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Quem quer ir ao estádio?

AFA e sua aliança com o governo

Desde Buenos Aires – Amigo, eu tenho um convite a lhe fazer. O que você acharia de ir assistir a um jogo de futebol que tem seu pontapé inicial marcado para às 21h30 de um domingo? Agregue a esse cenário a intensa condição climática da Argentina que no inverno pode atingir senções térmicas de -0º C. Lembre-se também que caso o seu time seja o mandante, você será autorizado a sair do estádio apenas trinta minutos depois da desconcentração total da torcida visitante (com sorte às 00h00 de segunda-feira). Tenha em mente todo o trajeto de volta a casa, releve o trânsito nas imediações do estádio e nem considere a ideia de usar o transporte público, uma vez que nesses horários a frequência dos ônibus é diminuída (metrô e trens já não operam mais).

Deverá estar chegando à comodidade do seu lar por volta das duas horas da manhã de segunda, dia de levantar cedo e ir trabalhar.

E aí, topa?

Pois é, sei que a proposta não é nada tentadora, mas está prestes a se tronar uma obrigação. Se já não bastasse a Copa Libertadores que tem seus jogos de meio semana programados para começar às 22h00 – um absurdo – em função de uma novela, agora as partidas do campeonato argentino que envolverem Boca e River deverão obedecer o restrito horário imposto pela AFA: 21h30 de domingo!

Lanata; jornalista no centro da polêmica

A mudança de horário foi um pedido expresso do governo. O motivo? Política. Todos os domingos às 22h00 o jornalista Jorge Lanata entra em cena com seu polêmico “Periodismo Para Todos (PPT)”, programa oposicionista, que promove duras críticas e denúncias contra os mandatos de Cristina Kirchner e de seu falecido esposo Néstor Kirchener. O programa mantém uma média de 20 pontos de audiência e sem seus picos pode chegar a 30 unidades. Em Buenos Aires cada ponto desses representa aproximadamente 30.000 casas com uma média de 3,3 pessoas por lar. Basta fazer as contas e o motivo para a alteração do início das partidas no domingo salta aos olhos em forma de número.

Enquanto isso a TV Pública transmite ao vivo o programa “6 7 8” , uma espécie de escudo protetor do governo e de Cristina. Porém a fórmula não tem dado resultado e Lanata (fundador do reconhecido Página 12) está ganhando cada vez mais notoriedade. A solução é usar o poder dos gigantes River e Boca para, de alguma forma, frear o avanço dos ataques do jornalista opositor. Trata-se de uma guerra midiática que pensa em usar o futebol como arma.

Dados de audiência segundo infobae

Colocando os jogos dos dois maiores clubes do país no mesmo horário de PPT, a intenção é desviar o foco e atrair os olhares do público ao seu esporte preferido. Mas a que custo?

Boca e River já mandaram avisar que não aceitarão a nova programação. Em uma das poucas vezes em que os rivais estão do mesmo lado, prometeram entrar com uma representação na AFA amanhã, terça-feira. “Vamos argumentar que parece uma loucura usar politicamente o Fútbol para Todos. Não vamos aceitar que River e Boca joguem às 21h30 para que deixem a tela da televisão quentinha e para esconder outro programa”, afirmou Daniel Angelici, presidente Xeneize.

Vale lembrar que “Fútbol para Todos” é o nome do projeto estatal que descentralizou as transmissões de futebol dos canais fechados e de propriedade do meio Clarín, passou a televisionar as partidas nos canais de televisão aberta com acesso a todo o público.

Pese os argumentos de ambos os lados e as dissimulações também, o fato é que o torcedor fica refém de um horário nada vantajoso. O futebol que deveria servir como uma válvula de escape e de distração para os problemas rotineiros, parece estar se convertendo em mais uma dor de cabeça.

 

 

 

 

 

Leonardo Ferro

Jornalista e fotógrafo paulistano vivendo em Buenos Aires desde 2010. Correspondente para o Futebol Portenho e editor do El Aliento na Argentina.

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