio de novo, e logo depois Russo caiu. Em seu lugar entrou Daniel Córdoba, que o elevou a titular. Os gols começaram a surgir (38, em 1996), e outras equipes se interessaram. Acabou indo em 1997 para o Boca.

Na equipe xeneize Palermo teve dificuldades no início. Apesar de agradar aos torcedores com seus gols (incluindo um em seu primeiro superclássico), o jogador chegou em má hora. Repleta de jogadores de nome (Maradona, Caniggia, etc.), a equipe vivia um clima de caos, e não conquistava títulos desde 1993.

O ambiente atribulado, a falta de títulos e as lesões pareciam condenar a passagem de Palermo no Boca ao fracasso, a despeito dos gols marcados. Mas em 1998 a história mudaria com a chegada de Carlos Bianchi. Palermo e o Boca Juniors chegariam ao auge de sua história.

O ponto máximo dessa trajetória foi em 2000. Após vencer a Libertadores em um Morumbi lotado contra o Palmeiras, era hora de enfrentar o superpoderoso Real Madri pelo título mundial. E os xeneizes venceram por 2 a 1 em uma atuação histórica. Dois gols de Palermo, ambos marcados nos primeiros minutos de jogo. O mito tomava forma.

Um feito espetacular como esse não passaria desapercebido dos europeus. E Palermo foi para o Villarreal, ficando um total de 4 anos na Espanha (teve rápidas passagens também por Alavés e Betis). Mas a química não era a mesma. 25 gols e muitas contusões depois, El Titán voltava à Bombonera.

Até ali Palermo era apenas um ídolo xeneize. Havia superado suas limitações e as situações desfavoráveis. E como exemplo de que a carreira desse jogador é singular, até seus momentos difíceis são únicos. Um deles, os três penaltis perdidos na mesma partida pela Copa América de 1999. Outro, a queda do alambrado sobre ele quando comemorava um gol pelo Villarreal, causando grave contusão.

Na volta ao Boca o mito se consolidou. As lesões nunca o abandonaram, mas o Titã sempre conseguia voltar para marcar mais gols. Vieram mais três títulos nacionais e uma Libertadores. Mas desta vez, mais do que ajudar muito seu clube, Palermo chegaria a marcas pessoais históricas.

A 1 de março de 2009 marcou contra o Huracán seu 195 gol com a camisa auriazul, superando Pancho Varallo como maior artilheiro da história profissional do clube. E em 12 de abril de 2010, contra o Arsenal de Sarandí, chegou aos 219 gols, superando Roberto Cherro, e se transformando no maior artilheiro da história do clube.

Faltava algo a conquistar? Sim: a seleção. Palermo havia jogado pouco pela albiceleste, marcado menos ainda (7 vezes) e era mais lembrado pelos três penais perdidos na Copa América de 1999 do que por qualquer outra coisa que tivesse feito pela seleção de seu país. Mas a estrela do jogador se mostrou mais uma vez infalível.

Na reta final das eliminatórias para a copa de 2010, com a classificação da albiceleste para o mundial seriamente ameaçada, Maradona resolveu chamar El Titán. Ninguém entendeu bem por que. Mas na penúltima partida, contra os fraquíssimos peruanos, a luz de Palermo brilhou como nunca. O 1 a 1 deixava os argentinos em situação delicada para a última rodada. Mas debaixo de uma chuva monumental, o artilheiro marcou nos descontos o gol da vitória (acima).

A Argentina estava na copa, e Palermo também. Como último reserva de um grupo de brilhantes atacantes, Palermo dificilmente teria chance. Mas entrou no segundo tempo contra os gregos, e aos 37 anos de idade marcou seu primeiro gol em uma copa do mundo.

O melhor jogador do mundo era Messi. O melhor centroavante da temporada havia sido Diego Milito. Mas os dois passaram em branco naquele mundial, enquanto o veterano, decadente e questionado Palermo havia marcado o seu.

Agora Palermo chega aos 300 gols. Não chega a ser uma média espetacular para quem tem 18 anos de carreira e quase 600 jogos. Mas quando se visita a trajetória desse jogador, esses gols ganham um peso diferente. A carreira de Palermo mostra que nada do que vale para os outros se aplica a ele. Com El Titán nada é comum.

Tiago de Melo Gomes

Tiago de Melo Gomes é bacharel, mestre e doutor em história pela Unicamp. Professor de História Contemporânea na UFRPE. Autor de diversos trabalhos na área de história da cultura, escreve no blog 171nalata e colunista do site Futebol Coletivo.

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